O Porto de Santos vive uma disputa em torno de seu contrato de dragagem, o que já compromete a profundidade de alguns terminais e coloca em risco a operação do cais santista.
De um lado, a DTA Engenharia, grupo responsável pelo serviço desde janeiro de 2020, afirma que vem cumprindo suas obrigações, que os problemas não são de sua responsabilidade e que tem R$ 50 milhões a receber do porto, por pleitos de reequilíbrio contratual. Já a Santos Port Authority (SPA), responsável pela gestão do porto, diz que diversas ordens de serviço emitidas desde o fim de 2021 foram ignoradas e que a empresa tenta condicionar a execução do serviço à resolução dos pleitos de reequilíbrio, o que não é permitido.
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A briga já está na esfera judicial, já que empresa e autoridade portuária também divergem quanto à data de encerramento do contrato. A SPA defende que o prazo acabou em janeiro deste ano (24 meses desde a assinatura), enquanto a DTA diz que vai até abril (24 meses desde a primeira ordem de serviço).
Após decisões liminares dos dois lados, a companhia conseguiu, por enquanto, garantir a continuidade do contrato - uma tentativa de ganhar tempo para resolver as discussões sobre os reequilíbrios no âmbito administrativo, já que, com o fim do contrato, a percepção é que a judicialização se torna inevitável.
As disputas em torno do serviço de dragagem não são novidade. A própria DTA enfrentou atraso no início de sua operação, em 2020, devido a questionamentos da segunda colocada na licitação, a holandesa Van Oord - que, curiosamente, é a vencedora da nova concorrência realizada pela SPA, no fim de 2021, e que teve o início de seu contrato postergado pela liminar em favor da DTA.
O serviço de dragagem é essencial, principalmente no Porto de Santos, onde o calado é de 14,5 metros. Por sua localização, o cais santista sofre com assoreamento constante e depende da regularidade do serviço para garantir a profundidade. A redução do calado pode levar à restrições no volume de carga transportado pelos navios, reduzindo a eficiência da operação, ou mesmo no acesso de embarcações maiores.
Os terminais mais afetados neste momento são os de granéis, localizados na margem direita, como o TGG (Terminal de Granéis do Guarujá), da Bunge, Amaggi e Rumo. Porém, diante do imbróglio judicial, operadores de todo o porto estão preocupados.
A DTA nega que esteja descumprindo o contrato e afirma que há apenas uma ordem de serviço em aberto, em execução. “Em nenhum instante deixamos de cumprir. Desde 2020, o porto não tem restrições de calado”, diz o diretor jurídico, Fernando Siriani. Ele afirma que os problemas atuais decorrem das idas e vindas em relação ao à continuidade do contrato e que algumas ordens de serviço emitidas não puderam ser atendidas por questões técnicas.
A SPA, porém, afirma que desde julho de 2021 foram emitidas 21 ordens de serviço que não foram cumpridas. “Em diversas oportunidades a DTA alegou manutenções variadas, ora no equipamento de carga, ora no equipamento batelão, jamais tendo cumprido a produtividade definida em contrato”, afirma.
Para atores privados do porto, ouvidos sob condição de anonimato, a dragagem sofre com a falta de eficiência - um problema da empresa, mas também do modelo de contratação, que prioriza o baixo custo. A queixa é que os equipamentos da DTA não são potentes, demoram para fazer o serviço, o que leva à paralisação de terminais por muito tempo.
Apesar de todas as queixas, a avaliação é que o serviço vinha sendo realizado - até que, nos últimos seis meses, o nível passou a ser insuficiente. A crise se intensificou ainda mais no último mês.
A disputa pode ganhar novos capítulos. A DTA, que critica a demora na análise dos pleitos de reequilíbrio, sinaliza que pode abrir novas ações. “Esperamos ter uma solução extrajudicial. Os pleitos estão lá, alguns deles há mais de 12 meses. Há uma dificuldade da área técnica do porto para dar sequência à análise”, diz Siriani. “Caso não sejam atendidos de forma satisfatória, vamos buscar nossos direitos em juízo.”
Hoje, há duas grandes reclamações da empresa em aberto. A primeira é uma mudança de norma ambiental, que restringiu a operação da DTA e ampliou seus custos. Outro pleito é quanto aos volumes de dragagem, que, segundo informa, são inferiores aos previstos no edital. Como a remuneração é de acordo com o material dragado, a DTA diz que os investimentos exigidos não condizem com os pagamentos.
A autoridade portuária diz que analisa as questões levantadas, mas a avaliação é que os pleitos são uma tentativa de extrair mais retorno do contrato, conquistado com uma oferta ousada demais. “A DTA tomou um risco muito grande na licitação, fez uma proposta agressiva. Como a variação cambial impactou muito a lucratividade do contrato, agora a empresa tenta compensar”, avalia Elaina Ebert, superintendente jurídica da SPA. Em relação à queixa de demora, a estatal diz que os pleitos são de grande complexidade e vêm sendo discutidos ao longo dos meses.
Fonte: Valor