O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou ontem a fusão entre a ALL e a Rumo (da Cosan) com restrições (como o limite de movimentação de cargas próprias, por exemplo), mas sem que as empresas tenham que vender um centavo em ativos. A decisão foi tomada por unanimidade, em um caso que bateu recorde de pedidos de impugnação junto ao órgão antitruste. A aprovação foi antecipada na última semana pelo Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor.
A aprovação põe fim a uma série de incertezas regulatórias que o processo de fusão causava entre investidores, que receberam bem a decisão final do Cade. Ontem, as ações da ALL subiram 15%, para R$ 5,18. Já as da Cosan Logística (antiga Cosan Infraestrutura) valorizaram 10%, para R$ 2,97. O Ibovespa caiu 0,56%, para 48.240 pontos.
Agora, a expectativa do mercado é que as companhias negociem com o governo federal a extensão do prazo de concessão das ferrovias em troca de mais investimentos na malha. Para os analistas Renato Mimica e Samuel Alves, do BTG Pactual, "todos os olhos" dos investidores estão agora voltados a isso. Eles esperam que a fusão trará melhorias para a nova companhia ainda neste ano. Ao longo das discussões sobre a operação, os executivos da Cosan chegaram a falar que a extensão dos prazos era uma parte importante do negócio.
O próprio presidente da Cosan, Marcos Lutz, subiu à tribunal do Cade para defender a operação, citando os investimentos que a nova companhia pode fazer. "Concordo que a ALL não atende bem os seus clientes, mas essa operação muda isso", afirmou. Segundo ele, a ALL não tinha capacidade de se financiar e a fusão modifica esse cenário, permitindo novos investimentos na companhia. "Aqui, nós conseguiremos expandir a ALL, que é o que o país precisa", concluiu.
Na época das negociações da fusão, informações indicaram que seriam feitos investimentos de ao menos R$ 8 bilhões em cinco anos.
Lutz também disse, após o julgamento, que as restrições do Cade são aceitáveis, já que "não afetam a capacidade de investimento". "A decisão dá conforto aos usuários de que (os ativos) serão usados de forma igualitária e permite a expansão da companhia", acrescentou.
As argumentações sobre potencial de novos investimentos influenciaram o Cade. O presidente do órgão antitruste, Vinícius Carvalho, admitiu que pesou no julgamento os anúncios de novos desembolsos na ferrovia, o que deve causar aumento de transporte de cargas. "Esse compromisso aposta muito nas eficiências e na possibilidade de que elas advenham de aportes de investimentos robustos. É isso que a sociedade espera", disse Carvalho.
Entre os terceiros interessados no processo há temores sobre a decisão. Para um executivo, algumas das restrições impostas à fusão foram brandas. "As condições de governança também não impedem abuso de poder econômico". Para essa fonte, todavia, o ponto positivo é a existência de um novo investidor na ALL. "Eles [Cosan] foram os únicos dispostos e as restrições impostas pelo Cade não devem dificultar o investimento, que é o que a ALL precisa". Outra fonte observa que ainda há possibilidade de discriminação, que pode ocorrer em questão de "horas" durante a operação, mas que demoraria "meses" para ser remediada de acordo com as medidas estabelecidas.
De forma geral, no entanto, os interessados ainda vão estudar o chamado Acordo em Controle de Concentração (ACC) do Cade - cujo texto ainda nem havia chegado às mãos de todos os interessados ontem. Ao todo, mais de 16 empresas e associações pediram restrições contra a fusão no Cade temendo dificuldades no acesso à estrutura logística da nova companhia. A lista inclui Agrovia, Fibria, Eldorado e Ipiranga.
Durante o julgamento, os conselheiros optaram por impor condições sobre a conduta das empresas no mercado de transporte e armazenamento de produtos. Segundo o relator do processo, conselheiro Gilvandro Vasconcelos Araújo, a Cosan terá, por exemplo, uma cota máxima para utilização da ferrovia para o transporte de açúcar e os concorrentes terão uma cota mínima de 40% de participação nos terminais da Rumo no Porto de Santos. O valor da cota máxima não foi revelado, mas foi fixado com base nos volumes transportados atualmente pela Cosan.
Outra medida importante foi a obrigação de contratar um Supervisor, que será responsável por fiscalizar possíveis casos de discriminação na ferrovia. Ele será eleito pelo Conselho de Administração e deverá analisar as reclamações de usuários da ferrovia, informando os casos problemáticos ao Cade. "O supervisor será responsável por garantir a isonomia na prestação do serviço", explicou Araújo.
A ALL e a Rumo concordaram com as condições e assinaram um acordo com o Cade para cumpri-las. Esse acordo determinou ainda que poderão ser instaurados procedimentos de arbitragem caso haja problemas no uso da ferrovia por concorrentes da Cosan. O objetivo de o Cade prever a arbitragem foi o de permitir que eventuais disputas pelos trilhos da ALL possam ser resolvidas com mais rapidez.
O acordo prevê também que, caso o órgão antitruste apure atitudes discriminatórias por parte da companhia, serão aplicadas multas que vão de R$ 5 milhões até a proibição de transporte de cargas da Cosan. O supervisor pode sofrer multa de até R$ 1 milhão se não impedir eventuais casos de discriminação.
Pouco antes da votação, no entanto, impugnantes já tinham pedido a imposição de condições mais fortes à ALL-Rumo. Representando a Abiove, o advogado Ubiratan Mattos afirmou que o Cade não poderia aprovar a fusão sem impor medidas de desinvestimento. Ele pediu a venda de ativos da companhia no Porto de Santos e o impedimento dela em participar de novas licitações no local. "Não há registro na história do Cade de uma operação que tenha recebido tantas impugnações", ressaltou.
Já a advogada Maria Cecília Andrade, da Agrovia, disse que a empresa pode ser prejudicada pela Cosan no transporte de açúcar e também pediu a venda de ativos. "Em casos dessa magnitude não adiantam remédios comportamentais. As condutas, os abusos na ferrovia acontecem no dia a dia, na madrugada. É impossível ter um monitoramento suficiente para conter todos os abusos que acontecerem nessa operação", afirmou.
A conselheira Ana Frazão acredita que as medidas são capazes de evitar discriminação. "Não me lembro de condições de contratação tão detalhadas como essas", disse. O conselheiro Márcio de Oliveira Júnior lembrou que o Cade recebeu diversas queixas contra a fusão, mas que o órgão conseguiu equacioná-las. (Colaborou Stella Fontes, de São Paulo)
Fonte: Valor Econômico/Lucas Marchesini, Juliano Basile, Fábio Pupo e Fabiana Batista | De Brasília e São Paulo
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