Todo mundo parece ter se tornado um especialista em cadeias de abastecimento, até mesmo os assessores da Casa Branca. Isso não é uma coisa boa. É como se todos se achassem capazes de desarmar bombas não detonadas. E alguns desses especialistas que vêm sistematizando a gestão de cadeias de abastecimento há décadas estão agora tendo dúvidas sobre como o mundo que eles ajudaram a criar se desenvolveu. As superpoderosas companhias organizadas justamente por meio da aplicação da genialidade das cadeias globais de valor, como Alibaba e Amazon, encontram-se atualmente sob pressão política implacável.
“Paddy” Padmanabhan, do Insead Emerging Market Institute de Cingapura, coescreveu um influente ensaio em 1997 sobre “a distorção da informação nas cadeias de abastecimento” e passou a atuar como consultor de grandes corporações e outros acadêmicos sobre o assunto.
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O especialista agora afirma que: “Vinte ou 30 anos atrás, tínhamos três ou talvez quatro camadas nas cadeias de abastecimento. Hoje, temos tantas camadas adicionais que não está claro se estamos contribuindo para a sua viabilidade. Poderemos, na verdade, ter mais gargalos e mais caos do que antes”.
No momento, pessoas de todas as partes do mundo estão experimentando déficits mais particularizados que vão de oxigênio nos hospitais indianos à gasolina na costa leste dos Estados Unidos e semicondutores para automóveis em praticamente todas as partes do mundo.
Tensões geopolíticas como as manobras militares dos Estados Unidos e China por causa de Taiwan, o ‘Vale do Ruhr’ da fabricação de semicondutores avançados, contribuem para as preocupações com a vulnerabilidade da cadeia de abastecimento.
Déficits específicos de fornecimento serão resolvidos. A questão é se eles são parte de uma tendência geral de intensificação dos ciclos de déficits, seguida por recuperação e formação excessiva de estoques, o que por sua vez leva a farras especulativas e então a recessões mais graves estimuladas pela liquidação de estoques.
Isso é parte do que preocupa Padmanabhan. As recessões serão amplificadas por esses choques (como a covid-19) que impactam a cadeia de abastecimento global. Ele cita a marinha mercante. Cerca de 90% do comércio mundial de bens é transportado por navios, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Padmanabhan observa que muitas tripulações são da Índia. Portanto, a falta de uma vacina contra a covid-19 e os problemas no fornecimento de oxigênio na Índia afeta muito mais que as exportações e importações do próprio país. “Embora haja uma melhor visibilidade hoje (sobre acontecimentos como a covid à medida em que eles ocorrem), a capacidade das operadoras de navios de prevê-los é mínima ou não existente”, afirma ele.
A “logística”, o nome da disciplina da cadeia de abastecimento originada de um termo militar francês, deveria resolver esse tipo de problema. A tendência de cada camada na sequência de produção, transporte, armazenamento e entrega, de encomendar demais ou muito pouco, poderia ser minimizada se os gestores usassem uma perspectiva sistemática para tomar decisões.
Essa imposição de ordem no caos tornou-se matematicamente descrita pelos engenheiros de “gerenciamento de operações”.
No período após a Segunda Guerra Mundial, a informatização gradual tornou possível para o gerenciamento de operações algoritmos de coordenação de fluxos de bens, por meio das empresas e seus fornecedores. Até mesmo os economistas monetários dão à microeconomia do gerenciamento de cadeias de abastecimento grande parte do crédito pela moderação das recessões nas últimas décadas.
Mas no momento isso não parece estar funcionando bem. Há um número grande demais de eventos significativos nas cadeias de abastecimento globais que têm levado a aumentos de preços ou racionamento absoluto.
A grande discussão entre agentes do mercado e economistas é se os acontecimentos na cadeia de abastecimento são apenas ecos “transitórios” do choque da covid-19, ou indicações de uma inflação geral dos preços mais prolongada.
Sou inclinado a pensar que eles são “transitórios”, mas essa crença fica cada vez mais fraca a cada declaração oficial. As garantias do Federal Reserve (Fed) e do Tesouro americano e suas contrapartes internacionais induzem qualquer pessoa a baixar a guarda.
O problema em depositar nossa confiança na capacidade de as soluções científicas gerenciarem a oferta e a produção é o limite da racionalidade humana. Conforme diz John Sterman, um professor do MIT e especialista em cadeia de abastecimento: “Na vida real não há evidência de aprendizado. Os modelos mentais das pessoas são simplificados demais e elas não lidam muito bem com o tempo de demora”.
De fato, qualquer um que já tenha visto as montanhas de equipamentos não utilizados deixados na esteira de operações militares estrangeiras que usaram um excelente gerenciamento de cadeia de abastecimento, tem a impressão de que talvez a logística não seja capaz de resolver todos os nossos problemas.
Portanto, estou agora mais propenso a pensar que o mundo desenvolvido caminha para uma longa sequência econômica de altos e baixos. Em vez de nos prepararmos para ser um Japão envelhecido e administrado eficientemente, seremos todos britânicos ressentidos do começo da década de 70, mas sem a parte do sexo divertido.
Fonte: Valor