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Diagnóstico aponta os gargalos que travam desenvolvimento de hidrovias

Relatório apontando problemas e possibilidades para o transporte de cargas pelos rios e lagos gaúchos foi apresentado por especialistas holandeses semana passada

O sistema hidroportuário gaúcho, composto por mais de 900 quilômetros de rios e lagos navegáveis, tem potencial para entrar no curso certo. Mas para isso é preciso que alguns gargalos sejam solucionados. É o que afirma o diagnóstico realizado por especialistas holandeses, resultado do termo de cooperação técnica assinado com o governo do Estado, em 2008, para desenvolvimento do sistema hidroportuário do Estado.

O estudo, que indica os aspectos que devem ser melhorados, as vantagens logísticas e sugestões de como resolver as dificuldades, foi apresentado na sexta-feira passada, na Superintência de Portos e Hidrovias de Porto Alegre (SPH), para os representantes do setor de transportes, empresários e armadores.

A primeira conclusão revelada pelo presidente da Associação dos Portos de Amsterdã (Amports), Wim Ruijgh, um dos consultores que trabalhou no levantamento, é de que o Estado necessita urgentemente explorar mais o modal hidroviário pelas enormes vantagens logísticas que ele oferece. Atualmente o transporte por hidrovias corresponde a apenas 4% da matriz do Estado. O maior aproveitamento da navegação interior também é fundamental para a garantia da competitividade do porto do Rio Grande, que vem perdendo cargas para a concorrência dos portos marítimos dos estados vizinhos. Entre os gargalos para o crescimento da utilização das hidrovias estão a legislação portuária brasileira, a divergência entre os interesses do setor público e do setor privado, além da falta de barcaças adequadas - neste caso, especificamente para o transporte de contêineres.

A legislação brasileira torna a execução dos projetos muito lenta e, em alguns casos, até inviável. “Há duas indústrias, uma de arroz e a outra de soja, interessadas em transportar seus produtos pela hidrovia do rio Jacuí. Mas, a profundidade da água não permite. É necessário fazer uma dragagem. O problema é que embora exista um o equipamento disponível, ele está estragado e, para consertá-lo, é preciso abrir uma licitação, só que esse processo é muito lento”, exemplifica Ruijgh.

A liberação das licenças ambientais é muito demorada e a legislação dificulta a instalação de indústrias na beira dos rios com o intuito de evitar a poluição dos leitos d’água. “Só que este impedimento é contraditório. Pois, a emissão de poluentes por parte dos caminhões que circulam nas estradas é mais elevada”, contesta Ruijgh.

A falta de embarcações adequadas, modernas e com capacidade para o transporte de grandes volumes de contêineres é outro gargalo para o desenvolvimento do sistema hidroportuário. Mas, seria facilmente solucionado, se a legislação brasileira fosse mais flexível. “Há inúmeros empreendedores na Holanda dispostos a comercializar embarcações para os brasileiros a preços competitivos, mas a legislação não permite. É compreensível o protecionismo, até para que a indústria brasileira seja estimulada. Mas, o governo poderia fazer uma suspensão temporária para que as operações sejam iniciadas, como um projeto-piloto. Seria uma solução que demonstraria rapidamente se é viável o sistema”, sugere Ruijgh.

O regime trabalhista brasileiro também é criticado. “Aqui, são necessários de seis a sete tripulantes em cada embarcação, enquanto na Holanda, onde o transporte é muito mais complexo devido ao fluxo constante de barcos em circulação, são exigidos apenas dois tripulantes”, completa o diretor de projetos do NEA Transport (instituto holandês de pesquisas na área de transportes), Harrie de Leijer, consultor holandês que também trabalhou na execução do diagnóstico do sistema hidroviário gaúcho.

A SPH encaminhou à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) documentação para licitar a área para o terminal de contêineres no cais da Capital. “Mas, não conseguimos saber sequer uma data provável de quando a licitação será aberta. Ninguém da Antaq soube nos informar”, reclama Ruijgh. A falta de convergência entre os objetivos do setor público e do privado também é muito forte no Brasil. “Na Holanda, os representantes de cada setor também têm interesses diferentes, mas mesmo assim, se integram mais. Os objetivos maiores deveriam andar na mesma direção”, enfatiza Leijer.
Para consultores, os portos interiores são as ‘joias da coroa’

Mesmo apresentando todos esses entraves, a navegação do Rio Grande do Sul tem potencial suficiente para crescer. Os consultores holandeses sugerem ações para apressar o incremento do transporte pelas hidrovias gaúchas. Para eles, as indústrias devem procurar se instalar próximas aos cursos d’água para facilitar o embarque das mercadorias. Os administradores do porto do Rio Grande, segundo Ruijgh, deveriam se envolver mais com a área do seu entorno, pois estão perdendo carga para os estados vizinhos. E, se houver maior desenvolvimento do sistema fluvial de navegação, o porto rio-grandino será beneficiado com o crescimento na movimentação de cargas.

Os consultores holandeses também indicam a necessidade de investimento em portos interiores, o que denominam “joias da coroa”, que servirão como alimentadores do complexo marítimo de Rio Grande, especialmente Porto Alegre, Pelotas e Cachoeira do Sul. Mas, antes de iniciar os investimentos em infraestrutura é preciso garantir volume de cargas. A vantagem é que, conforme os dados levantados pelo diagnóstico, a carga existe.

Reijgh destaca que o Estado tem um papel crucial no desenvolvimento do modal hidroviário. No mínimo como facilitador. Melhor ainda se estimular o desenvolvimento através da implementação de políticas de incentivos, que podem até ser obrigatórias. “O porto de Roterdã na Holanda está sendo ampliado. Mas, os operadores dos terminais têm que garantir que 45% do transporte será realizado pelas hidrovias, senão pagarão multa”, destaca Leijer.

O apoio recebido da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), de acordo com Ruijgh, também é muito positivo, pois mostra que há uma movimentação por parte das indústrias, o que demonstra um interesse real pelo desenvolvimento do modal hidroviário. Outro aspecto importante é a convergência de metas “O transporte hidroviário acontece através de parcerias público-privadas. Por isso as partes devem andar na mesma direção e estabelecer uma integração maior”, enfatiza Rijgh.

A ampliação do uso da hidrovia é uma tendência mundial, por uma questão ambiental. Mais cedo ou mais tarde, as empresas, principalmente aquelas que estão engajadas na preservação do meio ambiente, vão utilizar o modal com mais frequência. “O modal reforça o ‘rótulo verde’ do produto”, justifica Ruijgh.  Para agilizar a aumento do uso da hidrovia, no entanto, é preciso uma mudança cultural muito forte no empresariado, de deixar de lado o comodismo do uso somente do transporte rodoviário. Também é necessário fazer muito lobby junto aos governos estadual e federal, mostrando o interesse e as vantagens econômicas e ambientais com o uso do sistema hidroviário. Também seria importante que houvesse um centro de promoção que ajude os embarcadores a pensar nas várias alternativas possíveis de uso das hidrovias.
Secretário diz que metas podem ser atingidas

O trabalho desenvolvido pelos consultores holandeses é o primeiro passo para a retomada da navegação mais intensiva no Estado, que passará para um patamar logístico diferenciado, segundo o secretário de Infraestrutura e Logística (Seinfra), Daniel Andrade. Para ele, o investimento no setor hidroportuário tem de ser agenda de Estado e não de governo. “Além de ser mais barata, a navegação interior desafoga as rodovias saturadas”, defende o secretário do Seinfra.

A partir do trabalho desenvolvido com base na experiência holandesa, considerada a melhor do mundo em navegação interior, Andrade acredita que será mais fácil atingir a meta estabelecida pelo governo do Estado de chegar ao crescimento na movimentação de cargas pelo modal hidroviário de 3%, em 2007, para 15% em 2017. “Aprendemos e avançamos muito com esse processo. Em decorrência das forças-tarefas que foram criadas e de todos os dados que foram levantados, já temos ações em andamento. Mas, o mais importante é que temos um norte. O desafio agora é vencer os problemas, principalmente os de legislação e da cultura de uso apenas do caminhão”, afirma Andrade.

Para o diretor-superintendente da Superintendência de Portos e Hidrovias de Porto Alegre (SPH), Gilberto Cunha, é preciso criar uma instituição que tenha facilidade para a execução dos projetos hidroviários. “Está na hora de o Estado pensar nas questões que envolvem as hidrovias de forma mais ágil, e com poder de decisão para fazer as ações acontecerem”, afirma. A Antaq tem que cumprir o seu papel de reguladora e fiscalizadora, mas, destaca Cunha, não de forma  que um terminal passe anos à espera para conseguir entrar em operação por preciosismo em detalhes desnecessários. “Só assim chegaremos de forma mais rápida e planejada à meta de crescimento necessário”, enfatiza o superintendente da SPH.
Sindarsul critica filas de navios em Rio Grande

Para o presidente do Sindicato dos Armadores de Navegação Interior do Estado do Rio Grande do Sul (Sindarsul), Fernando Becker, as restrições impostas pela legislação brasileira, comentadas no documento elaborado pelos holandeses são realmente muito prejudiciais para o desenvolvimento do modal hidroviário. Ele afirma ainda que o porto do Rio Grande precisa ampliar a área para desembarque da soja durante a safra, pois é comum a formação de filas de navios para fazer descarga. “Em muitas ocasiões, quando ficamos sabendo que pode haver filas, mandamos o barco vazio apenas para retirar carga”, conta Becker.

O custo com portuários também é um problema sério. “No porto do Rio Grande, como ele é a única saída para o mar, ele até pode cobrar um valor mais elevado. Mas, em Porto Alegre, se os custos forem exorbitantes, o embarcador substitui a hidrovia pela rodovia”, explica Becker. Mas há também a opção do uso dos terminais privados.

Quanto às sugestões dos holandeses, Becker discorda da proposição de que o governo permita a compra de embarcações de fora. Pois seria uma concorrência desleal, já que armadores brasileiros são obrigados a utilizar insumos nacionais na construção das embarcações, que são comercializados a valores superiores aos dos produtos importados. Além disso, já seriam embarcações usadas, o que significa que parte do custo já foi amortizado.

O gerente comercial da Navegação Guarita, Mário Borba, afirma que a empresa estava na expectativa de que fosse anunciada a abertura de licitação para a exploração do Terminal de Contêineres em Porto Alegre. Até 2009, a Guarita transportava contêineres utilizando o terminal Santa Clara, localizado no pólo petroquímico de Triunfo, que pertencia à antiga Copesul. Mas, com a compra da Copesul pela Braskem a produção aumentou e, para escoar os produtos químicos, a área para contêineres foi desativada. A embarcação que era utilizada com capacidade para 70 contêineres de 40 pés, hoje faz o transporte de produtos sólidos de Guaíba para Rio Grande e no retorno traz clínquer de Pelotas para Nova Santa Rita.

Com um terminal de contêineres em funcionamento em Porto Alegre, a Navegação Guarita tem interesse em movimentar cargas e está disposta, inclusive, a construir embarcações caso seja necessário. A empresa vê potencial para movimentação de frango, tabaco e móveis, cargas que já operava no terminal Santa Clara. “Mesmo que tenhamos que fazer uma perna de caminhão, de Bento Gonçalves ou Caxias do Sul até Porto Alegre, ainda temos interesse. Basta encontrarmos parceiros competitivos”, destaca o gerente comercial.  Quanto ao trabalho desenvolvido pelos holandeses, Borba elogia o diagnóstico e afirma que qualquer iniciativa que estude ou que busque incentivar o uso do modal, é válida.

Fonte: Jornal doCommercio (RS)/Cláudia Borges

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