Em concorrida audiência pública realizada em maio de 2022, o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão de controle externo do poder público brasileiro, trouxe ao debate os achados da auditoria operacional realizada na regulação dos serviços de praticagem. O trabalho contou com o reconhecimento quase unânime das instituições e organizações presentes ao evento, havendo poucas objeções levantadas à qualidade da fiscalização empreendida. Ação de tamanha abrangência e profundidade, atingindo interesses tão diversos e todos com seu grau de legitimidade, com certeza, não seria isenta de críticas, nem muito menos, perfeita. Mas parece haver sinalizado com adequada precisão a existência de um problema que constitui pedra de toque dos modelos econômicos mais eficientes da atualidade: a falta de uma instituição vocacionada para a regulação econômica e discussão dos preços praticados.
A praticagem tem-se tornado assunto de crescente importância no cenário econômico nacional, em especial a partir da recente edição da Lei 14.301/2022 (BR do Mar), e ganhou a atenção da entidade de fiscalização superior (EFS) do Brasil a partir de sua relação com o chamado “Custo Brasil” e da possível existência de um indevido monopólio econômico na prestação dos serviços de praticagem. O controle externo aliou à reconhecida excelência da regulação técnica, hoje a cargo da Autoridade Marítima, a discussão acerca da conveniência e da oportunidade de se estabelecer sobre a referida atividade, também, uma regulação de natureza econômica, ainda incipiente ou, na visão de alguns, simplesmente inexistente.
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Em conclusões ainda parciais, o TCU reconhece a qualidade dos serviços prestados pelos práticos do Brasil, em prol da segurança da navegação aquaviária, nas zonas de praticagem estabelecidas ao longo das Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB). Reconhece, também a excelência da regulação técnica, exercida pela DPC, como representante da Autoridade Marítima. Não houve qualquer questionamento do Tribunal ao componente técnico dos serviços prestados, mas as oportunidades de melhoria verificadas no tocante a uma inadequada ou inexistente regulação econômica se fizeram notar e, inquestionavelmente, dominaram o debate.
Iniciativas estatais voltadas para o estabelecimento de uma regulação econômica sobre o serviço de praticagem tratam da instituição de um modelo regulatório sob responsabilidade da Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq). Projeto de lei a esse respeito já tramita no Congresso Nacional e está no centro das atenções do trabalho de fiscalização do TCU. A iniciativa desperta posicionamentos favoráveis, bem como contrários à sobredita regulação.
Posicionamentos favoráveis à regulação econômica são endossados por órgãos governamentais como o Ministério da Infraestrutura (Minfra) e a própria Antaq, posicionando-se a Autoridade Marítima de forma neutra a esse respeito e limitando-se ao exercício da regulação técnica do serviço de praticagem. A iniciativa de regular a atividade econômica é francamente apoiada por representantes dos armadores, pelos proprietários de navios e pelas demais empresas do setor de navegação. Seus argumentos gravitam, de modo geral, ao redor da ideia de que há um indevido monopólio no exercício da atividade, alheio a qualquer regulação e prejudicial ao aspecto econômico envolvido, haja vista a resultante elevação do chamado “Custo Brasil”.
Posicionamentos contrários à regulação econômica, por sua vez, são trazidos à discussão, entre outras entidades, pelo Conselho Nacional de Praticagem (Conapra). Seus argumentos abrangem desde a discussão sobre a natureza econômica da atividade, a qual seria essencialmente privada, não justificando a intervenção do poder público, até a discussão de suas especificidades técnicas. Em geral, no entendimento dessas entidades, o modelo vigente não necessitaria ser alterado. A objeção ao estabelecimento de uma regulação econômica do serviço de praticagem contou com o amplo respaldo da categoria profissional dos práticos e, também, com a manifestação do advogado Osvaldo Agripino de Castro Junior, especialista em assuntos marítimos.
Presentes à audiência uma dúzia de instituições e organizações, devidamente representadas por seus dirigentes ou prepostos, todas tiveram a oportunidade de agregar valor ao processo de fiscalização do TCU, ainda em andamento. A Autoridade Marítima, exercida pelo Comando da Marinha e na ocasião representada pela Diretoria de Portos e Costas (DPC), na condição de reguladora do serviço de praticagem, foi a primeira a se manifestar, sendo seguida das demais, o que permitiu a reunião de importantes argumentos para refinar as conclusões expressas pela equipe da fiscalização, relatada pelo Ministro Bruno Dantas.
A DPC, representada por seu diretor Vice-Almirante Sérgio Renato Berna Salgueirinho, manifestou-se de forma coerente com a histórica postura da Autoridade Marítima de limitar-se aos assuntos de sua estrita competência. Sustentou que a responsabilidade atinente à Marinha do Brasil é no sentido de garantir a segurança da navegação aquaviária, promover a salvaguarda da vida humana e prevenir a poluição ambiental hídrica. Confirmou seu entendimento de que a Escala de Rodízio Única do Serviço de Praticagem (ERU) é o instrumento utilizado pela Autoridade Marítima para cumprir com suas atribuições, não adentrando a discussão acerca de sua adoção representar ou não a formação de um monopólio na prestação do serviço de praticagem. Ressaltou a excelência da regulação técnica exercida pela DPC, o que foi reconhecido pelo TCU e por todos os presentes, e afastou-se de qualquer discussão sobre a regulação econômica.
A Autoridade Portuária de Santos, na esteira da postura adotada pela Autoridade Marítima, também se limitou a discutir os termos de sua estrita competência, não se imiscuindo na questão relativa à regulação econômica do serviço de praticagem. Apesar da discordância do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave) acerca de sua capacidade organizacional, a Santos Port Authority afirmou ter plenas condições para ser a única responsável pela gestão do canal de navegação do Porto de Santos (SP). Diferentemente do que ocorre no porto de Vitória (ES) em que já se encontra implantado um Sistema de Gerenciamento e Informação do Tráfego de Embarcações (VTMIS), Vessel Traffic Management Information System, já havendo um outro em processo de implantação no porto do Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP) contaria hoje, apenas com o Serviço Portuário Local (LPS), Local Port Service, operado pela praticagem. Entretanto, haveria o objetivo de se chegar ao VTMIS, com previsão de projeto básico para outubro de 2022. O sistema LPS, no entendimento da Santos Port Authority, proveria, atualmente, uma navegação segura a um custo apropriado. Seriam equilibradas as relações com os práticos do porto de Santos (SP) e não haveria qualquer competência relativa aos preços dos serviços de praticagem. Além disso, as normas da Santos Port Authority estariam todas dispostas na web, assim configurando total transparência quanto às regras aplicáveis.
Os representantes do Minfra e da Antaq, na condição de órgão e entidade do poder público, manifestaram-se favoravelmente à regulação econômica do serviço de praticagem. De acordo com seu ponto de vista, a Lei 12.815/2013, quando do rearranjo institucional da agência reguladora, já teria fixado para a Antaq o desafio institucional de expandir a atividade portuária por meio da privatização e do incentivo à participação do setor privado, com seus investimentos. Como manifestado na audiência, a entidade estaria plenamente apta a assumir a responsabilidade da regulação econômica do serviço de praticagem, regulação esta que teria a vantagem de criar um árbitro institucional para as discussões relativas aos preços dos serviços de praticagem, com isso trazendo maior estabilidade ao mercado.
Entre os principais argumentos apresentados pelas entidades favoráveis à regulação econômica do serviço de praticagem está, justamente, a adoção irrestrita da ERU. De acordo com armadores e empresas ligadas ao setor da navegação, a ERU criaria um monopólio injustificado na prestação dos serviços de praticagem, afetando de maneira fortemente negativa a livre negociação na contratação e na formação de preços para a aquisição desses serviços. Os usuários dos serviços de praticagem convergem quanto à noção de que a escala única pode ser válida no que se refere à segurança da navegação aquaviária, mas é prejudicial ao componente econômico envolvido.
Os defensores da regulação econômica do serviço de praticagem enfatizam reiteradamente a falta de um árbitro qualificado para a questão econômica. Destacam que, em que pese a existência de acordos regionais celebrados entre entidades de praticagem e usuários do serviço, casos há em que não se chega a um acordo nas negociações de preços, o que facilitaria às entidades de praticagem a imposição de valores alheios a uma melhor discussão. Sustentam, ainda, que a eventual atuação da Autoridade Marítima na fixação de preços, como preconizado na Lei 9.537/1997, a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (Lesta), tem caráter apenas excepcional, para evitar a paralisação do serviço, não se constituindo como uma efetiva regulação. Entendem, enfim, que a ERU não pode continuar a ser desconectada de uma regulação econômica da prestação do serviço de praticagem, devendo ser substancialmente reformulada.
Armadores e empresas ligadas ao setor de navegação defendem que, hoje, os preços dos serviços de praticagem não são objeto de uma negociação contratual equilibrada, mas impostos pelas entidades de praticagem, tornando o setor de navegação refém dessas entidades. No entendimento dos usuários, os preços dos serviços de praticagem impactariam sim o custo logístico e a competitividade dos produtos brasileiros, afetando como um todo o “Custo Brasil”. Além disso, destacam a importância de se relacionar os preços dos serviços de praticagem nos portos brasileiros com os preços dos mesmos serviços em portos no exterior. Os preços médios da praticagem no Brasil, afirmam os usuários, seriam maiores que os preços correspondentes na Europa, na América do Norte e no Caribe. Esses preços médios mais elevados nos portos brasileiros seriam o resultado, entre outros motivos, do indevido monopólio na prestação dos serviços.
A negociação dos preços de praticagem, nesse sentido, não se daria em condições de igualdade entre os prestadores, representados pelas entidades de praticagem, e os tomadores do serviço. Os defensores da regulação econômica do serviço de praticagem no Brasil sustentam que a celebração de acordos regionais deveria sobrepor-se ao cumprimento da ERU. Além disso, pugnam pela necessidade, senão de uma regulação econômica ex ante do serviço de praticagem, pelo menos de um árbitro que possa dar solução aos conflitos surgidos na negociação dos preços entre as entidades de praticagem e os usuários dos serviços.
De acordo com os armadores e representantes das empresas que atuam no setor de navegação, os preços dos serviços de praticagem teriam sido reiteradas vezes reajustados em índices muito superiores aos da inflação, com isso afetando significativamente o “Custo Brasil”. Na região amazônica, por exemplo, seriam extremamente elevados, cerca de 10 a 15 reais por tonelada. Entendem, ainda, que seria possível a implementação da praticagem facultativa em muitos trechos da Amazônia, dispensando a contratação obrigatória dos serviços e contribuindo para a redução de custos na cadeia logística.
Além da criação de um indevido monopólio a partir da implementação da ERU e da falta de um regulador econômico dos serviços de praticagem, faz-se referência à falta de implementação da habilitação de comandantes de navios para atuarem como práticos. A habilitação de comandantes, conhecida como PEC, Pilot Exemption Certificate, é expressamente prevista nas Normas da Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem (Normam 12). O comandante portador de um PEC está autorizado a operar como prático de seu próprio navio em determinadas circunstâncias, o que poderia contribuir para a redução das despesas incorridas pelas empresas de navegação com a contratação de serviços de praticagem. As empresas pleiteiam a ampliação da concessão de PEC aos comandantes dos navios como forma de reduzir os custos referentes aos serviços de praticagem.
Por outro lado, contrárias ao estabelecimento de uma regulação econômica do serviço de praticagem, as entidades de praticagem do Brasil, e, em especial, o Conselho Nacional de Praticagem (Conapra) e a Federação Nacional dos Práticos (Fenapráticos), na condição de associações representativas de abrangência nacional, concentram argumentos nas questões relativas à elevada qualidade dos serviços atualmente prestados, à existência de uma cultura de aceitação de riscos no Brasil e à alegada modicidade dos preços praticados pela praticagem no Brasil.
No que se refere à qualidade dos serviços de praticagem no Brasil, o Conapra, assim como a Fenapráticos, busca apoio no reconhecimento de sua excelência. O próprio TCU não apresentou questionamento a essa qualidade ao longo de sua auditoria, o que reforçou muito, para aqueles contrários à regulação econômica, a ideia de que não se deveria modificar o que estaria funcionando adequadamente. De fato, verifica-se que a praticagem do Brasil, em seus serviços, tem atendido satisfatoriamente aos padrões nacionais e internacionais, em especial àqueles definidos pela Organização Marítima Internacional (IMO), a partir da Resolução IMO A 960(23), quais sejam: a) sinistralidade mínima; b) independência funcional do prático; c) número limitado de práticos; d) experiência recente do prático; e) divisão equânime da carga de trabalho entre práticos; e f) preservação do meio ambiente. Os práticos, por meio de suas entidades representativas, entendem que é justamente o modelo atual que provê condições para essa elevada qualidade nos serviços prestados, em especial no que diz respeito à manutenção e ao rigoroso cumprimento da ERU, na forma hoje regulada pela Autoridade Marítima.
Conapra e Fenapráticos associam essa excelência na prestação do serviço de praticagem à inexistência de uma regulação econômica. Buscando suporte na ideia de que o bom funcionamento da praticagem no Brasil depende da manutenção do status quo, rejeitam a ideia de que o monopólio na prestação do serviço seja indevido, bem como negam a noção de que os preços sejam impostos pelas entidades de praticagem, sem uma negociação equilibrada. Em sua percepção, não há um monopólio indevido, mas, tão-somente, a exigência de que o serviço seja prestado por profissionais específicos, devidamente habilitados e certificados, de acordo com o preconizado internacionalmente pelas normas da IMO e consagrado pela prática mundial. Para os práticos, os contratos celebrados entre as entidades de praticagem e os tomadores dos serviços têm definido adequadamente os preços, sendo desnecessária a regulação econômica pela Antaq ou por outra instituição. No seu entendimento, apenas nos casos em que os prestadores e os tomadores dos serviços de praticagem não conseguissem chegar a um acordo, uma intervenção estatal pontual poderia ser justificada, mas não uma regulação ampla dos aspectos econômicos da atividade.
Em suporte à ideia de que não há um monopólio indevido, as entidades representativas dos práticos alegam que no Brasil já existe uma cultura de maior aceitação de riscos na navegação do que em outros países. Essa cultura de maior aceitação de riscos seria materializada pela existência de zonas de praticagem facultativas, pela dispensa de praticagem deferida a diferentes tipos de embarcações e pela já referida possibilidade de habilitação de comandantes para atuarem como práticos, conhecida como PEC, tudo previsto na Normam 12. Entendem que essa cultura de maior aceitação de riscos se associa ao alegado monopólio da prestação dos serviços nos casos em que são obrigatórios para fazer com que essa obrigatoriedade seja coerente, equilibrada e justificada, em prol da segurança da navegação, da salvaguarda da vida humana e da proteção do meio ambiente.
A Fenapráticos, durante a audiência pública promovida pelo TCU, afirmou não haver, em outros países, separação entre regulação técnica e regulação econômica do serviço de praticagem. Sustenta a entidade que o modelo cuja implementação é discutida, em que a regulação técnica, hoje exercida pela Autoridade Marítima, seria separada da regulação econômica, a ser exercida pela Antaq, colocaria o Brasil em uma posição singular e sem paralelo no mundo. Além disso, a Fenapráticos entende que a Autoridade Marítima, na prática, já regularia todos os aspectos da prestação do serviço de praticagem, inclusive o econômico, haja vista a possibilidade de interferir no processo de formação de preços e fixá-los, em circunstâncias excepcionais, nos termos da Lesta. Nesse sentido, a regulação econômica por uma outra entidade pública sequer seria necessária, já havendo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), expressamente, reconhecido a natureza privada do serviço de praticagem, bem como que a intervenção do Estado no aspecto econômico somente se justificaria como exceção à regra da livre negociação de preços.
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ATIVIDADE DE PRATICAGEM. LIMITES DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA. FIXAÇÃO DE PREÇOS MÁXIMOS PELA AUTORIDADE MARÍTIMA. 1. Cinge-se a questão à possibilidade de intervenção da autoridade pública na atividade de praticagem, para promover, de forma ordinária e permanente, a fixação dos preços máximos a serem pagos na contratação dos serviços em cada zona portuária. 2. Tomando de empréstimo a precisa definição entabulada pela eminente Ministra Eliana Calmon no julgamento do REsp 752.175/RJ, observa-se que o exercício do trabalho de praticagem é regulamentado pela Lei n. 9.537/1997, que, em seu art. 3º, outorga à autoridade marítima a sua implantação e execução, com vista a assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e nas hidrovias, justificando, dessa forma, a intervenção estatal em todas as atividades que digam respeito à navegação. 3. Denota-se, da própria letra dos arts. 12, 13, 14, e 15 da Lei n. 9.537/1997, que se trata de serviço de natureza privada, confiada a particular que preencher os requisitos estabelecidos pela autoridade pública para sua seleção e habilitação, e entregue à livre iniciativa e concorrência. 4. A partir do advento da Lei n. 9.537/1997, foi editado o Decreto n. 2.596/1998, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e regulamenta a questão dos preços dos serviços de praticagem, salientando a livre concorrência para a sua formação, bem como o caráter excepcional da intervenção da autoridade marítima para os casos em que ameaçada a continuidade do serviço. 5. Posteriormente, editou-se o Decreto n. 7.860/2012, que criou nova hipótese de intervenção da autoridade pública na formação dos preços dos serviços, agora de forma permanente e ordinária. 6. A interpretação sistemática dos dispositivos da Lei n. 9.537/1997, consoante entendimento desta relatoria, só pode conduzir à conclusão de que, apenas na excepcionalidade, é dada à autoridade marítima a interferência na fixação dos preços dos serviços de praticagem, para que não se cesse ou interrompa o regular andamento das atividades, como bem definiu a lei. 7. A doutrina e a jurisprudência são uníssonas no sentido de que a interferência do Estado na formação do preço somente pode ser admitida em situações excepcionais de total desordem de um setor de mercado e por prazo limitado, sob o risco de macular o modelo concebido pela CF/1988, com exceção dos casos em que a própria Carta Constitucional instituiu o regime de exploração por monopólio público. 8. É inconcebível, no modelo constitucional brasileiro, a intervenção do Estado no controle de preços de forma permanente, como política pública ordinária, em atividade manifestamente entregue à livre iniciativa e concorrência, ainda que definida como essencial. 9. O limite de um decreto regulamentar é dar efetividade ou aplicabilidade a uma norma já existente, não lhe sendo possível a ampliação ou restrição de conteúdo, sob pena de ofensa à ordem constitucional. 10. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 1701900 RJ 2017/0256529-6, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 21/06/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/06/2018 RSTJ vol. 251 p. 291). Grifamos. (STJ, 2018)
Conapra e Fenapráticos alegam a modicidade dos preços de praticagem e o seu não-impacto no chamado “Custo Brasil”. No seu entendimento, os preços da praticagem no Brasil seriam módicos e acompanhariam o benchmarking internacional. Nesse sentido, estudo desenvolvido pela Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina (FEESC) confirmaria ser mínimo o impacto dos preços da praticagem ao longo da cadeia logística, constituindo apenas 0.22% dos preços finais praticados, mesmo contando o Brasil com preços de praticagem mais elevados na região amazônica, onde se localiza a zona de praticagem 01 (ZP-01), a maior zona de praticagem do mundo. Alegam as entidades representativas que os preços de praticagem não teriam qualquer impacto no “Custo Brasil” em razão de sua notória modicidade. Além disso, referindo-se às palavras do ex-diretor presidente da Antaq Mário Povia, afirmam não haver qualquer garantia que uma eventual redução dos custos de praticagem resulte em redução dos custos de frete, sendo grande a possibilidade de apenas venha a representar maiores lucros para as empresas do setor de navegação. O advogado Osvaldo Agripino de Castro Junior, a esse respeito, relembrou o risco das externalidades negativas que podem advir para o mercado marítimo como um todo, a partir do estabelecimento de uma regulação econômica dos preços dos serviços de praticagem.
As entidades representativas do serviço de praticagem remetem, por fim, a um alegado caráter monopolista do transporte marítimo, assunto que teria passado alheio à discussão dos preços praticados no setor. O transporte marítimo teria um caráter verticalizado e inflexível, sem que a Antaq houvesse demonstrado capacidade institucional efetiva para reagir a essa distorção, tendo focado sua atenção, tão-somente na prestação dos serviços de praticagem, cujo impacto econômico na cadeia logística seria muito menor. Afinal, alegam o Conapra e a Fenapráticos, os fretes marítimos haveriam tido seus preços reajustados em cerca de 800%, sem qualquer discussão institucional sobre esse notável incremento.
Tem-se, portanto, no âmbito da EFS do Brasil, uma intensa discussão acerca da regulação do serviço de praticagem nos portos brasileiros. O órgão de controle externo, de forma coerente com a sua vocação democrática e com a esperada imparcialidade processual, procura ouvir e compreender os argumentos das diferentes partes envolvidas, inclusive tornando públicas as discussões, a fim de se posicionar da forma mais adequada possível. No centro da discussão, surge o tema relativo ao possível estabelecimento de uma regulação econômica do serviço de praticagem, a ser exercida pela Antaq, lado a lado com a regulação técnica, já exercida pela Autoridade Marítima. Argumentos favoráveis e contrários a essa regulação econômica se somam para fazer ver a complexidade do assunto, bem como a sua relevância para a qualidade e a eficiência do setor marítimo. O que está por vir pode ser decisivo para o mercado marítimo brasileiro.
Referências bibliográficas
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STJ. Superior Tribunal de Justiça. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL: AgInt no REsp 1701900 RJ 2017/0256529-6. Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 21/06/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/06/2018 RSTJ vol. 251 p. 291. Brasília: STJ, 2018.
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Carlos Wellington Leite de Almeida é auditor federal do Tribunal de Contas da União (TCU), diplomado da Escola Superior de Guerra (ESG), doutor em Administração pela Universidad de la Empresa (UDE-Uruguai) e doutorando em Estudos Marítimos na Escola de Guerra Naval (EGN). E-mail: carlosla@tcu.gov.br