O Cade, por SEIS vezes, reconheceu a ilegalidade da cobrança. Em recente acordão, o plenário do Tribunal de Contas da União se junta à decisão de declarar ilegal a THC2/SSE
Há mais de 20 anos, operadores portuários criaram uma espécie de pedágio para liberação aos recintos alfandegados de contêineres importados. Essa cobrança recebeu a alcunha de taxa “THC2” (Terminal Handling Charge 2) pelos recintos alfandegados, justamente por se tratar de um pagamento em duplicidade, relativo à movimentação das cargas, já incluído na tarifa denominada box rate paga pelo armador. Sem lastro regulatório ou previsão em lei ou contrato, o setor logo percebeu que a imposição da THC2 tinha objetivo claramente anticompetitivo. No Porto de Santos, os operadores pretendiam alijar do mercado os terminais retroportuários, encarecendo o custo e, por consequência, o preço de armazenagem de contêineres nos demais recintos alfandegados. Ao fazer dessa forma, aumentariam de forma irresponsável e em cascata o custo brasil, o preço de insumos e o preço final ao consumidor.
Ao longo destes mais de 20 anos, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), responsável pela regulamentação do setor, julgou ilegal a cobrança da THC2 (2003). Porém, em 2010 a Diretoria da Antaq, mesmo sob os holofotes de escândalos de favorecimentos de operadores portuários amplamente divulgados pela imprensa, resolveu enfrentar tanto a sua área técnica, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – que havia declarado ilegal a cobrança do THC2 em 2005 – na tentativa de “legitimar” tal cobrança, publicando a Resolução 2.389/2012.
Devido à tamanha confusão causada pela Resolução de 2012, a norma foi submetida à revisão. O resultado foi um processo cujo trâmite conteve estranhezas do início ao fim. Foram observados equívocos procedimentais, desconsideração de opiniões técnicas da própria Antaq, manifestações do mercado, do Cade e do Ministério da Economia, que tiveram suas observações simplesmente ignoradas. O produto dessa revisão, a Resolução Normativa Antaq 34/2019, autorizou a cobrança da THC2 sob a denominação de “Serviço de Segregação e Entrega (SSE)”, que passou, então, a ser questionada por ações judiciais e representações no Tribunal de Contas da União (TCU).
No âmbito do Cade, ao tomar conhecimento da Resolução, o órgão de DEFESA DOS DIREITOS ECONÔMICOS deixou claro que as competências da Antaq não se confundem com as suas. Foi nessa oportunidade que o presidente do Conselho esclareceu:
“a mera autorização regulatória não significa que a atividade desempenhada por uma empresa esteja em conformidade com a legislação pertinente. Para que isso ocorra, é imprescindível que haja a cumulação da: (i) autorização regulatória, caso cabível, e da (ii) autorização concorrencial’’.
Sobre este fato, os diretores da Antaq foram condenados ao pagamento de multa por deficiência contida em tal Resolução.
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O Cade vem mantendo seu entendimento quanto à ilegalidade da THC2/SSE pelos últimos 15 anos. Neste período, foram, ao menos, quatro composições distintas do Conselho que apontaram a ilegalidade da taxa do preço. Por seis vezes, o Cade, segundo votos expressos durante sessão de julgamento no Conselho, declarou que a prática representa riscos de danos irreversíveis ao mercado e infringe a lei da concorrência quanto “ao abuso de poder dominante, advinda da criação artificial da relação monopolística, entre o terminal e importador, e à limitação da livre iniciativa, causada pela discriminação de adquirentes no mercado de armazenagem”, como ressaltou o conselheiro Luiz Baidro. Assim como Baidro, outros conselheiros do Cade acompanharam o relator Maurício Bandeira Maia, reafirmando a ilegalidade da matéria.
Há ainda decisões técnicas de outros órgãos da administração contrárias à cobrança como, por exemplo, a Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE) do Ministério da Economia.
Na última semana, a maior reviravolta ocorreu com a decisão do TCU na qual o plenário, com a presença dos ministros Ana Arraes (presidente), Walton Alencar Rodrigues, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz, Bruno Dantas, Vital do Rêgo (relator) e Antonio Anastasia, além dos ministros-substitutos presentes André Luís de Carvalho e Weder de Oliveira, publicou o acórdão 1448/2022 em processo que tramita desde 2019, que, no mérito, considera procedente a denúncia do TC 015.453/2020-0, em face do desvio de finalidade do ato de expedição da resolução Antaq 72/2022, normativo que permite a cobrança da taxa de Serviço de Segregação e Entrega dos recintos alfandegários independentes pelos terminais portuários, praticado com um fim diverso do previsto no artigo 20, inciso II, alínea “b” e art. 27, inciso IV, da Lei 10.233/2001 e em afronta ao artigo 36, incisos I e IV da Lei 12.529/2011 e ao artigo 4º, inciso I, da Lei 13.847/2019. Em outras palavras, considerou ilegais todos os atos que permitem a cobrança do THC2/SSE e a própria cobrança em si.
A pacificação do assunto encontra-se nas mãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nas diversas ações propostas sobre o tema, que não poderá julgar diferentemente daquilo que o TCU, Cade, SEAE, a própria área técnica da Antaq e o mercado já declararam: a taxa THC2/SSE era ilegal quando foi criada, é ilegal agora e será sempre ilegal, enquanto produzir efeitos nefastos sobre o mercado concorrencial e aumentar o chamado CUSTO BRASIL.
*Bayard Umbuzeiro Neto é vice-presidente e CEO da Transbrasa, despachante aduaneiro e consultor em Comex