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Artigo - A regulação da cessão de tonelagem para o afretamento de embarcações estrangeiras

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) incluiu em sua agenda regulatória do biênio 2022/2024 a revisão das regras a respeito da cessão de tonelagem, com a possibilidade de empresas não-EBNs (empresas proprietárias de embarcações, sem autorização da ANTAQ para operar como empresa brasileira de navegação) cederem a sua tonelagem para Empresas Brasileiras de Navegação (Item 2.2 da agenda regulatória)

Provocada por EBNs autorizadas a operar na navegação de apoio marítimo, o assunto foi enfrentado recentemente em duas ocasiões distintas pela Agência.


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Em 2022, em um caso concreto, a ANTAQ decidiu que uma EBN poderia utilizar em seu benefício a tonelagem de uma embarcação brasileira afretada a casco nu, cedida pela proprietária fretadora desta embarcação, mesmo sendo cedente da tonelagem uma não-EBN. A ANTAQ considerou que, por ser a não-EBN proprietária da embarcação brasileira fretada a casco nu uma empresa do mesmo grupo econômico da EBN afretadora, a cessão da sua tonelagem era possível. Ainda que o § 6º do art. 4º da Resolução Normativa 01/2015 (RN 01/2015) dispusesse expressamente, além de outros critérios, que a cessão de tonelagem deve ocorrer entre EBNs, a Agência não identificou motivação legal ou regulatória que impedisse o deferimento do pleito de uso da tonelagem pela EBN afretadora de tal embarcação.

Em consequência, a EBN afretadora teve reconhecida como parte integrante do total da sua tonelagem disponível a tonelagem da embarcação brasileira que lhe foi fretada pela não-EBN, aumentando, assim, sua capacidade em afretar, com base na tonelagem, embarcações estrangeiras a casco nu, com a suspensão da bandeira de origem para registro no Registro Especial Brasileiro (REB).

Por certo, a Agência, nesta decisão, além de enfatizar a condição de ambas empresas pertencerem ao mesmo grupo econômico (proprietária fretadora e a EBN afretadora), não obstante a previsão contida na Resolução Normativa 01/2015, a Agência considerou também inexistir lei que vede a cessão da tonelagem por uma não-EBN.

Em 2023, a ANTAQ se viu diante de um novo caso concreto, similar ao anterior, no qual uma EBN autorizada a operar na navegação de apoio marítimo pretendia ter reconhecido o seu direito ao uso da tonelagem cedida por uma não-EBN, proprietária das embarcações de bandeira brasileira lhes afretada a casco nu. Nesse novo caso, as empresas envolvidas não faziam parte de um mesmo grupo econômico.

Em uma primeira análise, a Agência entendeu que a não configuração de grupo econômico entre a não-EBN proprietária dessas embarcações e a EBN afretadora justificaria per si o indeferimento do pleito da EBN para a utilização da tonelagem das embarcações brasileiras afretadas a casco nu. Todavia, nos parece que o reconhecimento ao direito do uso da tonelagem de uma embarcação brasileira independe de serem sua proprietária, não-EBN, bem como a EBN afretadora empresa pertencente ao mesmo grupo econômico.

A tonelagem de uma embarcação é um ativo relevante e deve ser enxergada como ferramenta de política ao fomento do desenvolvimento, não apenas da indústria naval, mas do modal aquaviário e da bandeira brasileira como um todo. A tonelagem pertence inicial e originalmente à empresa proprietária da embarcação, seja esta ou não uma EBN. Nesse sentido, interessante a inovação legal trazida pela Lei nº 14.301/2022, que instituiu o BR do MAR e introduziu o conceito da Empresa Brasileira de Investimento na Navegação.

Não há dúvida que a tonelagem disponível em favor de uma EBN permite que esta aumente a sua frota por meio do afretamento a casco nu de embarcações estrangeiras, que terão a suspensão das suas bandeiras de origem e serão registradas no REB, passando, então, a arvorar a bandeira brasileira. Nessa modalidade, quando há a suspensão da bandeira de origem, a tripulação da embarcação afretada é composta por marítimos brasileiros e o total de divisas remetidas para o exterior, a título de taxa de afretamento, é significativamente inferior aos valores remetidos quando se trata de uma embarcação estrangeira afretada que continua a hastear a bandeira do seu país de origem e é tripulada, majoritariamente, por marítimos estrangeiros.

O REB, criado pela Lei nº 9.432/1997 e regulamentado no Decreto nº 2.256/1997, tem como objetivo a ampliação e o fomento do modal aquaviário e da frota de bandeira brasileira e não deve ser enxergado de forma restritiva como instrumento legal de fomento apenas à indústria naval nacional.

Este último caso concreto levou a ANTAQ a ampliar internamente a discussão regulatória do tema junto às suas superintendências técnicas. Ao final, entendeu a Agência que a simples não caracterização de grupo econômico entre a não-EBN proprietária e a EBN afretadora daquelas embarcações de bandeira brasileira não justificaria entendimento diverso ao aplicado ao primeiro caso concreto, e reconheceu, assim, o direito ao uso da tonelagem cedida pela não-EBN em favor da EBN afretadora.

As recentes decisões da Agência, e a inclusão do tema em sua agenda regulatória para o biênio 2022-2024, devem ser encarados como oportunidade para o aperfeiçoamento normativo a respeito da cessão de tonelagem. Mas, além da possibilidade da cessão da tonelagem de uma embarcação de propriedade de uma não-EBN, deve ser objeto de debate e revisão normativa a possibilidade de que a tonelagem de uma embarcação — seja esta de propriedade de uma não-EBN ou de uma EBN —, seja cedida para determinada EBN de forma autônoma, sem obrigatoriamente estar vinculada ao afretamento a casco nu da embarcação à qual pertence a tonelagem objeto da cessão. Deve ser considerado no estudo da Agência a possibilidade da utilização da tonelagem como ativo autônomo e independente.

O reconhecimento da tonelagem como um ativo relevante para as EBNs converge com a política de incentivo ao transporte aquaviário trazida na Lei 9.432/1997 e atualizada na Lei 14.301/2022, que possuem como objetivo inquestionável o estímulo à ampliação da frota de bandeira nacional. O aperfeiçoamento e atualização normativa a respeito da possibilidade de cessão de tonelagem devem ser amplamente debatidas pela ANTAQ em conjunto com os atores do mercado no curso da agenda regulatória da Agência para o biênio 2022/2024.

Alessander Lopes Pinto é advogado, vice-presidente da Associação de Brasileira de Direito Marítimo, vice-presidente para o Brasil do Instituto Ibero Americano de Direito Marítimo e sócio sênior do LP LAW | Lopes Pinto Advogados

Lucca Cortez é secretário-executivo da seção brasileira do Instituto Ibero Americano de Direito Marítimo, advogado associado do LP LAW | Lopes Pinto Advogados Associados






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