A retomada da economia dependerá da solução de alguns obstáculos existentes hoje no setor de infraestrutura, que tem uma carteira de mais de R$ 50 bilhões em projetos que poderiam ser licitados apenas neste ano pela União e pelos Estados. Um deles é o risco de inadimplência que ronda concessionárias de alguns segmentos, como o de energia elétrica. Se a saúde das empresas se fragilizar, sobretudo a das concessionárias, o mercado de capitais e o sistema financeiro podem começar a acionar gatilhos para exigir antecipação de pagamento de dívidas, o que dificultaria financiamento de projetos existentes e futuros. O outro obstáculo são as discussões que deverão envolver as modelagens dos futuros projetos que poderão ser licitados.
A Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) pede coordenação eficiente do poder público para preservar o fluxo de receitas das concessionárias em um momento em que elas estão pressionadas pela redução significativa da demanda por diversos serviços. “Há uma enxurrada de propostas atípicas e oportunidades de entes públicos que ameaçam ainda mais o fluxo de receitas das empresas”, explica o presidente da entidade, Venilton Tadini. Prefeituras e governos analisam as possibilidades de debater uma proposta de suspensão dos pagamentos de contas de concessionárias.
PUBLICIDADE
No setor de energia, a ameaça de inadimplência nas contas fez o assunto ser analisado pelo governo federal, que tem se reunido com as distribuidoras. “De uma conta de R$ 100, R$ 20 vão para as distribuidoras, o resto do dinheiro são tributos, encargos, dinheiro para geradoras e transmissoras. A distribuição é o caixa do sistema. A paralisia da economia traz problemas. Energia é essencial, então a fila tem de andar rápido”, diz o presidente da Energisa, Ricardo Botelho.
Um empréstimo a essas empresas seria uma das opções no curto prazo. Já os consumidores de baixa renda deverão ter suas contas pagas pelo Tesouro, o que não oneraria a tarifa. “Estamos tratando a questão total das distribuidoras para adotar medidas para que elas mantenham seu papel que é fundamental”, diz o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
Sobre as concessões que poderiam ser feitas há dúvidas em relação ao cronograma, apesar de o Ministério de Infraestrutura já ter informado que as equipes estão trabalhando em ritmo normal nos projetos. Na semana passada, o Tribunal de Contas de União (TCU) aprovou dois projetos de arrendamento de terminais de celulose no Porto de Santos (SP). Juntos, os dois receberão R$ 420 milhões de investimentos. A próxima etapa é o lançamento do edital para a realização do leilão, que deve ocorrer no segundo semestre deste ano.
As incertezas atuais adicionam mais um desafio ao cenário. Investidores e consultores ainda analisam os efeitos que a pandemia poderá ter sobre as projeções macroeconômicas das principais economias e do Brasil neste ano e nos próximos.
“Concessões dependem de demanda”, diz Renato Sucupira, sócio da BF Capital. “Os projetos futuros têm atraído muitos investidores que já estão operando, se houver problemas com as concessões atuais, isso pode contaminar as que serão colocadas no mercado. Uma geradora com problemas não vai entrar em leilões futuros”, afirma um consultor do setor de infraestrutura.
Mais de 20 ativos poderiam ser licitados neste ano, com destaque para a via Dutra, rodovia que interliga São Paulo e Rio de Janeiro e deverá contemplar R$ 30 bilhões em investimentos durante os 30 anos de contrato, e a realização da sexta rodada de concessões de aeroportos para ampliação, manutenção e exploração de 22 terminais, distribuídos em três blocos e investimentos de R$ 6,7 bilhões. Juntos, os terminais respondem por 11% dos passageiros pagantes no mercado brasileiro de transporte aéreo.
Para o presidente do Banco Fator, Gabriel Galípolo, o momento atual é de busca de liquidez no mercado financeiro diante das incertezas. “Mesmo se tiver um retorno alto, quem vai querer renunciar à liquidez nesse momento? Não vejo agentes privados participarem de financiamento se não houver uma âncora forte do setor público na garantia da demanda”, destacou em recente evento.
Nas modelagens, o Estado busca não participar do risco de demanda, mas a crise atual poderá modificar a postura. Ele exemplifica que as concessionárias geralmente atuam em setores de monopólio natural, diferentemente, por exemplo, de supermercados em que a concorrência é ampla. “Você não vai para o litoral ou para o interior porque prefere a rodovia A e não a B. O Estado tem a postura de não alocar o risco de demanda, mas, se a concessão quebrar, ele terá de entrar de qualquer jeito”, diz.
Fonte: Valor