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A BR do Mar e suas perspectivas para as novas gerações de engenheiros navais

O programa BR do Mar, novo marco regulatório do transporte de cargas ao longo da costa brasileira, tem como objetivo principal estimular o transporte de mercadorias internamente e aumentar a competitividade industrial do país. Entretanto, está causando preocupação nos transportadores e embarcadores.

Por um lado, o projeto BR do Mar estimula a cabotagem, uma vez que é baseado em quatro eixos fundamentais: frota, indústria naval, custos e portos. Paralelamente, o programa fomenta as empresas já existentes e dá mais autonomia a elas, além de desburocratizar o registro e o tráfego de embarcações. Por outro lado, a indústria naval brasileira poderá ser prejudicada com essa legislação. Imaginar que esta sobreviverá apenas de docagens e reparos é um ponto a ser analisado. Além disso, a proposta omite alguns pontos relevantes, por exemplo o projeto não abordou uma das principais fases do custo do transporte da cabotagem, os custos portuários, que são custos referentes a portos já concessionados pelo próprio governo Federal que impactam toda a cadeia.


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O principal objetivo deste novo marco regulatório é diminuir o custo de transporte no Brasil e consequentemente, aumentar a competitividade industrial do país. Durante a assinatura do projeto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou que atualmente o minério que vira aço na região Sul do país chega à região Nordeste 40% mais caro do que se tivesse ido para a China e voltado. Para que este objetivo se concretize, o Ministério da Infraestrutura, através do BR do Mar, criará novas rotas marítimas e reduzirá os custos de transporte nas rotas existentes. É esperado que o volume de contêineres transportados pela cabotagem seja ampliado de 1,2 milhão para 2 milhões em 2022.

Além disto, este projeto de lei visa a redução da burocracia. Segundo o governo, o objetivo é que os processos realizados nos portos sejam mais simples para a cabotagem do que para o comércio exterior. Sendo o principal destaque o uso de comprovante digital de entrega e recebimento de mercadoria, o que implicará em uma não necessidade de armazenar os “canhotos”.

No que tange à indústria naval nacional, a abordagem tomada pelo projeto de lei, a qual detalharemos no decorrer do texto, dividiu opiniões entre os profissionais da área. Os dados trazidos pelos defensores do projeto apontam que a indústria naval não correspondeu ao crescimento do setor de cabotagem, este superior a 10% a.a. nos últimos anos. O resultado apresentado a partir de dados do Fundo da Marinha Mercante, foi de apenas quatro embarcações construídas em estaleiros brasileiros voltadas para a cabotagem, em grande contraste com as mais de 600 construídas para o setor de óleo e gás, demonstrando, assim, uma subutilização da indústria local.

Apesar de ser um embasamento relevante, não houve esforços por parte do projeto em tentar analisar o por quê dessa grande discrepância. Evidentemente há fatores particulares à cabotagem que não dão espaço para que a indústria ajude a alavancar ainda mais o setor de navegação, como por exemplo a pouca quantidade de estímulos à produção local. Pautado nesse cenário, o programa busca “alternativas estrangeiras” para alavancar a navegação, sob o risco de dificultar ainda mais o crescimento da indústria, que apesar de seu grande potencial já apresenta dificuldades de se desenvolver junto à cabotagem.

Também como consequência da carência da indústria local, há impacto negativo no Índice de Participação Local dos projetos realizados. Como essa carência resulta em uma baixa no índice de participação local que acaba sendo a referência para licitações — dada a importância estratégica em três vias: pesquisa, emprego e desenvolvimento estratégico —, assim, ratifica-se o propósito da proposta, estimular a navegação independente do local onde as embarcações serão construídas. Logo, a característica de um projeto que provoque uma maior indução de geração de empregos no Brasil, principalmente nas engenharias, é frustrada.

Como estudantes, acreditamos que esse ponto merece uma reflexão, a construção das corvetas da marinha gerará 6 mil empregos (gerados pelo índice de conteúdo local de 31,6% para a primeira unidade e com a média de 41% para as demais). Além de aquecer a indústria local, esse ambiente de construção proporciona estágios em diversas áreas que vão desde da engenharia à gestão. Um outro resultado é o investimento em pesquisas para otimizar os processos que podem ser feitas nas universidades, onde há diversos laboratórios que estudam novas técnicas e aplicações. Dessa forma, enxergamos que a inclusão dos estaleiros nacionais contribuiria de forma considerável para criação de um ambiente de prosperidade e desenvolvimento de tecnologia. Ressalta-se que embora sejam dados benefícios fiscais para importação de embarcações, nada trata da desoneração dos estaleiros nacionais.

Tratando ainda da questão do emprego, fatores tratados na proposta afetam diretamente os marítimos brasileiros e aqueles que aqui trabalham. Dentro do escopo do programa, notam-se esforços para solucionar a insegurança jurídica na navegação brasileira. A proposição é de que o código trabalhista vigente na embarcação seja o da bandeira da embarcação. Embora a proposta traga segurança jurídica, muitas questões sobre a qualidade das condições de trabalho acabam trazendo preocupação. Uma questão que a enfatiza bem é o fato de um trabalhador brasileiro atuando na costa brasileira não ter amparo legal para recorrer à Leis do Trabalho já consolidadas e vigentes no país.

Além da falta de amparo, outra questão se destaca, embarcações estrangeiras que praticam cabotagem no Brasil possuem uma exigência bem menor de trabalhadores locais. Isto é, além de dar brechas para a precarização do trabalho, há uma expectativa de diminuição dos postos, dada a mudança do panorama de bandeira que o país deve sofrer. Desse modo, acreditamos que embora a proposta resolva a questão da insegurança jurídica, deva haver uma maior reflexão sobre as consequências causadas.

Como a proposta visa estimular a importação de navios estrangeiros, sabe-se que o objetivo final da PL é dar meios para que a cabotagem tenha recursos para se desenvolver. Um dos recursos para analisar o seu efeito é a perspectiva de redução de custos operacionais. Embora a PL atue diretamente na necessidade do investimento inicial, retirando taxas de importação e facilitando a obtenção de crédito, ela peca em não resolver grandes entraves. Temos como exemplo a questão as taxas portuárias que afetam diretamente os custos operacionais e despesas, consequentemente a atratividade do modal, os encargos sociais, custos trabalhistas bem maiores comparado com outros países, o ICMS dos combustíveis (embora os estados sejam responsáveis pela definição deles, é pouco perceptível o esforço do Governo Federal), além de outros pontos. Desse modo, se observa que embora a proposta seja bem intencionada, é necessário que mais pontos sejam abrangidos para que possa haver um crescimento sustentável e benéfico para todas as partes.

Uma das diretrizes do programa Br do Mar é a flexibilização da restrição ao afretamento de embarcações estrangeiras a casco nu, independentemente do porte e do tipo de uso, para realização do serviço de cabotagem. Primeiramente, é importante explicar que o afretamento de embarcação é a forma de contrato mediante o qual a pessoa ou firma (fretador) concede a outra pessoa ou firma (afretador) o uso total ou parcial do navio, por um preço previamente ajustado (frete). Segundo o Ministério da Infraestrutura, essa flexibilização da frota reduzirá o CAPEX (despesas de capital) e o OPEX (custo operacional) das operações das empresas. Entretanto, traz menor vínculo da embarcação com o país em relação a uma embarcação própria. Vale ressaltar que o ponto principal para a existência de uma marinha mercante é a disponibilidade de uma frota de navios nacionais que dê suporte ao desenvolvimento do comércio do país.

De certa forma, com a flexibilização do afretamento, teremos uma maior regularidade dos serviços com o aumento do volume operacional no país, que, em tese, estimulará as operações de docagem e reparo nos estaleiros, bem como imprimirá a regularidade do setor também nessas operações. Contudo, uma análise essencial a ser feita é acerca do custo de oportunidade desse cenário hipotético que estamos prestes a encarar. Ao passo que teremos essas vertentes da indústria naval ganhando volume e estabilidade, o core da mesma, construção, estará sofrendo um forte golpe.

Levando em consideração essa conjuntura delicada, o projeto trouxe em seu escopo alguns pontos de estímulo industrial. O principal deles garante o dobro da capacidade de afretamento de embarcações estrangeiras por parte da EBN (Empresa Brasileira de Navegação), caso esta esteja construindo embarcação em estaleiro brasileiro. Ou seja, se por um lado o programa tira a obrigatoriedade de embarcação brasileira para caracterizar uma EBN, ele estimula a construção dessas embarcações para uma eventual ampliação das operações.

Dessa forma, ao analisarmos os principais pontos da proposta, percebemos que ela trata de diversos pontos importantes e centrais para a navegação brasileira. Todavia, comumente temos a impressão que os pontos merecem uma maior reflexão, o que se deve ao fato de um enfoque em solucionar uma questão sem abranger a totalidade dessa. Como estudantes de Engenharia Naval e Oceânica da Escola Politécnica UFRJ, uma das mais tradicionais escolas de engenharia no país, temos uma expectativa de criação de empregos, desenvolvimento da indústria local e pesquisas, o que acaba pouco se relacionando com a proposta atual, assim, acreditamos que essa peca ao não se alinhar com a indústria nacional, pouco afeta os custos operacionais e não priorizar os direitos daqueles que trabalham no Brasil.

Adrian Hilbert, João Pedro Figueira e Severino Virgínio são graduandos de Engenharia Naval e Oceânica pela Escola Politécnica da UFRJ

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