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Defasagem continua

Armazenagem de granéis sólidos ainda representa um dos principais gargalos para exportadores brasileiros


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Um dos maiores fabricantes de sistemas de armazenagem de grãos, a Kepler Weber, divulgou recentemente que obteve lucro líquido de R$ 24,5 milhões, em 2010, com receita líquida de R$ 366,3 milhões — um crescimento de 75% frente aos R$ 212,3 milhões de 2009. Os excelentes resultados da empresa e de outras do mesmo segmento parecem estar em descompasso com a realidade encontrada na capacidade de armazenamento de granéis sólidos no país, tanto de grãos como de minérios. A exigida certificação dos armazéns também preocupa, pois as constantes alterações de prazos dificultam o pleno desenvolvimento do setor. É senso comum para alguns dos principais players do agronegócio que o Brasil corre o risco de um verdadeiro ‘apagão’ logístico neste segmento. “O caos ainda não foi totalmente instalado. Mas quando a China começar a comprar do Canadá, por exemplo, milho e soja — nossas principais commodities — a gente vai realmente começar a ter problemas”, avisa Ricardo Thomé, gerente de Cadastramento e Credenciamento de Armazéns, da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

 

João Tadeu Franco Vino, superintendente comercial da Kepler Weber, confirma que o deficit de armazenagem no país só cresce. “Já é superior a 36,9 milhões de toneladas, ou seja, não temos onde armazenar boa parte do que é produzido no Brasil”, destaca Vino. De acordo com Carlos Beutler, gerente de Armazenagem da Armco Staco, outro fabricante de sistemas, entre eles máquinas de limpeza, secadores de grãos e silos metálicos, apesar de a empresa ter superado as metas estabelecidas para 2010 e prever crescimento para 2011 (a companhia não quis divulgar números), o setor ainda sofre muito com a infraestrutura precária. Beutler sugere que haja mais armazéns reguladores, estrategicamente localizados e em quantidade suficiente para o escoamento eficiente das safras. “Ao longo do tempo, diminuiriam o pico da demanda e possibilitariam melhor remuneração aos produtores, bem como mais racionalidade na utilização da multimodalidade, com ênfase para hidrovias e ferrovias.”

As deficiências do negócio ficam ainda mais ressaltadas quando o mercado continua, ano após ano, superaquecido. Dia 6 de abril foi anunciada a previsão de produção para safra de grãos 2010/11. De acordo com o 7° levantamento, realizado pela Conab, é de 157.415 milhões toneladas. Recorde mais uma vez, com aumento de 5,5% — ou cerca de 8,2 milhões de toneladas a mais que a safra passada, que foi de 149,2 milhões de toneladas. Os produtos em destaque são: soja, 72.227,8 mil toneladas; milho, 55.613,8 mil toneladas; arroz, 13.461,4 mil toneladas; feijão, 3.803,5 mil toneladas; e algodão, 2.027,6 mil toneladas de pluma. “O bom desempenho da safra se deve ao clima favorável à maioria das culturas em todas as áreas produtoras, aliado ao uso de tecnologia, principalmente da agricultura empresarial”, avalia Carlos Bestetti, gerente de Levantamento e Avaliação de Safras da Conab. Bestetti observa também que a safra brasileira vem crescendo, ano após ano, mais pela competência do produtor do que pelo aumento de área. Nos últimos dez anos, a área cresceu de 37,8 para 49,26 milhões de hectares (30,32%). Já a produção passou de 83,6 para 157,41 milhões de toneladas (88,3%).

 

Planejamento. Mas tanta prosperidade cobra seu preço quando o desenvolvimento não vem acompanhado de planejamento: as principais regiões produtoras são as mais prejudicadas. “As regiões que mais sofrem por conta da deficiência de capacidade estática disponível são as Sul e Centro-Oeste, onde temos os maiores volumes de produção. O Paraná produzirá 31.138 milhões toneladas e o Mato Grosso 30.075 milhões de um total de produção estimada em todo o Brasil para 2011 de 157.415 milhões toneladas. Os dois estados que mais produzem são os estados que mais precisam de capacidade estática de armazenagem” demonstra o engenheiro Agrícola e de Segurança Jyann Marian Antonelli, que já trabalhou no Departamento de Armazenagem e Manutenção da Cooperativa Agropecuária e Industrial (Cocari), de Mandaguari, no Paraná.

O engenheiro agrônomo Cesar Moutinho, produtor rural e sócio-proprietário da Agropec, empresa de secagem e armazenagem de arroz, no Rio Grande do Sul, afirma que no Brasil não há planejamento do setor de armazenagem, o que acarreta perdas em torno de 15% da safra e representa prejuízo de alguns milhões de reais aos envolvidos. “Houve uma evolução enorme em tecnologia de produção de grãos. Recordes em cima de recordes foram observados nas últimas safras. Aliado a esse progresso, os equipamentos de colheita e transporte também mudaram. Mas houve um esquecimento ou falta de planejamento do setor de armazenagem. Tudo aumentou, menos a capacidade de armazenagem. As recepções de unidades armazenadoras estão com os seus espaços comprometidos, pois, cada vez mais, cultivam-se áreas maiores e em menor tempo. As safras são mais rapidamente colhidas e esbarram nas unidades armazenadoras, que não têm estrutura para receber grande quantidade de grãos, em menor tempo”. Segundo Moutinho, o produtor precisa se organizar para investir em unidades próprias, pois isso facilitará seu processo de colheita, diminuindo o risco de perdas.

Já para os técnicos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o problema pode estar na má distribuição espacial da rede armazenadora e nas precárias condições de trafegabilidade das estradas, principalmente as produtoras. Segundo dados do Cadastro Nacional de Unidades Armazenadoras, gerenciados pela companhia, o setor público tem 4,5% da capacidade estática de armazenagem do país; o privado tem 75% e as cooperativas, 20,5%. “Constatamos a baixa percentagem do número de armazéns localizados nas próprias fazendas. A Food and Agriculture Organization (FAO) sugere que se tenha uma capacidade estática de armazenagem de no mínimo 20% superior à da produção dos países”, observa o gerente de Cadastro e Credenciamento de Armazéns, da Conab, Ricardo Thomé. Desde 2006 este índice não ultrapassa a barreira dos 15%. Nos países com maior produção de cereais no mundo este número é bem maior: nos Estados Unidos é de 55% a 66 %, na Austrália 35%, na Argentina entre 35% a 45%, e em certas regiões do Canadá chega até 85 %.

Para Thomé, a questão do baixo percentual da capacidade estática de armazenamento localizada nas propriedades rurais do país representa um entrave ao desenvolvimento sustentável do segmento e investir na construção de armazéns nas próprias fazendas poderia representar uma das soluções. Mas os produtores acabam não investindo em seus próprios armazéns por conta da burocracia para ter acesso ao crédito, além dos juros dos financiamentos não serem compensadores. “Infelizmente, não há investimentos. É sabido que o produto sob a guarda de quem suou e se sacrificou para produzi-lo — e entende o quanto é difícil colher um grão sadio e bom — certamente terá muito mais zelo em conservá-lo em ótimas condições de sanidade. Esse seria o cenário ideal. Como diz o ditado, o que engorda o boi é o olho do dono. Os produtores, além de esperar por melhores preços de comercialização e de fretes teriam menores gastos, inclusive no processamento dos cereais”, afirma o gerente da Conab.

O engenheiro agrícola, Jyann Antonelli, lembra também que a mão de obra qualificada é fundamental para ajudar a solucionar os gargalos logísticos do agronegócio. “A falta de conhecimento dos donos de fazenda em gerenciar a comercialização de seus próprios produtos atrapalha muito o processo. Mas um ponto de muita importância é a ausência de profissionais capacitados para o beneficiamento e armazenamento dos produtos, a fim de evitar perdas significativas”, afirma Antonelli. O engenheiro cita outros exemplos que ajudariam a incrementar o setor de armazenagem. Segundo ele, é preciso acelerar a evolução do negócio, com a aquisição de modelos de sistemas gerenciadores de aeração e termometria disponíveis no mercado, que possibilitam minimizar as perdas por processos automatizados. Também há a necessidade de melhoria em secadores e na hermeticidade de silos armazenadores, fundamental para o controle de pragas.

Uma melhoria de grande relevância é o desenvolvimento dos projetos destas unidades armazenadoras. “Percebo como estamos com falta de profissionais que possam desenvolver novos layouts e plantas mais modernas e menos deficientes. Hoje se projeta uma planta de unidade, executa-se e logo em seguida precisamos de remendos e novos investimentos”, informa Antonelli.

 

Certificação. Outro calcanhar de Aquiles que o setor enfrenta é a questão da certificação dos armazéns, que ainda esbarra em alguns entraves. A certificação dos armazéns que formam a rede armazenadora do país é importante porque dará maior credibilidade ao setor, tanto internamente, bem como aos produtos nacionais no mercado externo. Permitirá também desenvolver tecnologias mais modernas na construção e operação dos armazéns, além de influenciar na formação da mão de obra, pois os pré-requisitos da certificação são exigências que há pouco tempo não estavam regulamentados. Com a certificação, a rede de unidades armazenadoras estará em melhores condições de receber, guardar, conservar e expedir produtos agrícolas no país.

Para Cesar Moutinho, que também é consultor independente no processo de certificação de unidades armazenadoras, as empresas estão se organizando para conseguir a certificação, mas os prazos têm sido sistematicamente prorrogados, o processo fica confuso. “Os prazos são estendidos pela própria Conab. É o governo federal agindo politicamente. Com isso, o sistema fica desacreditado”, critica. Atualmente, está em vigência o que determina a IN 041, publicada no DOU de 15/12/2010 e que substituiu a IN 03.

Segundo o engenheiro agrícola Jyann Antonelli, os principais problemas que o processo de certificação desencadeou até agora foram o despreparo do setor para encarar um processo de certificação ‘ISO’; os grandes investimentos necessários para adequação de estruturas obsoletas, muitas vezes com mais de 30 anos; e a mudança cultural das pessoas envolvidas no processo. “Elas devem se convencer de que realmente o setor precisa evoluir, trazendo assim ganhos em qualidade e mercado, que está cada vez mais exigente”, diz.

Conforme previsto no art. 3° da IN 041, estes e outros requisitos serão revistos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em conjunto com cooperativas, iniciativa privada, órgãos oficiais e privados. O objetivo é esclarecer eventuais dúvidas e definir, ainda em 2011, as novas obrigatoriedades. O superintendente de Armazenagem e Movimentação de Estoques, Milton Libardoni, participa como coordenador da Comissão de Certificação da Conab, criada especialmente para adequar as novas condições e pré-requisitos aos novos prazos e percentuais estabelecidos na IN 041. “O Sistema Nacional de Certificação de Unidades Armazenadoras tem uma Comissão Técnica Consultiva criada por meio da portaria nº 174, de 12 de julho de 2007 do Mapa. A Comissão realizou três reuniões e faremos a próxima ainda em abril. Estamos empenhados neste trabalho”, afirmou Libardoni.

Apesar dos entraves, Cesar Moutinho admite que o processo de certificação está elevando o patamar de qualidade das unidades armazenadoras brasileiras. “Até bem pouco tempo não existia controle algum sobre os serviços prestados nessas unidades. Caminhamos para um sistema de rastreabilidade dos grãos, desde o campo até o consumidor final.”

Prova que o mercado está tentando se adequar às novas regras é que em alguns estados do país armazéns estão recebendo suas certificações. É o caso da Bahia, que agora conta com a primeira unidade armazenadora certificada pelo Mapa, através do IGCert, empresa do GenesisGroup, e pertence aos Armazéns Gerais Forzza Ltda. A unidade fica no município de Itabela, no extremo sul da Bahia, área que concentra a maior produção de café conillon no estado. A Custódio Forzza Comércio e Exportação está entre as maiores exportadoras de café do Brasil, movimentando 1,6 milhão sacas por ano. Destas, 900 mil são exportadas para mais de 40 países em cinco continentes e 700 mil vão para o mercado interno, onde abastecem mais de 15 torrefadoras, em vários estados.

“A certificação do Mapa foi um divisor de águas para o nosso negócio. O café é hoje um produto muito valorizado no mercado internacional e essa certificação vai dar ainda mais segurança e garantir a qualidade não só para os produtores que comercializam e armazenam conosco, mas também aos diversos clientes que adquirem nossos produtos. Ficamos bem animados e esperamos agora aumentar o volume de armazenagem e movimentação em nossas três unidades certificadas”, comemora o trader Bruno Forzza Sarcinelli.

A despeito das deficiências de infraestrutura que criam um nó na logística do agronegócio, o setor segue investindo, sobretudo em tecnologia de equipamentos. A TMSA Tecnologia Ltda., além de atuar fortemente na produção com novas máquinas e investir em Tecnologia da Informação (TI), está aumentando sua equipe de engenheiros. A novidade em equipamentos da empresa fica por conta do sistema de transportadores RopeCon, que está sendo considerado a solução para transporte consciente de granéis. Com tecnologia do setor de teleféricos, faz o transporte suspenso por cabos e sua instalação não exige desmatamento das áreas envolvidas. Segundo o diretor comercial, Paulo Lambert, a TMSA obteve crescimento de 50% no faturamento em 2010 ante 2009 e prevê crescimento vigoroso em 2011 (a empresa não quis revelar seus números).

Outra grande companhia que está unindo esforços para melhoria de qualidade e de tecnologia é a Armco Staco. Segundo antecipa o diretor comercial, Carlos Beutler, em breve lançarão um modelo de secador de grãos. “Novos produtos também estão previstos em transportadores e silos, além de melhorias nos processos produtivos”, cita o executivo.

Já a Kepler Weber apresenta a ‘correia transportadora de grãos Kepler Weber’, já em funcionamento no porto de Paranaguá, no Paraná. O equipamento está apto a movimentar até 1,5 mil toneladas de grãos por hora.

“Temos uma das melhores tecnologias do mundo para o setor. Mas ainda precisamos melhorar a qualidade e o preço final do produto, isto é, minimizando os custos de armazenamento”, conclui Ricardo Thomé, da Conab.

 

Minérios. O setor de mineração também passa por sufoco quando o assunto é infraestrutura. O número de portos é insuficiente. Para dar conta desse e de outros problemas, as empresas estão incluindo nos seus projetos a construção/ampliação de instalações marítimas. “O porto de Açu, em São João da Barra, no Rio de Janeiro, vai ter uma retroárea para minérios. A Vale do Rio Doce está investindo pesado na ampliação de retroáreas e nos embarques e desembarques, com aumento de píeres. Estão sendo realizados investimentos em dragagem também. Essas iniciativas não vão resolver tudo, mas ajudam bastante”, diz o gerente de Dados Econômicos do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Antonio Lannes.

Para o segmento da mineração a crise é passado. Se em 2008, a produção de minério brasileiro representava US$ 28 bilhões do PIB do setor, em 2009 caiu para US$ 24 bi e em 2010 praticamente dobrou, com US$ 40 bi. Em 2010, o Brasil exportou US$ 35 bi e importou US$ 8 bi, com saldo na balança comercial de US$ 27 bi.“A produção nacional vem em um ascendente desde 2000, com acentuação a partir de 2004, principalmente por causa da China, que está investindo muito em infraestrutura de urbanização. E a tendência é que o panorama continue o mesmo para os próximos cinco anos. “Até na época de crise o mercado é favorecido. Investir em infraestrutura, construindo mais pontes, mais portos, mais cidades, é uma maneira de dar emprego à população”, cita Lannes.

Uma das principais empresas do setor, a Metso Brasil, está otimista com o ritmo dos negócios. Segundo o gerente Nacional de Serviços e Mineração, Anderson Brini, o mercado está muito aquecido. As minerações, bem como a área de construção, estão em plena capacidade de produção. A Metso atua com grande foco em prestação de serviços aliada ao fornecimento de peças, que geram um ganho expressivo para o cliente, como aumento dos lucros, diminuição de custos com manutenção e redução de tempo de parada. “A base instalada de equipamentos está em franca expansão”, conta Brini. Para atender a esta demanda de mercado a Metso tem investido muito na ampliação física da área fabril e na contratação de novos profissionais, tanto para a produção quanto para o atendimento ao cliente.

Mas enquanto o armazenamento afeta os grãos, os minérios encontram dificuldades em outras áreas. “Desse mal (da falta de armazéns) o setor não sofre, já que o que é retirado da mina é levado para o pátio de minério e guardado até ser embarcado”, lembra Lannes. Ele destaca, entretanto, que há problemas a serem administrados, como investimento privado em exploração mineral. Em 2010, no mundo todo foram destinados US$ 11 bilhões para pesquisa geológica. Quem mais destinou recurso foi o Canadá, 19% do total. A Austrália ficou em segundo lugar, com 12%. O Brasil investiu 3% e ficou em nono lugar, atrás ainda do Chile (quarto) e do Peru (quinto), que são territorialmente menores que nós. Já em investimentos em projetos, o Brasil tem batido recordes. De 2011 a 2015 serão US$ 65 bilhões aplicados pela iniciativa privada.

Outro empecilho ao pleno desenvolvimento é a mão de obra especializada. Ano após ano, não se consegue resolver essa questão e o país se vê obrigado a importar cérebros. “O Brasil deveria estar formando 50 mil engenheiros ao ano, mas forma 30 mil. E muitos destes não vão trabalhar com engenharia. Temos um deficit de 20 mil profissionais por ano”, lamenta Lannes.

 






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