Os portos brasileiros não querem mais ser vistos como entrepostos burocráticos de mercadorias. A tendência é que absorvam cada vez mais o perfil de corporações modernas, que investem em novas tecnologias e inovação, de olho na aceleração dos negócios. No porto de Santos, é esperada uma repaginação completa dos sistemas de gestão, segurança e movimentação de cargas nos próximos dois anos. Em Pernambuco, Suape abre os portões para startups que trazem ferramentas de big data, enquanto o complexo de Pecém, no Ceará, pilota ações de captação de energia solar. Já a Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), responsável pelos terminais da capital fluminense, além de Itaguaí, Niterói e Angra dos Reis, deve investir R$ 10 milhões na área de tecnologia e inovação, um salto de 112% em relação a 2017.
Em Santos, a intenção é aplicar R$ 7 milhões em 2019 para encampar ações inovadoras ligadas à tecnologia da informação (TI). A ideia de Casemiro Tércio de Carvalho, presidente da autoridade portuária santista, é repaginar todo o parque tecnológico em até dois anos, com a modernização imediata dos softwares de gestão. “A política de TI está assentada em quatro vertentes: sistemas de programação, segurança e movimentação de cargas, além de controle de fila e agendamento de acessos”, afirma.
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As novas ferramentas de programação serão nas linguagens Java e PHP, consolidadas no mercado de soluções digitais. O plano é conectar uma rede de sensores, com câmeras, sistemas de identificação automática, radares e leitores de biometria que captam vários tipos de informação. “Tudo isso vai virar um big data, integrado ao nosso software de gestão.” O terminal já conta com 500 câmeras de monitoramento, 22 quilômetros de fibra óptica, torres de transmissão de 40 metros de altura e um banco de dados com 140 mil cadastros de pessoas e veículos.
Carvalho planeja novos recursos de proteção, voltados à área de meio ambiente, segurança do trabalho e patrimonial. “Estamos fazendo um road show para ver qual solução se aplica melhor à realidade do porto, que tem uma grande responsabilidade no combate ao tráfico internacional de ilícitos.” O volume de drogas apreendidas cresce a cada ano no local. Em 2016, foram 10,6 toneladas de cocaína e, em 2017, a apreensão alcançou 11,5 toneladas, segundo dados da Receita Federal. Em 2018, a quantidade interceptada até agosto foi superior a 13,5 toneladas.
O complexo paulista também conta, desde 2017, com o sistema Portolog, que sincroniza a chegada de caminhões e cargas nos terminais. Conta com leitores ópticos (Optical Character Recognition, da sigla em inglês) instalados em portões e terminais privados, que identificam as carretas. É operado em conjunto com o sistema de gerenciamento de tráfego de caminhões (SGTC), da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp).
“Queremos chegar ao ponto de monitorar a carga saindo do Centro-Oeste, por exemplo, até entrar aqui”, diz Carvalho. O interesse principal, segundo o executivo, é reforçar o track-and-trace (rastreamento completo) da carga para oferecer ao cliente um controle maior no transporte dos insumos. “Até com o objetivo de reduzir o seguro da operação e antecipar recebíveis em uma negociação de importação ou exportação.”
Outra linha de trabalho para alavancar a inovação é o investimento em empresas de base tecnológica. Este ano, criou o hackathon Desafio startup cidadã, um concurso que vai premiar aplicações para as áreas portuária e de economia criativa. O plano é atrair novidades ligadas à indústria 4.0, que possam ser usadas no porto ou fomentar a cultura tecnológica da região, segundo Carvalho. A prefeitura e a Fundação Parque Tecnológico de Santos participam da promoção, que acontece nos dias 26 e 27 de outubro, dentro da V Semana Municipal de Ciência e da Tecnologia da cidade. São 75 vagas para novos projetos.
Em Suape, a 40 quilômetros do Recife (PE), há iniciativas internas para explorar novas tecnologias e eventos organizados com o intuito de atrair startups de aumento de produtividade. O programa de inovação do porto foi criado há seis meses e concentra investimentos de R$ 1,5 milhão, comprometidos com projetos relacionados a big data, digitalização de processos e monitoramento de operações. Esse montante deve chegar a R$ 2,6 milhões até o fim do ano por conta de contratos em negociação com cinco startups, afirma o head de inovação Ed Dantas.
O movimento conta com três profissionais de áreas complementares – design, engenharia e comunicação – que trabalha com outros departamentos para deslanchar atividades ligadas à gestão portuária e o desenvolvimento de negócios. “Em seis meses, 16 funcionários receberam treinamentos sobre inovação”, destaca. O objetivo é que os colaboradores funcionem como multiplicadores de uma nova cultura de trabalho, que estimule a troca de conhecimento e a criação de projetos realizados no porto ou via parceiros.
“O Brasil está mais aderente à formação de ecossistemas de inovação aberta”, diz Dantas. “É possível encontrar diversos atores, entre startups, investidores e universidades, que estão abrindo as portas para as grandes empresas portuárias e de logística.”
De acordo com ele, a transformação digital é hoje a principal demanda dos portos, principalmente para tratar informações que circulam na cadeia logística em forma de papel. Se todos os dados que alimentam o setor fossem mais bem estruturados, haveria maior inteligência nas operações portuárias. “Recursos como blockchain, big data e internet das coisas serão as novas tendências do setor, porque acarretam um gerenciamento mais seguro e em tempo real dos negócios.”
A automação de processos é outra prioridade e está sendo implantada em rotinas internas de administração. No início de agosto, foi adotado um sistema eletrônico de informações (SEI) que facilita a produção, edição e assinatura de documentos por meio eletrônico. A finalidade é reduzir o uso de papel e o tempo de tramitação de processos. Um das estimativas é chegar a 40% de diminuição no manejo de documentos, quando o programa estiver completamente ativo. Em 2018, foram gastas 2,7 mil resmas de papel.
Desde 2016, Suape conta também com uma estação metaoceanográfica, que monitora o nível da água, as correntes marítimas e o tamanho das ondas na região. Os equipamentos oferecem medições de intensidade e direção do vento, rota das correntes e altura da maré. “É como um perfil do histórico climático do porto”, diz Dantas.
Além do uso de novas tecnologias de gestão e controle ambiental, Suape aderiu de vez ao empreendedorismo inovador. “Em seis meses, conseguimos criar novas oportunidades para serem exploradas por startups.” Este ano, foram organizados dois eventos, batizados de Match Day, em maio e setembro, para que as empresas pudessem apresentar soluções. Mais de 70 empreendimentos se inscreveram e 40 tiveram contato direto com os executivos do terminal. No final, 12 foram selecionados para atuar em desafios propostos pelo porto.
“A necessidade de trabalhar com startups surgiu para criar uma proximidade maior com a inovação existente no Porto Digital, parque tecnológico do Recife”, explica. “Por meio de Suape, os empreendedores conseguem trabalhar em projetos que, antes, seriam de difícil acesso.” Pelo menos duas startups já cruzaram a linha de chegada e fecharam contratos com o porto.
No Complexo Industrial e Portuário do Pecém, no Ceará, também está em estudo um projeto de hackathon para 2020, com o intuito de selecionar soluções de logística e de proteção ao meio ambiente. Enquanto isso, a empresa acelera ações de captação de energia solar. “Temos um projeto inicial de cobertura do estacionamento com placas solares, orçado em R$ 450 mil, e de carros elétricos, no valor de R$ 300 mil em 2020 e de mais R$ 300 mil para 2021”, afirma o assessor de qualidade e inovação Márcio Mamede.
Segundo o executivo, a proposta inclui a instalação de tomadas para a recarga de carros elétricos e está na fase de lançamento de licitação. Ao mesmo tempo, estuda a utilização dos veículos movidos a eletricidade em atividades de operação, segurança e de meio ambiente no porto, além do fornecimento de energia para os navios que atracam no local. Em julho deste ano, Pecém registrou uma movimentação de 1,7 milhão de toneladas de cargas, a melhor contabilizada em um único mês desde que o terminal começou a operar, em março de 2002.
A Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ) aumentou os aportes em tecnologia e inovação, segundo o diretor-presidente Francisco Antonio de Magalhães Laranjeira. Atualmente, investe cerca de 3% do faturamento bruto anual na área. “São aproximadamente R$ 10 milhões ao ano”, diz. Em 2017, os recursos do setor ficaram em torno de 1,3% do faturamento, correspondendo a R$ 4,7 milhões.
O executivo lembra que a CDRJ está instalando, nos quatro portos sob sua gestão, um programa de gestão, o Sigport. O software de aumento de produtividade, em desenvolvimento há cerca de um ano e meio, deve estar em pleno funcionamento no primeiro semestre de 2020. Com isso, três grandes sistemas serão integrados em uma única ferramenta: o supervia de dados, de recebimento de documentação eletrônica; o sigep, de gestão pública; e o programação de navios, que disponibiliza a movimentação das embarcações.
A novidade também será integrada ao porto sem papel (PSP) e agrega facilidades para a fiscalização de operações, do meio ambiente, guarda portuária e de segurança do trabalho. O PSP é um sistema criado para facilitar a análise e a liberação de mercadorias nos portos brasileiros. Com ele, diversos formulários em papel são convertidos em um único protocolo eletrônico, conhecido como documento único virtual (DUV).
Na avaliação de Laranjeira, o Sigport vai facilitar o trabalho do agente marítimo, o maior usuário externo do sistema – somente no Porto do Rio de Janeiro são mais de 180 profissionais cadastrados. Atualmente, eles precisam inserir todas as informações necessárias no PSP e depois redigitá-las no supervia de dados. “As duas aplicações não são integradas.” Com a nova ferramenta, bastará uma única entrada de dados.
Fonte: Valor