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Especialização insuficiente

Demanda aumenta, tecnologia evolui, mas empresas de batimetria ainda procuram técnicos capacitados

Um serviço fundamental para a navegação segura e para o crescimento da movimentação de cargas nos portos e hidrovias brasileiros esbarra na falta de pessoal capacitado. Com o aumento do número de levantamentos hidrográficos e com o aperfeiçoamento da tecnologia utilizada nas batimetrias, as empresas especializadas procuram ampliar seu quadro de profissionais para executar os trabalhos com os sistemas de alta precisão. As soluções incluem sistemas de sondagem multifeixe, sonares de varredura lateral e perfiladores de corrente.

O engenheiro Anderson Leite, da Sight GPS, defende a formação de mais oceanógrafos, engenheiros e cartógrafos para desenvolver os levantamentos hidrográficos com qualidade. “É interessante termos pessoas com embasamento técnico e teórico. Como a demanda de serviços tem aumentado, a procura está maior que a quantidade de profissionais se formando”, observa Leite. Há 20 anos no mercado, a Sight GPS atua no treinamento e na comercialização de hardwares e softwares voltados para linha de hidrografia. Os treinamentos para operar ecobatímetros costumam durar três dias e envolvem grupos de até cinco pessoas.

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— A maior dificuldade técnica é encontrar um profissional de alta qualidade, que trabalhe em dias e horários imprevisíveis e que caiba dentro do orçamento da empresa, cuide bem dos equipamentos, saiba lidar com o cliente, esteja disposto a viajar por longos períodos e tome decisões — define Henrique Frasson de Souza Mário, diretor técnico da Spectrah Oceanografia e Meio Ambiente, que trabalha com batimetria desde a sua criação, em 2008.

O crescimento da quantidade de batimetrias nos principais portos brasileiros é considerado satisfatório pelas empresas do segmento. Em contrapartida, o cenário da região Norte, principalmente, ainda está longe do ideal. O presidente do Conselho Nacional de Praticagem (Conapra), Ricardo Falcão, aponta que o orçamento público não é suficiente para realização de levantamentos em todas as áreas necessárias.

A situação é mais crítica nos rios da Amazônia devido às enormes extensões fluviais, à grande variação do nível das águas ao longo das estações do ano e à mudança de local dos bancos de areia que se formam nos leitos, o que demanda constante atualização. A praticagem local tenta suprir a ineficiência das entidades de forma autônoma, realizando a atualização dos dados batimétricos com recursos próprios. De acordo com o Conapra, outras praticagens brasileiras também estabeleceram serviços de levantamento batimétrico para o próprio uso em suas respectivas zonas de praticagem.

A Sight GPS tem sido beneficiada com o aumento de serviços de batimetria para portos e bacias de águas rasas. Leite observa que a demanda de batimetrias está descentralizada por todo o país, sendo maior na costa. Já os projetos de levantamentos para navegação em rios estão num ritmo mais lento.

O diretor da Belov Engenharia, Petronio Achilles Ribeiro Rosa, afirma que a empresa prefere se concentrar no Nordeste, já que os mercados do Sudeste e do Sul contam com muitas empresas de batimetria com aval do Centro de Hidrografia da Marinha (CHM). Ele explica que o custo da mobilização de barcos e equipamentos para outra região não compensa quando existem firmas locais habilitadas a fazer o levantamento.

Frasson, da Spectrah, lembra que o ano de 2012 começou devagar para a empresa, mas que as solicitações se intensificaram bastante no segundo semestre. O maior número de serviços batimétricos foi destinado a projetos de novos portos, melhorias e manutenções portuárias. Para 2013, a Spectrah espera atender a projetos maiores e mais longos, como é o caso de monitoramentos de dragagens e obras portuárias.

Ele explica que projetos pequenos tomam muito tempo e apresentam menor retorno. O diretor técnico da Spectrah destaca a importância de a empresa oferecer soluções para outras áreas, como sonografia, correntometria e monitoramento das marés. “Às vezes, a primeira batimetria é apenas um cartão de visitas, ou um teste por parte de um cliente que, na verdade, precisa de muito mais. É com essa perspectiva que entramos em 2013”, aposta Frasson.

O administrador da Hidrobat, Fausto Rodrigues, destaca que, apesar de pouco tempo no mercado, a sua empresa possui profissionais com mais de 20 anos de experiência em trabalhos na hidrovia Tietê-Paraná. A Hidrobat atua desde 2006 no mercado de batimetria e está mais focada em rios. Ele observa um crescimento contínuo de oportunidades para portos, hidrovias e navegação interna. A empresa atende a todo o Brasil, principalmente no interior.

Em 2012, a Hidrobat operou em Charqueadas (RS), atendendo a Iesa Óleo e Gás e a Metasa. As duas empresas montarão módulos para plataformas de petróleo na região e precisarão transportar equipamentos pelo rio Jacuí. “Não podemos reclamar: 2012 foi um ano bom e a tendência é melhorar. O diferencial é a qualidade e a precisão do serviço, o equipamento utilizado e a metodologia de cálculo”, avalia Rodrigues.

 

O descumprimento dos procedimentos previstos na Normam 25, principal norma que trata de levantamentos hidrográficos, implica a abertura de processo administrativo, que pode resultar em sanções administrativas. As entidades executantes que infringirem as normas estão sujeitas a advertência, suspensão por até seis meses da concessão de novas autorizações ou até cancelamento da inscrição no CHM.

O contra-almirante José Roberto Bueno Junior, diretor do centro de comunicação social da Marinha, estima que um levantamento executado segundo as orientações da Organização Hidrográfica Internacional (OHI), que tenha sido processado de forma correta e cujos dados tenham sido encaminhados ao CHM de forma adequada, costuma ter um tempo médio de análise de 30 dias.

Ele afirma que um dos fatores fundamentais que definem o tempo de análise de um levantamento, no entanto, é a qualidade dos dados. No caso de dúvidas ou falhas, na coleta ou no processamento, o tempo de análise passa a depender da resposta das entidades executantes em relação às dúvidas suscitadas. “Um erro na coleta pode inviabilizar o aproveitamento dos dados de um levantamento para atualização da carta náutica ou publicação náutica”, explica o contra-almirante.

Dentre os principais portos do país, o CHM aprovou, em 2012, levantamentos hidrográficos nos portos de Recife, Salvador, Itaguaí, Suape, Santos e Rio de Janeiro. Os serviços foram executados, respectivamente, pelas empresas Eicomnor, Belov Engenharia, Oceanotecnica, Hidrotop e Fausto de Souza Engenharia.

Falcão, do Conapra, ressalta que o número de levantamentos hidrográficos foi alavancado nos últimos anos pelas dragagens previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Rosa, da Belov, destaca que o governo está investindo em dragagem e que dragas potentes do exterior estão chegando ao Brasil para realizar serviços de grande porte.

Outro ponto positivo relatado pelas empresas é que os contratos atuais têm sido firmados com maior tempo de duração. Para 2013, a Belov já assegurou dois contratos na Bahia para controle de execução da dragagem que devem ser cumpridos entre quatro e seis meses. Um deles será no estaleiro Enseada do Paraguaçu, que tem previsão de iniciar operação em 2014. O outro prevê levantamentos no canal do Terminal de Madre de Deus (Temadre), que será alargado.

Valter Leocádio da Rocha, diretor da Hidrotop, está confiante de que as verbas anunciadas para o PAC 2 e os contratos de longo prazo anunciados para dragagem fomentarão a execução de novos levantamentos. “As dragagens continuarão até que os portos brasileiros estejam capacitados, dragados com a profundidade mínima necessária para atender à navegação hoje existente”, analisa Leocádio.

Com os planos de dragagem atuais, a Hidrotop registrou aumento de 50% na demanda por levantamentos batimétricos dos últimos anos. Leocádio ressalta que a empresa investiu em equipamentos multifeixe e no treinamento de sua equipe. Ele conta que técnicos americanos e canadenses vêm ao Brasil passar conhecimento dos softwares e da tecnologia de ponta a cada dois meses.

Leocádio acredita que as concorrentes que não investirem em treinamentos e tecnologia ficarão para trás. “Os equipamentos que estão surgindo estão mais sofisticados e, cada vez mais, a Marinha vai certificar as empresas que têm essa capacidade”, observa. O quadro da Hidrotop, composto por 14 funcionários, pode se dividir em até quatro equipes trabalhando simultaneamente.

Para Rosa, da Belov, a concorrência pode até ter diminuído porque muitas empresas não se aparelharam de acordo com a Normam 25, que completou dois anos em janeiro de 2013. A norma determina que os levantamentos da categoria A (atualização de cartas náuticas; alteração de calado; balizamento dos portos; pós-dragagem; e obras sobre águas) sejam realizados com ecobatímetros multifeixe e muitas empresas não investiram ou não têm condições de comprá-los. A medida é aplicada nos portos cuja folga abaixo da quilha seja crítica.

O diretor da Belov conta que há mais de 10 anos a empresa vem investindo em novos equipamentos e treinamentos para continuar habilitada no CHM. De olho no aumento da demanda, a Belov comprou equipamentos e barcos novos. “Ou as empresas menores se habilitam e treinam ou ficarão fora do mercado”, alerta Rosa.

A substituição dos modelos monofeixe por multifeixe é considerado o grande salto operacional da batimetria. Leite, da Sight GPS, diz que os modelos multifeixe já vêm passando por inovações na angulação, no tipo de detecção do fundo, no direcionamento dos feixes para objetos específicos no fundo do mar e na melhora de resolução das imagens.

Os ecobatímetros evoluíram para tamanhos mais compactos e mais leves, além de detectar obstáculos não perceptíveis ao modelo monofeixe. Os novos equipamentos realizam mapeamentos subaquáticos com qualidade e velocidade superiores aos monofeixes. Os multifeixes são indicados para o monitoramento em águas rasas, incluindo portos e baías.

A distância é grande entre os preços das duas tecnologias. Enquanto um ecobatímetro monofeixe custa entre R$ 50 mil e R$ 150 mil, um modelo multifeixe varia entre R$ 450 mil e R$ 1,5 milhão, de acordo com a configuração escolhida pelo cliente.

— O multifeixe é um equipamento consagrado, não tem retorno. O monofeixe é apenas para alguns serviços de categorias inferiores. A categoria A não pode ser mais feita por monofeixe, somente por multifeixe — afirma Leocádio, da Hidrotop. A empresa realiza levantamentos hidrográficos em todo o Brasil e atualmente participa de aferições para o aprofundamento do canal de acesso ao porto de Santos.

Por meio das batimetrias, as administrações portuárias tomam conhecimento de como se encontra a profundidade nos locais apontados. A partir daí são decididos os calados operacionais dos navios. Em Santos, o maior percentual de campanhas batimétricas realizadas pertence à Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), juntamente com a Secretaria de Portos (SEP). Alguns terminais privados também fazem seus levantamentos.

A Codesp programa batimetrias de baixa e alta frequência, embora a Marinha só aceite os levantamentos de alta frequência. O porto de Santos tem colhido informações na frequência menor para formação de banco de dados, sobretudo para a área onde estão os berços de atracação. Num dos levantamentos no porto de Santos, técnicos da Hidrotop descobriram, através de sondagens multifeixe, um navio afundado que até então não havia aparecido na carta náutica. A embarcação de pequeno porte foi localizada no canal de acesso.

O ecobatímetro dá com perfeição o mapeamento do fundo do local onde está sendo feito o mapeamento subaquático do relevo. O tempo de execução da batimetria varia de acordo com as características e do tamanho do local. Hoje, através de sistemas online, é comum a equipe de campo sondar e enviar dados via satélite, acelerando o resultado final.

As novas tecnologias são mais aplicadas nas regiões Sudeste e Sul, onde estão instaladas a maioria das empresas de levantamento hidrográfico. O custo logístico para as empresas se deslocarem até as regiões Norte e Nordeste ainda é considerado alto. No entanto, os equipamentos para levantamentos em águas rasas podem se tornar uma opção mais viável futuramente com o avanço de sua portabilidade.

Apesar da sofisticação, os sistemas multifeixe são complexos e demandam uma série de calibragens e ajustes. Falcão, do Conapra, explica que a correção da velocidade de propagação do som na água — que varia com fatores como temperatura e salinidade — pode gerar erros significativos nas sondagens, se for conduzida de forma inadequada. “Os modernos sistemas de sondagem batimétrica, embora computadorizados e integrados, podem passar a falsa impressão de serem infalíveis quando, na verdade, demandam senso crítico e conhecimento técnico específico de seus operadores”, analisa Falcão.

Esse também pode ser um dos motivos para alguns levantamentos hidrográficos não conseguirem passar pelo crivo técnico do CHM. Os dados brutos de uma sondagem batimétrica precisam incorporar uma série de correções. Durante o levantamento deve-se, por exemplo, medir a altura da maré para subtraí-la dos valores de sondagem obtidos, evitando informar uma profundidade maior que a real. Depois da dragagem, é necessária uma segunda batimetria para verificar os novos parâmetros.

Eventos meteorológicos extremos, como ressacas e enchentes também podem dificultar e até mesmo impedir a realização de levantamentos hidrográficos. Nas demais situações, os técnicos que realizam os levantamentos possuem mecanismos de correção adequados às condições ambientais vigentes. De acordo com a Codesp, nem mesmo a presença de compensadores de ondas é suficiente para dar tranquilidade ao resultado da batimetria quando o mar está muito alterado.

As empresas de batimetria podem, inclusive, apurar prejuízos em projetos executados com condições meteorológicas e oceanográficas adversas. Isso porque, nesses casos, elas precisam manter pessoal e embarcação em campo esperando a melhora do tempo, o que custa caro. Além disso, a empresa pode sair mal vista pelo cliente se precisar fazer o levantamento hidrográfico com as condições meteoceanográficas desfavoráveis e acontecer de o resultado der errado.

Outro risco desse negócio é quando um cliente pede para fazer um orçamento sem saber responder perfeitamente sobre a área de estudo. Um levantamento errado pode representar um subaproveitamento de centímetros no calado autorizado, que significa centenas a milhares de toneladas de carga que deixam de ser embarcadas em cada navio. Já um erro de centímetros pode causar um encalhe com poluição e prejuízos além daqueles arcados pelo seguro do navio encalhado.

Após a implantação da Normam 25/2011, a Marinha ficou mais rígida em suas exigências e as empresas começaram a ter mais problemas de rejeição de seus levantamentos. Leocádio, da Hidrotop, explica que os levantamentos anteriores à norma eram executados com monofeixe e tinham espaçamentos inadequados. A regulamentação atual, baseada em normas de segurança da navegação da OIH, especifica procedimentos para execução, processamento e envio de dados dos levantamentos para atualização das cartas náuticas.

— A Normam 25 foi uma bem-vinda compilação de várias determinações legais e técnicas que já vigoravam no país. Não trouxe muitas novidades, mas explicitou e facilitou o entendimento das demandas legais e técnicas do serviço — avalia Falcão, do Conapra.

Frasson, da Spectrah, considera positivo o fato de a Normam 25 trazer uma diretriz para a adequação das empresas às normas técnicas internacionais. Entretanto, ele avalia que alguns itens não são simples de serem cumpridos. “Ajudaria bastante se os portos se preocupassem com questões como o monitoramento das marés, por exemplo”, cita Frasson.

Ele concorda que o Brasil está atualizado em termos de tecnologias para batimetria, mas reconhece que os valores dos equipamentos, que precisam ser importados, são altos. “Estamos num momento de surgimento de novas empresas, mas, dentro de algum tempo, não haverá mais espaço para os pequenos, pois as muitas empresas pequenas não vão conseguir se adequar devido aos altos custos dos equipamentos”, alerta Frasson.

A Spectrah investe cerca de 80% de seu lucro para continuar crescendo. A empresa possui sistema monofeixe próprio e também oferece serviços de multifeixe, com parte do material alugado. Grande parte dos clientes que procuraram a empresa nos últimos anos é da área portuária. A empresa também possui experiência em áreas fluviais, lacustres e reservatórios de água.

Frasson explica que financiar a compra de aparelhos pode ser ‘um tiro no pé’, pois o empresário deve torcer para a máquina não ter problema e a empresa conseguir bons serviços para quitar a dívida. Uma opção é conseguir atrelar a compra de um equipamento a um bom contrato. No entanto, o tempo entre a chegada dos equipamentos e a execução costuma inviabilizar esta alternativa. “O jeito é alugar, o que encarece bastante os preços”, resume Frasson.

Rosa, da Belov, ressalta que as batimetrias exigem muita responsabilidade e treinamento. “Qualquer pequeno engano resulta numa grande repercussão financeira. Uma batimetria errada do porto pode gerar acidentes”, pondera. Ele diz que ainda não há como avaliar o impacto da norma no aumento da segurança da navegação e na redução de acidentes. Isso porque os erros muitas vezes só aparecem muito tempo depois.

Para a Marinha, o sucesso do levantamento hidrográfico depende de fatores como planejamento e reconhecimento da maré na área, além da realização de estudos prévios e controle diário da qualidade dos dados durante todo o levantamento. Mesmo após a Normam 25, a autarquia precisa pedir às empresas o envio ou atualização de informações, o que acaba atrasando a conclusão da análise.

De acordo com dados do CHM, o número de solicitações para execução de levantamentos hidrográficos por ano está acima de 300 desde 2008. Em 2011, o centro registrou 392 pedidos e, antes do fechamento dos números de 2012, 360 solicitações já haviam sido feitas.

 



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