O Porto de Santos, maior complexo portuário do Brasil, está prestes a passar por uma transformação significativa com o lançamento da licitação para a concessão do seu canal de acesso. O projeto, que prevê investimentos de R$ 6,45 bilhões, visa ampliar a capacidade operacional e permitir a navegação de navios de maior porte, com calado de até 17 metros. Uma concessão semelhante, de caráter pioneiro, já está em andamento para o Canal de Paranaguá, no Paraná.
A legislação vigente estabelece as diretrizes para a exploração de portos e terminais, incluindo concessões de infraestrutura portuária na área do porto organizado. Prevê-se que a exploração indireta do porto e de suas instalações ocorra mediante concessão ou arrendamento de bem público, outorgados a pessoa jurídica que demonstre capacidade técnica e econômica para seu desempenho, por sua conta e risco.
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Tais concessões devem ter por objetivo expandir, modernizar e otimizar as infraestruturas portuárias, estimular a concorrência por meio da participação do setor privado e assegurar amplo acesso às instalações e às atividades do porto organizado.
A concessão deverá ocorrer por meio de licitação pública, observando os princípios da transparência e da igualdade de condições entre os participantes. Seguindo os moldes do projeto do Canal de Paranaguá, a concessão do Canal de Santos será precedida por consulta e audiência públicas, com o objetivo de definir parâmetros tarifários e metas de desempenho, incorporar demandas de armadores e terminais privados e evitar litígios futuros, como ações civis públicas por falhas na participação social. Tais mecanismos visam reforçar a transparência e garantir a contribuição de agentes econômicos e da sociedade civil.
Projetos de concessão portuária dessa magnitude enfrentam desafios relevantes, entre os quais se destacam a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro e a atração de investidores. Para garantir atratividade, o edital deverá prever receitas tarifárias, a serem pagas pelos usuários da infraestrutura, e receitas não tarifárias, além de cláusulas robustas de reequilíbrio contratual para mitigar riscos como variações cambiais, alterações regulatórias e outros fatores externos.
Diante do alto custo estimado do investimento (R$ 6,45 bilhões), espera-se que o edital exija garantias de execução, como seguro-garantia, a exemplo do que foi previsto na minuta do contrato de concessão do canal paranaense, disponível no site da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ).
A concessão do Canal de Santos insere-se em uma estratégia mais ampla de modernização da infraestrutura portuária brasileira, prevista nos artigos 3º e 53 da Lei dos Portos, que tratam do estímulo à competitividade, crescimento econômico e programa de dragagem nacional.
Entre os principais benefícios esperados com a concessão do Canal de Santos estão o aumento da capacidade operacional, a atração de investimentos privados e a melhoria da eficiência com redução de custos. A dragagem para 17 metros permitirá a atracação de navios do tipo New Panamax sem restrições, atualmente, embora alguns desses navios já acessem o Porto de Santos, há limitações impostas pelo calado.
A ampliação eliminará a necessidade de transbordo em portos estrangeiros e reduzirá significativamente os custos logísticos. Além disso, a concessão viabiliza a realização de obras que dificilmente seriam executadas apenas com recursos públicos, atraindo parcerias e aportes estratégicos do setor privado. Por fim, a gestão privada tende a gerar ganhos operacionais e maior eficiência, em conformidade com o artigo 3º da Lei nº 12.815/2013, que prioriza a modicidade tarifária e o aumento da competitividade no setor portuário.
O projeto de concessão do Canal de Santos representa um marco para a infraestrutura logística nacional. Trata-se do segundo modelo dessa natureza no país, o primeiro foi o de Paranaguá, e seu êxito dependerá de cuidados jurídicos e regulatórios. A observância da legislação vigente, a realização de consultas públicas e a aprovação pelo Tribunal de Contas da União (TCU) são etapas essenciais para garantir segurança jurídica e evitar impasses futuros.
Além disso, o projeto reforça o papel das concessões como instrumento eficaz para atrair investimentos e aumentar a competitividade portuária, aproximando o Brasil dos padrões internacionais de eficiência logística.
A concessão do Canal de Santos é vital para inserir o Brasil nas rotas globais de megaships. Sua concretização dependerá de um edital bem estruturado, da transparência nos processos e do diálogo contínuo com os diversos stakeholders. Um edital economicamente equilibrado, com cláusulas claras e garantias adequadas, será essencial para atrair players globais e assegurar retorno tanto para os investidores quanto para a sociedade.
Em síntese, o projeto simboliza a maturidade do marco legal portuário brasileiro, ao transformar desafios estruturais em oportunidades de competitividade internacional. A boa governança e a transparência serão fatores determinantes para definir se esse será um caso de sucesso ou mais um exemplo dos gargalos que historicamente travam o desenvolvimento logístico do país.
Mayra Mega Itaborahy é sócia do escritório Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados