O governo anunciou ontem que relicitará 55 terminais públicos arrendados à iniciativa privada antes de 1993, quando entrou em vigência a Lei dos Portos. Todos os contratos já estão vencidos. A decisão só foi tomada após meses de discussão entre os auxiliares próximos da presidente Dilma Rousseff. Uma ala de assessores presidenciais defendia a adequação (renovação) dos contratos para garantir mais tempo aos operadores portuários, em troca de compromissos de investimentos, mas acabou perdendo a disputa interna. O Valor apurou que houve discussões sobre o assunto, no Palácio do Planalto, até a noite de quarta-feira.
"Os contratos não previam a possibilidade de renovação. Não temos base legal para isso", afirmou a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Diante do desafio de relicitar um conjunto de 55 terminais, localizados dentro de portos sob administração das Companhias Docas, ela disse que uma força-tarefa está sendo organizada para tomar as providências nos próximos seis meses.
Curiosamente, essa decisão só foi divulgada após o anúncio do pacote de medidas para o setor, em cerimônia no Palácio do Planalto. A apresentação do ministro-chefe da Secretaria de Portos, Leônidas Cristino, não tocou no assunto. Sem entrar em detalhes, Cristino fez toda a sua exposição sem ter arrancado aplausos da plateia de empresários, algo incomum nesse tipo de solenidade.
Ao saber da decisão, que foi comunicada logo após a cerimônia, os operadores reagiram com indignação. "Muitas empresas vão defender seus direitos na Justiça", disse o presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli. Segundo ele, a Lei dos Portos (Lei 8.630/93) tem "um comando expressivo e determinante" que prevê a renovação dos contratos.
Manteli apresentou ao governo um compromisso de investimentos de R$ 10,3 bilhões, por parte das operadoras de terminais públicos, em troca de mais tempo de operação. "Temos que ler a medida provisória e todos os atos complementares. Mas, se o pacote era para atrair investimentos, o efeito pode ser justamente o contrário", acrescentou.
Dois empresários que arrendam terminais públicos com contratos anteriores a 1993 - um em Santos e outro em um porto do Nordeste - afirmaram ao Valor, pedindo anonimato, que vão recorrer à Justiça contra a relicitação. "Vai haver uma brutal judicialização", advertiu um deles.
À semelhança do que ocorreu no setor elétrico, a questão dos portos pode transformar-se em uma briga entre operadores e companhias docas.
Para o sócio da área de logística do escritório Veirano Advogados, Daniel Coelho, os dois lados têm argumentos jurídicos fortes e os tribunais precisarão definir questões que deveriam ter sido negociadas "com antecedência" entre o governo e os operadores, à medida que os contratos pré-1993 estivessem próximos de expirar. Outro problema, conforme antecipa o advogado, são indenizações que os atuais operadores dos terminais cobrarão por benfeitorias nas instalações, caso eles sejam mesmo relicitados.
A Cargill, por exemplo, já tem um processo judicial na 22ª Vara Federal de Brasília em que cobra ressarcimento da Codesp - estatal responsável pela administração do porto de Santos - por benfeitorias feitas em um terminal de grãos arrendado pela primeira vez em 1985 e relicitado em 2009. Uma perícia judicial avaliou os ativos não amortizados em R$ 68,6 milhões à multinacional americana. O valor é contestado pela Codesp.
Além desses 55 terminais públicos que vão ser relicitados, outros 43 terminais estão com contratos vencidos ou prestes a vencer, segundo a ministra Gleisi Hoffmann. A diferença é que esse segundo grupo de terminais foi arrendado pela primeira vez, ao setor privado, depois das Lei dos Portos. Até semanas atrás, o governo falava sempre em 98 terminais, o que agora foi dividido.
Com isso, "eles são passíveis de prorrogação, desde que cumpram requisitos de investimentos", disse Gleisi. Ou seja, caso o governo acerte com os atuais operadores compromissos de ampliação de capacidade, poderá renovar seus contratos por até 25 anos. Se não houver acordo, a relicitação dos terminais será feita com um ano de antecedência, de acordo com a ministra. A negociação ocorrerá caso a caso.
Fonte: Valor Econômico/Daniel Rittner, André Borges, Edna Simão e Bruno Peres | De Brasília
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