Se há alguns anos começava-se a falar sobre os problemas do aquecimento global de modo genérico, a partir das Conferências do Clima, nos últimos anos vimos o tema descarbonização cada vez mais entrando nas discussões dos fóruns marítimos e ocupando mais e mais espaço na mídia especializada e mesmo geral.
A nível global, para ficarmos apenas nos últimos dois anos e meio, observamos, num ritmo crescente, muitos eventos que envolvem o setor marítimo direta ou indiretamente na busca de soluções para sua descarbonização.
PUBLICIDADE
Dessa forma, comecemos com a COP26, em outubro de 2021, quando 22 países assinaram a “Declaração Clydebank para corredores de navegação verdes”, na qual concordaram que devem apoiar o estabelecimento de corredores marítimos verdes – rotas marítimas com emissões zero entre dois (ou mais) portos.
Em novembro de 2022 a IMO determinou as regras sobre intensidade de carbono e sistema de classificação de navios para entrarem em vigor a partir de janeiro de 2023, que consiste em um sistema de medição de eficiência energética (a exemplo do que vemos em eletrodomésticos) em três eixos: Energy Efficiency Existing Ship Index – EEXI; Carbon Intensity Indicator – CII e Ship Energy Efficiency Management Plan – SEEMP.
No mesmo mês de novembro de 2022, por ocasião da COP27 no Egito, países, portos e empresas fizeram mais de 40 anúncios no âmbito do “Green Shipping Challenge”, assumindo compromissos e iniciativas em favor da descarbonização. Vide detalhes em https://greenshippingchallenge.org/cop27/
Em junho de 2023 foi apresentado no Congresso Americano o “Clean Shipping Act 2023”, que pretende impor metas de redução das emissões de carbono a todos os navios que frequentam os portos dos EUA, e estabelecerá um caminho para eliminar as emissões de gases de efeito estufa de todas as empresas de transporte marítimo que fazem negócios com os Estados Unidos.
Na 80ª sessão do MEPC da IMO (Marine Environment Protection Committe) em julho de 2023 foram aprovadas as seguintes metas de redução das emissões de carbono pelos navios: 20% - tentando chegar a 30% em 2030 (comparado a 2008), 70% - tentando chegar a 80% até 2040 e nível zero ou quase zero em 2050.
Durante a COP-28 em Dubai, que ocorreu entre 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023, os CEOs das principais companhias marítimas globais emitiram uma declaração conjunta pedindo uma data final para novas construções movidas exclusivamente a combustíveis fósseis e instando a Organização Marítima Internacional (IMO), “braço” da ONU que regula o transporte marítimo internacional, a criar as condições regulatórias para acelerar a transição para combustíveis verdes, sublinhando o compromisso desses CEOs com os objetivos de redução de GEE da IMO para 2030, 2040 e 2050. Assinaram o documento Vincent Clerc - CEO da Maersk, Rolf Habben Jansen - CEO da Hapag-Lloyd, Soren Toft - CEO da MSC, Lasse Kristoffersen - CEO da Wallenius Wilhelmsen e Rodolphe Saadé - CEO da CMA CGM.
O Brasil, através da Antaq, esteve presente nas discussões e apresentou algumas ações sendo tomadas, como a recente aprovação do trabalho que analisou os “Impactos e Riscos da Mudança do Clima nos Portos Públicos”. Foi ressaltado também outro estudo que vem sendo produzido, em parceria com a consultora alemã GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit), diretamente voltado à descarbonização no setor portuário.
A partir de janeiro de 2024, no âmbito da União Europeia, a navegação marítima foi incluída no “EU Emission Trading System” (regime de comércio de licenças de emissão da UE) e cobrirá as emissões de CO2 de todos os grandes navios (de arqueação bruta igual ou superior a 5.000t) que entrem nos portos da UE, independentemente da bandeira que arvorem, cobrando 50% das emissões para navios vindo ou indo para fora da UE e 100% das emissões intraportos da UE. As empresas de navegação têm de comprar e entregar (usar) licenças de emissão por cada tonelada de CO2 reportada no escopo do sistema EU ETS. Trata-se da primeira ação efetiva de precificação das emissões.
Na 81ª sessão do MEPC da IMO, de 18 a 22 de março de 2024, os membros concordaram pela primeira vez num esboço de legislação para adoção de uma medida econômica global (preço de emissão de gases de efeito estufa - GEE) e uma norma de combustível, que deverá reduzir gradualmente o conteúdo de combustíveis fósseis no mix de combustíveis para transporte marítimo e que deverá ser negociado o mais tardar até 2025, com implementação já a partir de 2027.
Dentre os próximos passos do processo de descarbonização a curto prazo já estão alinhados:
• GreenTech 2024 Barcelona, em maio de 2024 e que discutirá: eletrificação, combustíveis alternativos, corredores verdes e descarbonização;
• MEPC 82 em outubro de 2024, onde serão finalizadas as análises dos impactos das medidas;
• MEPC 83 na primavera (hemisfério norte) de 2025, para aprovação das medidas;
• MEPC 84 no outono de 2025, quando está prevista a adoção das medidas de redução da pegada de carbono.
Há, contudo, um reconhecimento de que os novos combustíveis e os esforços na redução das emissões trazem um custo adicional quando comparado ao uso indiscriminado dos combustíveis tradicionais, derivados de fontes fósseis, e para tanto se discutem mecanismos e subsídios capazes de equalizar esse custo, como a taxa de carbono que está na pauta da IMO, porém o mercado ainda precisa entender que em dado momento terá de pagar mais caro pelo seu transporte, mas é também um caminho sem volta, em virtude da emergência climática que já vivemos.
Robert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence Specialists