Essenciais à continuidade do abastecimento de combustíveis no País, trabalhadores em plataformas e refinarias da Petrobrás estão na linha de frente de exposição ao coronavírus. Mais de 800 petroleiros próprios da empresa e terceirizados já foram contaminados, segundo o Ministério de Minas e Energia, que no seu cálculo utilizou informação repassada pela própria petrolífera. Há ainda 1.642 casos sendo investigados.
O número de confirmações dentro da Petrobrás supera o total de casos contabilizado pelo Ministério da Saúde em três Estados - Mato Grosso (365), Mato Grosso do Sul (283), e Tocantins (303).
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Os casos de contaminação em plataformas e ambientes da Petrobrás são analisados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). "A gente tem algumas investigações em andamento em relação às empresas afretadas (empresas contratadas pela estatal para operar as plataformas) para que elas apliquem os mesmos procedimentos adotados pela estatal. Se a gente não conseguir, numa eventual ação judicial, a Petrobrás também tem de ser responsabilizada, porque ela é a concessionária (do campo)", diz a coordenadora nacional do Trabalho Portuário e Aquaviário do MPT, Flávia Baule.
A aglomeração e o confinamento próprios do trabalho nas plataformas de petróleo, naturalmente, facilitam a disseminação da covid-19 entre os petroleiros, dizem especialistas. O MPT e os Sindicatos dos trabalhadores questionam a efetividade e os prazos das medidas tomadas pela empresa para lidar com o problema.
O diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, afirma que os "trabalhadores do Sistema Petrobrás não se sentem seguros, desde a hora que têm de pegar o transporte até o trabalho nas unidades operacionais para garantir serviços essenciais à população". A maior parte da contaminação acontece no Rio de Janeiro, na Bacia de Campos. São 620 casos confirmados no Estado, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT).
Parte da explicação para o avanço vertiginoso da doença na Petrobrás está na natureza da atividade de exploração e produção de petróleo, diz Yuri Lima, engenheiro de produção e pesquisador do Laboratório do Futuro (LabFuturo) da Coppe/UFRJ. Segundo ele, a atividade nas plataformas marítimas é naturalmente propícia à proliferação do coronavírus, porque nelas os trabalhadores ficam confinados em espaços fechados de hotelaria, que são os locais de convívio diário de toda tripulação.
Dependendo do tamanho da unidade, de 50 a 200 pessoas compartilham essa área, que inclui quartos, refeitório, área de lazer, banheiros, escritórios e salas de operação remota. Com a aglomeração nesses espaços, rapidamente, um doente pode virar foco de contaminação dos demais trabalhadores e, ao desembarcar, pode ser um transmissor para a família e passageiros do transporte até em casa, destaca Lima.
"O problema é que a Petrobrás demorou a agir e algumas medidas básicas ainda não estão sendo tomadas, como a realização de testes em todas as unidades operacionais. O sindicato tem alertado a empresa desde janeiro por meio de ofício e parecer do nosso médico do trabalho, mas a linha tem sido de evitar nossa participação e negligenciar vidas", diz Tezeu Bezerra, coordenador geral do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF), representante dos empregados da Bacia de Campos.
Medidas de contenção
Na tentativa de fazer frente à pandemia, os gestores da Petrobrás começaram a adotar iniciativas de prevenção no meado de março. A principal delas foi a medição de temperatura e anamnese, feita por uma equipe de saúde da empresa, de quem embarcava para as unidades marítimas. Em seguida, alterou a rotina nas embarcações. A escala de trabalho passou de 14 para 21 dias consecutivos. O contingente embarcado foi reduzido à metade. E foram estabelecidas restrições ao uso dos espaços de convívio.
Mas, até então, não havia qualquer garantia de que os petroleiros já não chegavam contaminados para o confinamento. Somente no último dia 20 a empresa passou a analisar mais criteriosamente a tripulação antes de liberá-la ao embarque. Neste momento, porém, 236 empregados próprios e terceirizados já estavam contaminados e havia a suspeita de que mais de 1 mil também estivessem com a doença, segundo o MME.
Apenas na semana passada, no dia 26 de abril, com 510 confirmações da covid-19, a estatal passou a distribuir máscaras de pano, as mesmas usadas pela população em geral. Ela argumenta que teve dificuldade de encontrar máscaras no mercado para vender e, por isso, num primeiro momento, orientou os funcionários a adquirirem por conta própria.
Um tripulante de uma grande plataforma, que pediu para não ter o nome e o local de trabalho revelados, contou ao Estadão/Broadcast que embarcou para uma plataforma no início de abril, quando ainda não eram feitos testes pré-embarque. No fim do mês, voltou para casa com receio de ter sido contaminado por um colega de trabalho com sintomas da doença. Como não dividiu quarto com esse colega, não passou pelo teste da empresa no pós-embarque. Resolveu, então, pagar a um laboratório particular seu próprio exame, que deu positivo. Ele continua sem sintomas. Mas sua mulher começa a sentir febre.
Estatal já testa colaboradores
A Petrobrás, por meio de sua assessoria de imprensa, diz que já realizou cerca de 6,3 mil testes para covid-19 entre seus empregados, prestadores de serviços e contactantes de casos suspeitos. Desse total, cerca de 4 mil foram testes do tipo rápido, que detectam anticorpos e vêm sendo usados, por exemplo, para triagem dos profissionais antes do início das atividades em áreas operacionais, principalmente em plataformas.
A companhia afirma também que, desde o início da pandemia vem adotando uma série de medidas preventivas. Entre elas, "orientações sobre higiene e etiqueta respiratória, redução do efetivo nas atividades operacionais, alterações na rotina operacional para possibilitar o distanciamento entre as pessoas, monitoramento contínuo e testagem de todos os colaboradores com suspeita, isolamento com monitoramento médico pré-embarque, triagem médica e testagem rápida pré-embarque".
A Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) diz que as empresas "vêm estabelecendo procedimentos de contingência para manutenção das operações de forma segura e em conformidade com a regulação, o que vem sendo acompanhado diariamente pela ANP".
Fonte: Estadão