No mês de setembro deste ano, a União publicou o Decreto nº 10.025/2019, que regulamentou a utilização do instituto da arbitragem nas controvérsias envolvendo ela própria ou as entidades da Administração Pública Federal nos contratos de concessão, e instrumentos congêneres, nos setores portuário, rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário.
O Decreto regulamenta dispositivos da Lei Federal nº 10.233/2001, da Lei Federal nº 12.815/2013 e da Lei nº 13.448/2017, que instituiu no âmbito federal o Programa de Parcerias de Investimento
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O instituto da arbitragem é previsto como modo de resolução de conflitos nos contratos de concessão desde a edição da Lei Federal de Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079/2004). Desde então, sempre se questionou a possibilidade da aplicação do instituto em demandas em que a Administração Pública está envolvida e quais os limites do uso de tal instituto.
Tal fato se deveu ao entendimento de que o regime jurídico-administrativo tem como pilar mestre, além do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, o princípio da indisponibilidade do interesse público. Diante disso, não seria possível submeter à arbitragem qualquer demanda envolvendo a Administração Pública, uma vez que aquelas demandas envolvendo interesses públicos perseguidos por ela, como finalidade da própria função administrativa, só poderiam ser resolvidos pelo Poder Judiciário, único órgão capaz de resolver em definitivo as demandas envolvendo interesses públicos.
Tal cenário começou a se alterar com a edição da Lei Federal nº 13.129/2015, que acrescentou dispositivos à Lei de Arbitragem (Lei Federal nº 9.307/1996), ao incluir a possibilidade da Administração Pública utilizar-se da arbitragem apenas para dirimir conflitos relacionados a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º, §1º da Lei).
O Decreto reforça esta possibilidade de instituição da arbitragem em litígios que versem a respeito de direitos patrimoniais disponíveis, elencando um rol exemplificativo que incluem questões relativas:
- à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos;
- ao cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de parceria; e
- ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, incluídas a incidência das suas penalidades e o seu cálculo.
Importante ressaltar que o inadimplemento das obrigações contratuais acima mencionado deve ter relação a direitos patrimoniais. Não pode ser submetido à arbitragem inadimplementos de obrigações relacionados ao cumprimento de cláusulas contratuais relacionadas à própria prestação de serviço público. É certo que, nos termos do artigo 6°, a União deverá privilegiar o uso da arbitragem quando a divergência estiver fundamentada em aspectos eminentemente técnicos e a demora na resolução do conflito possa gerar prejuízo à prestação adequada do serviço ou possa inibir investimentos prioritários
O Decreto n° 10.025/2019 prevê, ainda, que antes da instauração da arbitragem as partes poderão adotar outros métodos alternativos de solução de controvérsias, tais como a mediação ou, ainda, submeter a questão à Câmara de prevenção e resolução administrativa de conflitos da Advocacia-Geral da União.
Considerando que diversos dos contratos administrativos envolvendo a União ou as entidades da Administração Indireta foram celebrados antes de a arbitragem se tornar um meio seguro para o Poder Público dirimir as suas controvérsias, o Decreto prevê que na hipótese de inexistir cláusula compromissória nos contratos de parceria, o mesmo poderá ser aditivado de comum acordo entre as partes.
A cláusula compromissória poderá facultar ao contratado a escolha da câmara arbitral dentre aquelas cadastradas pela Advocacia-Geral da União (AGU), sendo, contudo, facultado ao Poder Público apresentar impugnação à indicação, hipótese na qual deverá o contratado indicar uma outra instituição para administrar o procedimento.
Havendo a decisão pela câmara de arbitragem sobre a demanda discutida, as partes ficarão obrigadas a cumpri-la. A sentença arbitral só perderá efeitos no caso de anulação pelo Poder Judiciário, em virtude de vícios de legalidade da mesma, nos moldes dispostos no art. 33 da Lei de Arbitragem
Além do exposto, é relevante a previsão de que a obrigação pecuniária imposta à Administração Pública pode se dar, por exemplo, por mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro; compensação de haveres e deveres de natureza não tributária (tais como multas); e pagamento a terceiro, nas hipóteses admitidas por lei.
Por fim, ressalta-se que o Decreto n° 10.025/2019 não se aplica aos contratos em que já há previsão de compromisso arbitral e estão em vigor. O decreto é aplicável apenas aos novos contratos de parceria celebrados pela Administração Pública Federal, ou no caso de acordo entre as partes nos casos mencionados de contratos de parceria sem previsão de compromisso arbitral.
Ernesto Medeiros Teixeira de Araújo é advogado do Diamantino Advogados Associados