A decisão do governo de leiloar blocos de petróleo em uma área próxima do Parque Nacional de Abrolhos, uma das principais regiões de biodiversidade marinha do planeta, é criticada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP).
Em artigo assinado por Leandra Gonçalves, pesquisadora de pós-doutorado no Instituto Oceanográfico da USP, e Ricardo Baitelo, doutor em planejamento energético pela Escola Politécnica da USP e coordenador da Campanha de Corais da Amazônia e de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, os especialistas afirmam que a decisão “é apenas mais um caso recente onde negligencia-se a ciência” e o “posicionamento dos analistas ambientais é ignorado”.
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Abrolhos
No mês passado, uma coalizão formada pela Conservação Internacional (CI-Brasil), Oceana no Brasil, Rare, SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil foi criada para tentar sensibilizar o governo e empresas que venham a participar da 16.ª Rodada de Licitações de Blocos Exploratórios da Agência Nacional do Petróleo (ANP), prevista para ocorrer em 10 de outubro.
A realização do leilão, afirmam os pesquisadores, “nega a ciência, reduz a participação social, enfraquece as instituições, e fragiliza ainda mais a nossa tão nova democracia”.
Os riscos da exploração de quatro blocos de petróleo e gás, localizados em uma bacia sedimentar conhecida como Camamu-Almada, no litoral da Bahia, foram apontados por um parecer técnico elaborado pelo Ibama. Em abril, reportagem do Estado revelou que o parecer pedia a exclusão desses blocos do leilão, por causa dos impactos que a área poderia sofrer em caso de acidente com derramamento de óleo.
O presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, no entanto, decidiu ignorar o parecer técnico e, numa atitude inédita, contrariar seus próprios especialistas, e autorizou a Agência Nacional de Petróleo (ANP) a seguir com o leilão.
Bim, na realidade, atendia a um pleito feito diretamente pelo Ministério do Meio Ambiente, que determinou ao presidente do Ibama que fizesse a “avaliação de seu teor”, por causa da “relevância estratégica do tema”. Na data acertada, em duas páginas, ele rejeitou as argumentações técnicas e manteve os blocos de petróleo no leilão.
Os pesquisadores lembram que, de acordo com a análise técnica do Ibama, em caso de acidente com derramamento de óleo, os impactos físicos, biológicos e socioambientais podem se estender do litoral norte ao sul da Bahia e atingir inclusive a costa do Espírito Santo. O desastre ainda pode incluir o Banco de Abrolhos – um dos maiores bancos de corais do mundo.
A ANP não comenta o assunto. O Ibama também não se manifesta. O Ministério do Meio Ambiente afirmou que a responsabilidade do licenciamento ambiental é do empreendedor que vencer o leilão e que cabe a ele analisar se a exploração é comercialmente interessante ou não.
“A região dos Abrolhos é, sem dúvida, uma das joias de todo o Atlântico Sul. Não por acaso, historicamente, gestores públicos, cientistas, acadêmicos e sociedade civil têm trabalhado arduamente para a adequada proteção dessa área levando à criação do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, há exatos 36 anos, um dos mais emblemáticos do País, com espécies raras, endêmicas e ameaçadas, além de importante berçário de baleias jubartes”, comentam os pesquisadores. “Resta saber se as empresas participantes do leilão estarão dispostas a lidar com tamanha insegurança jurídica para operar nos blocos ao redor de Abrolhos.”
No mês passado, os senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) entraram com uma ação popular na Justiça Federal do Distrito Federal, para requerer a exclusão dos blocos de petróleo próximos do Parque Nacional de Abrolhos. A ação com pedido liminar de tutela de urgência foi juntada a uma petição anterior apresentada pelos senadores, na qual requeriam os documentos do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente que levaram à inclusão dos blocos no leilão.
Fonte: Estadão