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Artigo - Aspectos regulatórios da sobre-estadia de contêiner e o desenvolvimento de uma metodologia para determinar eventual abusividade

Artigo - Aspectos regulatórios da sobre-estadia de contêiner e o desenvolvimento de uma metodologia para determinar eventual abusividade
Marcel Stivaletti
O desfecho do tema 2.2 da Agenda Regulatória da ANTAQ induz importantes reflexões. Na 539ª Reunião Ordinária de Diretoria o voto tecido pela Ilustre diretora Flavia Takafashi “encerrou” tema que vinha permeando a agenda regulatória desde 2020. As aspas são epigrafadas para lembrar ao caro leitor que as contendas atinentes à cobrança pela utilização dos contêineres ainda vão pulsar na agência reguladora por um bom tempo.

Antes de perscrutar os principais pontos da decisão proferida pela nobre diretora (revisora in casu), cumpre lembrar que, desde a edição da RN18, a ANTAQ confere um olhar diferenciado à sobre-estadia de contêineres. É inconteste que só o fato de dedicar um capítulo num diploma específico denota que o tema ingressou (salutarmente) no radar da agência. Dali em diante — hoje pela Resolução nº 62/2021 —, os processos administrativos que se sucederam revelaram um claro amadurecimento no trato da questão, mormente para frear algumas abusividades praticadas pelos transportadores marítimos.


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Partindo-se dessa premissa — o esforço institucional para tratar da sobre-estadia de contêiner —, a decisão em comento não pode ter o condão de desestimular os usuários, quando expressa que “não ficou devidamente demonstrado com base em dados ou evidências a existência de uma falha de mercado decorrente da prática de preços abusivos na cobrança de sobre-estadia de contêineres que justifique a intervenção regulatória da ANTAQ”.

Em que pese o olhar da nobre diretora ter se voltado aos preços praticados — atendo-se somente ao quantum fixado (diária pelo uso do equipamento além do free time) —, pensamos que a análise deve ser conglobada com outros fatores presentes na dinâmica das relações de transporte iniciadas (exportação) ou terminadas (importação) no Brasil.

O comparativo com a realidade de outros países, por si só, não nos parece um caminho tão seguro, concessa venia:

“(...) A pesquisa exploratória de preços não permite afirmar taxativamente se os preços de sobre-estadia cobrados nos portos brasileiros são abusivos ou não, mas, diante das ressalvas metodológicas, vê-se que os preços de sobre-estadia pesquisados nos portos de Santos, Buenos Aires, Antuérpia, Roterdã, Cingapura e Xangai, apontam, de forma geral, para valores brasileiros em linha com os valores estrangeiros. (...)”

Seria absolutamente crível comparar a dinâmica do transporte nos (inúmeros) portos brasileiros com a realidade de Roterdã, por exemplo? Os gargalos logísticos e a própria burocracia estatal (desembaraço/fiscalização) impactarão muito mais por aqui do que noutras paragens. Ou seja, um tempo razoável de operação logística e desembaraço da carga perdurará mais no Brasil do que noutras praças internacionais. Assim, a postergação no uso do contêiner, inerente às dificuldades impostas ao transporte e decorrentes da própria burocracia, vão levar à elevação do tempo de estada da carga no contêiner.

A análise apenas com viés do preço também merece ressalvas, quando olhamos para práticas costumeiras desenvolvidas pelos armadores. Na demurrage se tornou conhecido o expediente de exigir o pagamento antecipado para, só assim, autorizar a devolução do cofre de carga. E, se o usuário não “anui” com o pagamento a fórceps, mais dias vão incidindo e o valor, claro, aumentando significativamente. Na detention, por sua vez, não é incomum o transportador cobrar por períodos aos quais o exportador não deu causa, imputando descabidamente a este um “risco inerente a sua atividade”, à revelia das disposições normativas da agência reguladora.

Ora, se por uma determinada direção a ANTAQ fecha o tema na Agenda Regulatória sob o argumento de que reclamações sobre preços não chegam em volume considerável, por outro, deve reconhecer que nas últimas pautas o tema “sobre-estadia” é recorrente, sendo inúmeras as decisões em sede cautelar afastando cobranças indevidas. Ainda que se propague que o valor da diária, em si, não é ainda discutido em sede administrativa a soma dos valores das diárias decorrentes de procrastinações causadas pelos próprios armadores é tamanha. Por consequência, inegável que os usuários que hoje se socorrem da ANTAQ estão, ainda que por via oblíqua, se insurgindo contra os preços abusivos derivados de práticas nefastas.

Nada obstante, os usuários devem seguir reportando eventuais abusos à ANTAQ, mormente com amparo no dever de transparência que acomete os transportadores marítimos, nos termos da Resolução nº 62/2021. Aliás, esse é o entendimento encampado pela própria diretora no processo em referência:

“(...) No entanto, abro agora um espaço para tratar a respeito da alternativa proposta pela setorial de Regulação relacionada à ampliação da transparência das informações de sobre-estadia de contêineres. (...) Contudo, entendo que a Agência ainda pode avançar mais no acompanhamento dessa temática, por meio da criação de um banco de dados pela Superintendência de Fiscalização acerca das demandas encaminhadas à ANTAQ, de modo a observar e entender como o mercado se comporta ao longo do tempo, fornecendo insumos para que a Agência possa reavaliar a questão mais adiante. (...)”

A transparência sugestionada na decisão é de todo salutar e deve ser comemorada pela plêiade de usuários. Entretanto, é importante que a ANTAQ observe que muitos dos usuários são reticentes em reportar denúncias, dado o receio de retaliações — infelizmente comumente praticadas por certos armadores. Por isso, de modo a evitar distorções no seu entendimento, a arguição(1) da revisora no sentido de que as reclamações endereçadas à ANTAQ não são representativas deve ser relativizada.

Em outras palavras, o número de denúncias levadas à seara administrativa não guarda simetria com as ilegalidades praticadas pelos transportadores. A experiência mostra que as ilegalidades sobejam as denúncias e, muitas vezes, abusividades flagrantes passam à margem do órgão regulador. No intenso dia-a-dia do transporte marítimo os usuários acabam arrefecendo o ímpeto pela clara situação de vulnerabilidade (em face do transportador) e pela necessidade premente de honrar suas obrigações contratuais.

A exemplo, e para reflexão do leitor que ultima as presentes linhas, o modus operandi do “pague para poder embarcar” ainda se faz presente na cena da exportação brasileira. Por (muitas) vezes, a “dívida” cobrada é bastante nebulosa e, ainda assim, o exportador se vê instado (ou melhor, coagido!) ao pagamento para poder efetuar o embarque da sua carga.

Não há outra conclusão, senão extrair da decisão em comento um convite para o usuário provocar cada mais a ANTAQ. A Agência, por seu turno, deve se imbuir do poder-dever de fiscalização, para a aplicação pedagógica das suas próprias disposições normativas, em especial a Resolução nº 62/2021.

(1) (...) Em que pese essa lista esteja limitada a um intervalo temporal específico, ela serve para demonstrar que as reclamações endereçadas à ANTAQ não são representativas quando se leva em consideração o alto volume de transações de comércio exterior que são efetuadas no Brasil todos os anos. (...)”

MarcelMarcel Stivaletti é sócio na Advocacia Ruy de Mello Miller (RMM)

 

 

 

 

 

 






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