O Movimento Cais Mauá de Todos aposta em diversas frentes jurídicas e de investigação por esferas do Ministério Público e da Defensoria Pública para tentar reverter a atual concessão da área não operacional do porto de Porto Alegre a um consórcio privado. Diante da indefinição sobre a retomada das obras de revitalização pela empresa Cais Mauá do Brasil (com capital nacional e espanhol), que dependeria das definições do estudo de viabilidade urbanística (EVU) e de acordo sobre as compensações do empreendimento, o grupo estuda uma ação popular para pedir a rescisão do contrato firmado com o Estado. Outra medida a ser acionada junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) prevê o tombamento da paisagem histórica e cultural do cais e a inclusão do armazém 7 na proteção do patrimônio municipal. Os opositores da concessão alegam ainda que cláusulas do contrato estariam sendo descumpridas e que falta transparência no projeto.
"O tombamento é uma forma de prevenir a alteração do conjunto arquitetônico", justificou Suzana Pohia, do Ocupa Cais Mauá (um dos pioneiros nas críticas ao modelo em vigor e que integra o Cais Mauá de Todos).Sobre as supostas irregularidades, Suzana apontou o relatório de técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que listou a demora na entrega de garantias e contratação de seguro para a área pela concessionará, patrimônio insuficiente para lastrear o empreendimento, projetos incompletos e mudanças societárias. Em fim de 2012, o consórcio teve o ingresso da NSG Capital, que responde pelo Fundo de Investimento em Participações Porto Cais Mauá (36,5% das ações). Os outros sócios são os espanhóis da GSS e o grupo Bertim.
Exemplos emblemáticos da reação de moradores contra a derrubada ou cedência de áreas para construção imobiliária, no passado da Capital, são apontados como inspiradores do Cais Mauá de Todos. Entre eles, estão a mobilização que manteve a área do atual Parcão (bairro Moinhos de Vento), o próprio Mercado Público (década de 1970) e a Usina do Gasômetro (década de 1980). As entidades questionam o projeto dos investidores de erguer três torres (duas comerciais e um hotel), edifício de estacionamento e shopping center.
O complexo chegou a ser estimado em mais de R$ 500 milhões em 2013. Pelo impacto das construções e fluxo de carros, a prefeitura teria definido um pacote de melhorias a serem custeadas pelo consórcio, com valor de R$ 40 milhões. A empresa chegou a derrubar construções que não integram o patrimônio. "Precisa inserir o projeto no Centro da cidade e com participação da população, que acompanhará e decidirá a execução", acrescentou o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Thiago Holzmann da Silva.
A utilização da área do cais está definida em lei municipal de 2010. A arquiteta Helena Cavalheiro, que mostrou uma alternativa de ocupação, observa que o modelo deveria ser dirigido pelo setor público, com parceria privada. "Mas sem precisar fazer torres e shopping para bancar a revitalização", sustenta Helena. Além disso, o movimento decidiu intensificar a coleta de assinaturas da população em apoio à proposta de rediscutir o modelo de recuperação e exploração do equipamento, esperada há mais de quatro décadas. Plantões de coleta serão feitos na Esquina Democrática, entre a avenida Borges de Medeiros e a Rua dos Andradas. "Esperamos conquistar adesões e poder realmente participar, pois o projeto vai transformar a fisionomia da cidade", reforça a jornalista Katia Suman, que integra a coordenação do movimento.
A munição para a mobilização popular é dada pela própria concessionária, que oficialmente assumiu a área no segundo semestre de 2013, após acordo que levou quase três anos para ser firmado entre Estado e Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), detentora dos direitos do trecho às margens do Lago Guaíba. Em 2014, já com a licença da agência para dar a largada na recuperação do conjunto predial (armazéns tombados pelo patrimônio), o consórcio começou timidamente as intervenções, que cessaram antes da Copa do Mundo de 2014. Na semana passada, uma audiência na Câmara de Vereadores discutiu a situação da concessão. O diretor-superintendente da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), órgão que fiscaliza o contrato pela Antaq, Luiz Alcides Capoani, pontuou que as obrigações do contrato precisam ser cumpridas.
Após prejuízos contábeis, consórcio convoca assembleia de acionistas na próxima quinta-feira
Alvo de críticas e cobranças, o consórcio Cais Mauá do Brasil convocou os acionistas para assembleia na quinta-feira, às 11h, no escritório da operação no primeiro andar do prédio-sede da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) na área do cais. A pauta envolve exame de balanços financeiros, que indicam prejuízo de mais de R$ 12 milhões em 2014, e alterações na gestão. Um dos membros do conselho de administração José Carlos Medeiros de Britto pediu a renúncia. O balanço contábil, fluxo de caixa e outros detalhamentos da operação foi publicado no dia 16, mas submetidos à apreciação e auditoria em fevereiro.
No relatório, o prejuízo líquido é indicado em R$ 12,744 milhões, acima dos R$ 9.294 milhões de 2013. Nas obrigações de curto prazo (passivo circulante), aparece a despesa com o arrendamento da área de R$ 2,775 milhões no ano passado e de R$ 300 mil no ano anterior, que é considerado, segundo as notas explicativas, o início oficial do arrendamento. "O início do prazo de arrendamento foi determinado pela companhia em novembro de 2013", diz o balanço. O capital social era, em 2014, de R$ 13,847 milhões e caiu para R$ 8,962 milhões devido a prejuízos acumulados de R$ 22,8 milhões (dois anos).
É indicado o adiantamento de ?R$ 14,5 milhões para futuro aumento de capital. A despesa integral com o arrendamento, definida em R$ 3 milhões anuais, por 25 anos (valor a ser pago à SPH), começaria a valer em 2016. Para este ano, o valor seria de R$ 2,663 milhões. Até o fim da atual concessão, o valor alcançaria R$ 75,677 milhões. Na descrição mais detalhada das despesas, chamam atenção os gastos com "serviços prestados por terceiros", que somaram R$ 7 milhões em 2014. As contas mais elevadas foram de R$ 1,761 milhão de assessoria financeira, R$ 1 milhão de serviços de gestão, ?R$ 998 mil de consultoria estratégica e ?R$ 972 mil de vigilância privada.
Fonte: Jornal do Commercio (POA)/Patrícia Comunello
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