Ao mesmo tempo em que começa a se beneficiar do pré-sal, a indústria brasileira de petróleo e gás natural vive também o seu primeiro ciclo de desmonte, em que plataformas são retiradas do mar e transformadas em sucata. O novo ciclo inaugura uma frente de negócios no País, que deve movimentar R$ 50 bilhões de 2020 a 2040, pelas projeções da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
A nova atividade é cercada de riscos ao meio ambiente, inclusive de contaminação do mar com material radioativo, e também à segurança dos trabalhadores. Um exemplo de como um desmonte pode dar errado aconteceu em 23 de agosto, quando 1,2 mil litros de óleo vazaram do navio-plataforma Cidade do Rio de Janeiro, na Bacia de Campos. O vazamento aconteceu durante o descomissionamento – termo técnico para o trabalho de retirada das unidades de óleo e gás dos locais onde estavam instaladas.
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Pelas contas da agência reguladora, cerca de cem plataformas devem ser desmontadas nos próximos 20 anos, a maior parte da Petrobrás. Em média, a vida útil de uma instalação do tipo é de 25 anos. No Brasil, há 66 nessa condição. Outras 23 estão se aproximando dessa idade e, em breve, também devem ser desmobilizadas. Há, portanto, 89 unidades candidatas ao desmonte, segundo a ANP.
Um projeto piloto acaba de ser licitado pela Petrobrás, o de três plataformas instaladas no campo de Cação, na Bacia de Campos – contrato de cerca de US$ 30 milhões. No futuro, sistemas de produção maiores podem custar até R$ 1 bilhão às petroleiras, projeta Luiz Gustavo Bezerra, sócio da área ambiental do escritório Mattos Filho.
“É uma oportunidade de negócios, de geração de empregos, de atividades de engenharia, não só para os profissionais estabelecidos e maduros, como para estudantes, engenheiros e planejadores que vêm das universidades. Então, é uma oportunidade que a gente não pode deixar passar”, afirmou o superintendente de Segurança da Operação e Meio Ambiente da ANP, Raphael Moura, a uma plateia de executivos do setor, em palestra sobre o tema realizada pela FGV Energia, no Rio.
Exemplo
A ANP mira no exemplo do Mar do Norte para traçar essa nova indústria no Brasil. A estimativa é de que no mínimo US$ 40 bilhões, nas próximas três décadas, circulem na Escócia para custear a retirada de plataformas de campos em fase de declínio, o que deve gerar 20 mil empregos. “O descomissionamento permite a migração de profissionais. Temos potencial para gerar algo similar aqui, com uma grande vantagem: nós não só temos um período de crescimento da produção (no pré-sal) muito relevante, mas também a possibilidade de abrir esse novo mercado”, disse Moura.
Por enquanto, esse novo mercado está mobilizando empresas de consultoria, principalmente nas áreas de advocacia e meio ambiente, além da engenharia especializada em construção e montagem.
De origem dinamarquesa, a Ramboll, com experiência internacional nesse segmento, está montando um escritório no Rio de Janeiro. Também a Método Engenharia, que há anos presta serviço de montagem em unidades fabris da Petrobrás, está no rastro dos profissionais para atender a essa nova demanda.
Risco ambiental
O acidente com o navio-plataforma Cidade do Rio de Janeiro, no mês passado, ilustra os riscos ambientais e de operação que podem ocorrer durante o processo de descomissionamento. A embarcação apresentou vazamento de óleo enquanto era retirado do mar. O casco da Cidade do Rio de Janeiro tem 33 anos, oito a mais do que a vida útil de uma unidade de produção de petróleo e gás. No meio do caminho, há 13 anos, foi reestruturado para ser utilizado como plataforma de petróleo.
A Petrobrás, responsável pela unidade, foi autorizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) a desmontar a unidade em janeiro deste ano, após ter encerrado a operação em meados de 2018. Em março o descomissionamento foi liberado pela ANP. No início do ano, o Ibama já havia afirmado que a estatal demorou em solicitar o descomissionamento.
Técnicos que tiveram acesso a imagens da plataforma e que não quiseram se identificar contaram que o tanque de onde vazou o óleo apresentava corrosão.
A Petrobrás não se posicionou sobre o tema. Já a Modec, operadora do navio, disse que tanto ela quanto a Petrobrás já haviam tornado pública a informação de danos à lateral do navio.
Complexidade
Pelo ineditismo e também pelos riscos ambientais, é mais complexo desmontar uma estrutura de produção de petróleo e gás instalada em alto mar – com plataformas e extensas redes de linhas submarinas – do que instalá-la. Há dois anos, a ANP avalia uma nova regulamentação, de olho no ciclo de retirada dessas unidades que se inicia em 2020. Mas, frente aos riscos e à necessidade de debater com empresas, com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e a Marinha, apenas no fim de outubro deve sair a nova resolução sobre o tema.
A nova regulamentação está sendo desenhada tendo como princípio que “aquele que explorar os recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado”, como prevê a Constituição. Isso impede, por exemplo, que a indústria petroleira abandone instalações inteiras, ou ao menos parte delas, no fundo do mar.
Outro desafio para as companhias petroleiras, na fase de descomissionamento, é a segurança dos trabalhadores envolvidos no desmonte. Outro ponto é o risco de resíduos, inclusive radioativos, acabarem no mar.
Resolvidas essas questões, falta definir como as plataformas devem ser transportadas até a costa, para então serem desmembradas e transformadas em matéria-prima para a indústria siderúrgica. Nessa etapa, o maior perigo é de contaminação entre o local onde a embarcação estava instalada, no litoral, e a base de apoio, em terra.
É nessa fase, de transporte da plataforma, que surge um dos maiores fantasmas dos ambientalistas desse setor – o coral-sol, uma espécie invasora, própria dos oceanos Pacífico e Índico, que chegou ao Brasil, entre outros meios, incrustada em embarcações e plataformas trazidas do exterior. Aparentemente inofensivo, o coral-sol toma o espaço de outras espécies e ameaça a biodiversidade.
Fonte: Estadão