Há duas semanas o agente de cargas Asia Shipping promoveu um webinar, com participação da Solve Shipping, em que se discutiu amplamente o que parece ser um eminente colapso na estrutura portuária brasileira.
Desde o início do ano observa-se um crescimento robusto tanto nos volumes de importação quanto de exportação. De acordo com a Antaq, de janeiro à março houve um crescimento de 20,3% nas exportações e 19% nas importações brasileiras em contêineres. Porém, paralelamente a isso, observamos uma redução na oferta de berços em dois dos principais terminais de contêineres do país. Por conta de um acidente no berço 01 do BTP em Santos, dia 19 de janeiro desse ano, ele teve que suspender as operações para reparos, reduzindo em um terço sua capacidade. Por outro lado, a Portonave, em Santa Catarina, iniciou obras de reforço em seus berços para receber navios maiores, também em janeiro, com o qual está operando temporariamente apenas um navio por vez. Por outro lado, o terminal de contêineres do porto público de Itajaí está há mais de um ano sem operar, desde a saída da APM.
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Esse quadro de aumento na demanda por cargas, redução de oferta de berços e problemas climáticos evidenciam o quanto no limite a operação de contêineres está se realizando no Sul e Sudeste (que concentram 79,5% do volume de carga conteinerizada no Brasil). Segundo orientação da OCDE, ao ultrapassar de forma contínua a marca de 65% de utilização de berço os terminais ficam sem margem de manobra para atender situações inesperadas, como navios fora de janela, greves ou problemas climáticos. O gráfico abaixo, listando a utilização de berços nos seis maiores terminais do Brasil mostra o quanto acima desse número nossos terminais vêm operando, crescendo a partir do 4º trimestre de 2023 (quando houve o fechamento da barra de Itajaí por 16 dias) e acentuando essa crescente no 1º trimestre de 2024 (obras na Portonave e acidente no BTP).
Há ainda dificuldades com os órgãos intervenientes, como Receita Federal e Ministério da Agricultura, principalmente, seja por movimentos grevistas ou mobilização das categorias pela falta de pessoal para atender efetivamente o desembaraço das cargas.
Como consequência, nos últimos meses alguns terminais têm tido dificuldade em abrir seus “gates” com a necessária antecedência, por estarem com pátios lotados, forçando embarcadores a depositar seus contêineres em pátios de retaguarda, o que, por sua vez, tem trazido dificuldade para o recebimento de contêineres vazios, gerando demurrage na devolução de equipamentos utilizados por importadores.
Dois terços do comércio exterior brasileiro é atendido por navios na faixa de 8,5 mil a 12 mil TEU (ineficientes, do ponto de vista de emissões de carbono e eficiência energética, tanto em rotas longas, como em rotas curtas), porém, como se observa no gráfico abaixo, essa classe de navios não está mais sendo encomendada, justamente em consequência das novas normas da IMO de eficiência energética.
Com isso começam a chegar à costa brasileira navios de 12 mil a 14 mil TEU com 336m de comprimento, 51m de largura e 16m de calado. Nenhum dos seis maiores terminais que listamos anteriormente, e que respondem por um pouco mais de 70% dos contêiners movimentados no Brasil, tem hoje condições plenas de receber esses navios com sua carga máxima. Já temos visto por aqui alguns navios de até 15 mil TEU, com 366m de comprimento e que enfrentam restrições ainda maiores. Não só do ponto de vista econômico, mas como também para cumprir com as normas da IMO é necessário que esses navios andem cheios (a norma avalia emissão de carbono por milha/tonelada transportada). Qual opção? Os armadores passarem a operar com navios “feeder”, transbordando nossas cargas no Caribe ou no Mediterrâneo? O impacto negativo de uma opção como essa seria uma catástrofe. Nossas frutas, por exemplo, não suportam um tempo tão longo de viagem. A outra alternativa correta, e que nos coloque em linha com os modernos portos do mundo, é fazermos o nosso “dever de casa”!
E no que consiste esse dever de casa? Um amplo, urgente e consistente programa de desenvolvimento do sistema portuário brasileiro, preparando-o para se colocar efetivamente no século XXI. Há que contemplar dragagem, realinhamento de canais de acesso e ampliação de bacias de evolução, construção e reforço de berços, ampliação na oferta de berços para contêineres (STS 10, por exemplo), acessos rodoviários e ferroviários, implantação de sistemas de gerenciamento e informação do tráfego aquaviário ( VTMIS ) etc.
Trata-se de ter um planejamento de longo prazo, executável e com orçamento público garantido e segurança jurídica para atração de investimentos privados. Acima de tudo, é necessário que esse planejamento transcenda o governo de plantão e se torne uma política de Estado. Não é possível que a cada troca de governo mude-se totalmente o foco, como observado nas últimas ocasiões. Sem entrar no mérito político, não é possível que na troca de governo se passe de um programa de desestatização radical para um programa de manutenção também radical do controle estatal dos portos. E isso tudo a cada quatro anos. Até que se refaçam os planos, promovam-se as audiências públicas, lancem-se os editais, submetam-nos ao TCU, façam-se as licitações, o tempo do governo de plantão terá terminado. E nada terá sido feito.
Conforme tratado no evento da Asia Shipping, no momento em que a sombra de um efetivo apagão logístico passa a ser visto no horizonte, é fundamental que todos os setores envolvidos no comércio exterior (importadores, exportadores, terminais, armadores, agentes de carga, agentes marítimos, despachantes etc.) se unam para sensibilizar as autoridades quanto à urgência dos portos passarem a ser tratados como algo essencial para o desenvolvimento socioeconômico do país ou estaremos fadados a atuar marginalmente no comercio exterior. Menos palavrório e mais ações efetivas e rápidas, para que possamos responder negativamente à pergunta que dá título a esse artigo.
Robert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence Specialists