A arrecadação de União, estados e municípios com o petróleo vai dobrar em cinco anos. Segundo cálculos da Agência Nacional do Petróleo (ANP) obtidos pelo GLOBO, a produção estimada em 1,2 milhão de barris diários das quatro áreas do pré-sal da Bacia de Santos , que serão ofertadas no megaleilão confirmado pelo Congresso para novembro, será capaz de abastecer os cofres públicos com R$ 52,5 bilhões por ano a partir de 2024. A cifra é muito próxima de tudo o que foi arrecadado em royalties e participações especiais (PEs) por toda a indústria do petróleo no país em 2018: R$ 55,2 bilhões.
Considerando o Imposto de Renda a ser pago pelas petroleiras, a arrecadação dos quatro campos sobe para cerca de R$ 70 bilhões por ano.
PUBLICIDADE
— Esse volume estimado de arrecadação fiscal equivale praticamente a uma reforma da Previdência — compara o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, com os R$ 876 bilhões que o governo pretende economizar em dez anos com as novas regras para a aposentadoria. — São estimativas, mas os números dão uma ideia do nível de grandeza a que vai chegar a arrecadação futura.
O Rio, cujo litoral abriga os campos do megaleilão, será o mais beneficiado. No modelo de partilha adotado no pré-sal, que cobra das petroleiras fatia mais alta de participações governamentais, quase 60% da parcela de royalties são divididos entre estados e cidades produtores. Isso significa que a produção dos quatro campos será uma nova oportunidade para a recomposição das finanças do Estado do Rio e de cidades produtoras para fazer investimentos capazes de viabilizar o futuro sem o petróleo.
A condição de estado produtor também garantiu ao Rio fatia maior que a de outras unidades da federação nos R$ 106,5 bilhões que devem ser arrecadados no leilão com bônus de assinatura, pelo direito de exploração. A União prometeu dividir 30% com todos os estados e municípios, e o Senado assegurou R$ 2,5 bilhões para o Rio, a serem confirmados na Câmara.
Ameaça no STF
A perspectiva de reforço no caixa estadual e dos municípios, no entanto, está ameaçada por um julgamento também marcado para novembro no Supremo Tribunal Federal (STF). O plenário da Corte vai decidir sobre a constitucionalidade de uma lei aprovada no Congresso em 2012 que reduz drasticamente o repasse de royalties e PEs para regiões produtoras e redistribui esses recursos para todos os estados e municípios do país.
A possibilidade de o STF derrubar a liminar da ministra Cármen Lúcia — que suspendeu a lei — preocupa governo estadual e prefeituras não só por causa da arrecadação futura. O efeito seria imediato sobre as receitas atuais do petróleo. O Rio tem 77% da produção nacional.
Em Maricá, na Região dos Lagos, a queda na receita anual seria de 69% já em 2020, segundo a ANP. Na vizinha Saquarema, de 27%. As duas cidades também estariam entre as que mais perderiam os recursos futuros dos campos do megaleilão, já que o deslocamento da produção da Bacia de Campos para o pré-sal da Bacia de Santos também está alterando a geografia da distribuição dos recursos do petróleo no Estado do Rio. O litoral das duas cidades é confrontante com os quatro campos do leilão. Elas serão as grandes beneficiadas com a produção deles, assim como foram Macaé e Campos dos Goytacazes no auge da produção no Norte Fluminense.
— Se houver redução nos royalties, vamos ter que tirar o pé do acelerador e repensar os investimentos dos próximos anos com cautela. Queremos estruturar a cidade para projetos de longo prazo e não ficar dependentes do petróleo — diz Leonardo Alves, secretário de Planejamento de Maricá.
Dez plataformas
Oddone, da ANP, explica que as estimativas de arrecadação que serão geradas pelas quatro áreas do megaleilão consideram a instalação de dez plataformas, com capacidade de 150 mil barris por dia cada, na região, além de uma cotação internacional do barril do petróleo em torno de US$ 70 e do dólar em R$ 4. A expectativa é que essas plataformas comecem a entrar em operação a partir de 2024 de forma gradativa, atingindo o pico de produção ainda na próxima década. A atividade deve gerar uma demanda de investimentos pela indústria da ordem de R$ 1,7 trilhão até 2030.
A produção
Segundo estimativas da ANP, pelo menos 10 navios-plataformas (com capacidade de produzir até 150 mil barris por dia) começarão a operar na região a partir de 2024
A previsão
É que a produção chegue a 1,2 milhão de barris por dia gerando uma receita líquida total de R$ 87 bilhões por ano
Essa produção deverá resultar numa arrecadação de R$ 52,5 bilhões por ano por um período 30 anos
Para o diretor da ANP, a concentração desse impacto econômico no Rio dá nova oportunidade para o estado e suas cidades usarem os recursos para investir em infraestrutura e promover desenvolvimento econômico, evitando os exemplos de mau uso dessa riqueza que chamaram a atenção no passado recente. O gasto com custeio, pessoal, shows e até com um calçadão de porcelanato marcaram as primeiras décadas de bonança do petróleo em cidades produtoras do Rio. Oddone alerta que é preciso eliminar a dependência dos royalties porque o petróleo tem preços instáveis e é finito:
— A perspectiva de recursos tem um recado para o Rio. Esse dinheiro tem que ser bem usado porque podemos dizer que é a última grande oportunidade de aproveitar esses recursos. Com a transição energética, os preços do petróleo vão cair no futuro. Não existe maldição do petróleo, o que existe é má gestão. A gente tem que aproveitar esses recursos de forma adequada.
Para Rodrigo Meier Bornholdt, advogado especialista em royalties, o petróleo deveria financiar saúde e educação, desenvolvendo socialmente as regiões produtoras. Para ele, a melhor forma de garantir esses investimentos seria uma legislação com mais restrições ao uso dos recursos:
— O uso dos royalties é muito incerto, depende de quem está à frente da gestão, do grupo político local. O ideal seria carimbar parte dessa verba.
Falta de planejamento dos municípios: Muitas cidades produtoras não aplicaram bem os royalties nos últimos anos. Em Rio das Ostras, uma calçada de porcelanato na orla tomou o lugar de obras de saneamento e virou símbolo do mau uso dos recursos.
Gasto com folha de pagamentos: Apesar de a legislação proibir o uso de royalties em folha de pagamentos, eles passaram a ser usados para pagar terceirizados ou aposentados. O Estado do Rio comprometeu R$ 128,5 bilhões da receita com aposentadorias.
Fundo soberano brasileiro sacado: Criado em 2008, o fundo com receitas do pré-sal foi criado para investimentos estratégicos. Em 2018, em meio à crise fiscal, a reserva foi usada para equilibrar contas públicas. Foram resgatados R$ 26,5 bilhões.
Potencial para o futuro
Investimento em saúde e educação: Para o advogado Tiago do Monte Macêdo, o ideal é investir em saúde e educação, que beneficiam gerações futuras. No entanto, é preciso antes reequilibrar as contas públicas para garantir isso.
Expansão da cobertura de saneamento básico: Investir em saneamento pode melhorar indicadores de saúde no futuro. Em Maricá, que tem R$ 1 bilhão por ano em royalties, a cobertura de esgoto é de 4,5%. A cidade criou plano para o setor.
Diversificação das atividades econômicas: Como reservas de petróleo têm fim, cidades precisam investir na diversificação da economia local, reduzindo a dependência dos royalties. Em Maricá e Saquarema há planos de polos industriais ou turísticos.
Fonte: O Globo