Está em vias de ser julgado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) matéria crucial para o setor portuário brasileiro: a legalidade da cobrança do Serviço de Segregação e Entrega (SSE), comumente denominado THC2, por parte dos terminais portuários. A decisão, objeto do Processo TC 021.408/2019-0, tem potencial para impactar profundamente a dinâmica logística e a segurança jurídica do setor, com repercussões significativas para toda a cadeia produtiva do País.
O cerne da questão está relacionado ao fato de que os terminais portuários argumentam que o serviço solicitado pelos terminais retroportuários (EADI e TRAs) para atender às suas necessidades específicas de liberação de cargas implica custos adicionais não contemplados na tradicional taxa de THC (Terminal Handling Charge). Essa última, paga pelos armadores, remunera apenas a movimentação básica dos contêineres entre o navio e o pátio do terminal portuário.
A interpretação do TCU, trazida no Acórdão nº 1.448/2022-Plenário, que determinou a suspensão cautelar da cobrança do SSE, baseia-se na premissa equivocada de que o serviço já estaria incluso no Box Rate, contrariando o entendimento da própria agência reguladora do setor, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). A decisão, além de tecnicamente questionável, foi proferida em um processo marcado por graves vícios procedimentais, como a tramitação em sigilo e a ausência de participação dos terminais portuários, em flagrante violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
A suspensão da cobrança do SSE, efetivada pela Resolução Antaq nº 84/2022, em suposta obediência à decisão do TCU, representa um retrocesso para o setor portuário e para a economia nacional como um todo. Na prática, a medida impede a cobrança por um serviço efetivamente prestado, gerando um desequilíbrio contratual e econômico-financeiro para os terminais portuários, que se veem obrigados a arcar com os custos de uma atividade que beneficia diretamente os terminais retroportuários.
É importante destacar que a Antaq, em diversas Resoluções (nº 2.389/2012, 34/2019 e 72/2022), reconheceu a legalidade da cobrança do SSE, estabelecendo inclusive mecanismos regulatórios para coibir eventuais abusos. A agência, com base em sua expertise técnica e regulatória, sempre defendeu que a cobrança autônoma do SSE é fundamental para garantir a livre concorrência e o equilíbrio econômico-financeiro do setor.
Nesse sentido, a decisão do TCU, ao suspender a cobrança do SSE sem qualquer comprovação de abuso por parte dos terminais portuários, extrapola os limites de sua competência, invadindo a seara regulatória da Antaq e criando um clima de insegurança jurídica prejudicial ao desenvolvimento do setor. A interpretação extensiva do acórdão pela Antaq, que culminou na edição da Resolução nº 84/2022, agrava ainda mais o cenário, impondo restrições à livre iniciativa e à autonomia das relações contratuais entre os agentes econômicos.
A jurisprudência, aliás, tem se mostrado favorável à cobrança do SSE. Diversas decisões judiciais, tanto em primeira instância quanto nos Tribunais Regionais Federais (TRFs), reconheceram a legalidade da cobrança, destacando a autonomia do serviço em relação ao THC e a necessidade de remuneração financeira justa aos terminais portuários.
Diante desse cenário, a decisão do TCU a ser proferida assume contornos ainda mais relevantes. Espera-se que o tribunal, ao analisar a matéria de forma técnica e imparcial, reconheça a legalidade da cobrança do SSE, restabelecendo a segurança jurídica do setor e garantindo a justa remuneração aos terminais portuários pelos serviços efetivamente prestados.
A continuidade da suspensão da cobrança do SSE, por outro lado, representará um duro golpe para a logística portuária brasileira, com impactos negativos para toda a cadeia produtiva. A medida, além de gerar insegurança jurídica e desestimular investimentos no setor, poderá resultar em aumento de custos para os usuários finais, prejudicando a competitividade da economia nacional.
É fundamental, portanto, que o TCU, ao apreciar a matéria, leve em consideração os argumentos técnicos e jurídicos que evidenciam a legalidade da cobrança do SSE, bem como os impactos negativos que a sua suspensão trará para o setor portuário e para a economia brasileira. A decisão a ser proferida terá repercussões significativas para o futuro da logística nacional e, por isso, deve ser pautada pela busca da segurança jurídica, da livre concorrência e do desenvolvimento econômico e social do País.
Caroline Ribeiro Souto Bessa é advogada da área de Contencioso Estratégico do escritório Martorelli Advogados
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