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Portos: descentralização e despolitização

Uma dessas duas medidas acima leva a outra e, caso aplicadas, certamente resultarão na verdadeira reforma modernizadora dos portos nacionais, tão necessária ao desenvolvimento do país. Desde o seu início, há mais de uma década, a coluna tem defendido, para os portos brasileiros, a lógica orientação de “copiar o que dá certo”.

De fato, não seguir esse roteiro seria como perder tempo e dinheiro tentando inventar novamente a pólvora, genial criação de um grupo de cientistas chineses, no ano 580. As nações líderes do comércio mundial, no contínuo aperfeiçoamento dos serviços de seus grandes portos (Xangai, Roterdã, Antuérpia, Los Angeles, Hamburgo, Le Havre e outros), estão sempre copiando regras e procedimentos que deram certo em seus concorrentes. O resultado dessa compreensível e irrecusável busca foi o encontro de um modelo de estrutura quase idêntico para esses principais portos do planeta.

A descentralização do controle da administração dos portos públicos (aqui, pela legislação, são os 34 “organizados”) – retirando-as da esfera federal passando para estadual – torna-se necessária dada à natureza da atividade, com frequentes problemas diários, além de questões locais das vias de acesso e de relacionamento com os usuários (exportadores/importadores). Ano passado, em entrevista, o presidenta da administradora do maior porto do país (Cia Docas de Santos), José Roberto Serra, lamentou “precisar ir à Brasília pedir autorização para pagar o vale refeição a um empregado”.

Nos Estados Unidos a descentralização funciona muito bem – evita a burocracia, contribui para rapidez dos serviços e a criação de terminais privados – com a administração dos portos entregue aos Estados, alguns deles governados pela oposição. Seria impensável um executivo do porto de Los Angeles, no Pacífico, atravessar todo o país, para pedir, em Washington, orientação para qualquer providência. A administração do porto, subordinada à cidade-município, é exercida pelo Los Angeles Harbor Departament, que não cobra dos usuários qualquer taxa pelos seus serviços. Cinco empresários são os conselheiros do Board of Harbor.

O porto de Xangai, o mais importante da China, também serve de exemplo de como a descentralização é o melhor caminho. Pertencente à cidade-munícipio, que é autônoma, o grande porto é administrado pela empresa pública Shanghai International Port Group (SIPG), com a participação de 30 companhias privadas, inclusive estrangeiras, correspondendo a 30% do capital. Independente e bem organizada, sem a menor interferência política, a SPIG resolve seus problemas sem consultar Pequim.

Nos grandes portos europeus – Roterdã, Hamburgo, Antuérpia e Le Havre – a situação é idêntica, com as respectivas administrações subordinadas aos governos dessas cidades. O executivo da empresa pública Havenbedrijf Rotterdam MV (Autoridade Portuária) disse-me ser indispensável ter plena autonomia para resolver rapidamente – evitando o aumento de custos com a burocracia – os variados problemas cotidianos, com terminais e armadores, inclusive estrangeiros. Essa empresa holandesa tem terminais fluviais na Bélgica e Alemanha e agora também no sultanato de Omã, no mar da Arábia.

Igualmente país com grandes dimensões, torna-se, de fato, difícil manter de Brasília, a orientação para os portos organizados, distantes como Santos, Rio de Janeiro, Manaus e outros. Além disso, por estarem subordinados a autoridades de Brasília (políticos de dois ministérios) os administradores desses portos públicos não participam das reuniões que tratam da reforma e regulamentação do setor, perdendo-se valiosas informações locais. E também, com essa vinculação a órgãos federais, estão eles impossibilitados de reclamar ou reivindicar alterações no sistema.

Porém, o mais grave dessa colocação dos portos na barganha política é a permanente ameaça vigorante sobre os complexos situados em Estados governados pela Oposição, como São Paulo. Fica difícil entender como será possível, no próximo ano, com as eleições presidenciais, a liberação de verbas, licitações e melhoramentos não só nesses Estados mas até nos que integram a famosa base aliada. Em recente acalorado debate, o presidente da Câmara, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), do principal partido da base, deixou escapar: “Lealdade à sigla é maior que ao governo.” Na realidade, para o povo brasileiro, a maior lealdade dos políticos deveria ser aos interesses nacionais.

Em 2014, ao sabor dos interesses políticos, os três grandes portos nacionais estarão sob diferentes tipos de gestão. Santos(SP), em Estado governado pela Oposição(PSDB), é administrado pela Cia Docas, vinculada à Secretaria/Ministério dos Portos, em Brasília. Por outro lado, embora em Estado igualmente governado pela Oposição(PSDB), Paranaguá(PR) por delegação federal tem administração local da APPA. Finalmente, Rio Grande(RS), em estado controlado pelo partido da Presidência(PT), também por delegação federal dispõe de gestão da Superintendência regional, e é considerado o melhor do país. Como se verifica, os paulistas (Estado e seus usuários, exportadores/importadores) estão em desvantagem.

Evidentemente que, com a descentralização e passagem da gestão dos portos para controle estadual retira-se o assunto do enfoque nacional e da barganha política. Assim, poderão ser ocupados por funcionários executivos vários postos de direção de órgãos federais, que são indicados por políticos da base aliada, inclusive mais de 50 cargos de direção das sete Cias Docas que administram diversos portos públicos estaduais.

Para evitar a eventual inclusão dos portos/Cias Docas na barganha política estadual, o governo federal pode incluir cláusula restritiva no contrato de delegação. Aliás, nesses acordos, os governos estaduais ficariam autorizados a modificar os estatutos das Docas.

Sobre este importante tema, ninguém melhor do que o presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (Abtp), Wilen Manteli, comprovadamente um especialista no assunto. Em mensagem à coluna, Manteli sintetiza corretamente o quadro atual, acrescentando proposta contra a centralização/politização da gestão portuária. Eis a apreciação do presidente da Abtp.

“Voltamos à tradicional contradição brasileira, ou seja, de um lado; a presidente baixou uma MP, a 595, para atrair investimentos, fomentar a competição e dar segurança jurídica aos investidores objetivando modernizar e ampliar os portos nacionais; de outro, os escalões burocráticos baixam regulamentos e portarias com conteúdo retrógrado, pois olham sempre para o passado,  que vão  na contramão da intenção presidencial. Com efeito, as normas infralegais baixadas após a Lei 12.815, extrapolando a competência de regular, inovam e criam mais dificuldades para o setor privado, como se fosse possível um regulamento dispor de forma contrária à lei. Portanto, para o desenvolvimento do setor portuário impõem-se duas medidas, que considero inexoráveis, a despolitização e a descentralização da gestão portuária. Esta última, a gestão, deveria ser regionalizada e contar com autonomia administrativa, financeira e operacional. Os diretores, ao contrário de ser indicados por políticos, deveriam ser contratados no mercado e avaliados pela meritocracia. Não precisamos reinventar a roda, basta aprendermos com a experiência e as boas práticas dos grandes portos internacionais. Mas, como dizia Roberto Campos, o brasileiro teima em não aprender com a experiência. Para mudar para melhor, não tenho dúvida, o setor empresarial deverá mobilizar-se para apoiar as reformas necessárias no setor”.

A propósito dessa nociva interferência política, recentemente, no Supremo Tribunal Federal, ao defender a reforma do sistema, o ministro Roberto Barroso afirmou que muitos congressistas “transformam o Parlamento num balcão de negócios”. E acrescentou: “Precisamos não de uma agenda política mas de uma agenda patriótica...”

A presidente Dilma, culta, inteligente e reconhecidamente corajosa – como demonstra o seu passado e tem comprovado – dispõe de todas as condições para afastar essa verdadeira ditadura política que impede a real modernização do sistema portuário nacional.

O autor é jornalista e consultor de comércio exterior



Yanmar

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