O tratamento de campos maduros é um dos grandes desafios da indústria do petróleo e gás natural no Brasil atualmente, envolvendo decisões que perpassam pela gestão e aplicação de novos investimentos para maximização da extração de recursos, ampliando o fator de recuperação do campo, a cessão ou venda de direitos para outras operadoras ou o descomissionamento das instalações.
É essencial levar em consideração que as atividades de descomissionamento (ou abandono e desativação, como era antes conhecido) envolvem inerentes riscos econômicos e financeiros, na medida em que ocorrem, majoritariamente, ao final da vida produtiva do campo, quando os níveis de produção não são suficientes para sustentar os custos da operação. Assim, inúmeras são as incertezas em relação à disponibilidade de fundos para a sua efetivação, posto que tais atividades requerem vultuosos gastos.
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Consequentemente, torna-se necessária a apresentação de garantias prévias ao início da fase de exploração e produção, evitando, assim, a incapacidade financeira para o cumprimento das obrigações contratuais relativas ao descomissionamento das áreas contratadas, de acordo com a legislação aplicável e minimizando os possíveis impactos e danos socioambientais decorrentes.
Cumpre destacar que os Contratos para Exploração, Desenvolvimento e Produção celebrados com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (“ANP”) já previam, em sua maioria, a apresentação de garantias para desativação e abandono de campos. Contudo, no momento atual, o tema ganha especial relevância diante da proximidade do vencimento dos contratos de E&P da Rodada Zero, que não estabelecem a obrigação de apresentar tais garantias.
Torna-se fundamental a implementação de um regulamento claro e objetivo, assegurando previsibilidade no que tange ao momento de apresentação das garantias e segurança jurídica acerca dos critérios para a sua aceitação e execução pela ANP.
Neste contexto, entrou em vigor no dia 01 de novembro de 2021 a Resolução ANP nº 854, de 27 de setembro de 2021, publicada em 29 de setembro de 2021, como resultado dos estudos realizados por grupo de trabalho e dos diálogos com os diversos players da indústria. A Resolução regulamenta os procedimentos para apresentação de garantias que assegurem os recursos financeiros para o descomissionamento de instalações de produção em campos de petróleo e gás natural.
Entre as modalidades de garantias financeiras aceitas pela ANP, conforme determina a Resolução, estão: (i) a carta de crédito; (ii) o seguro garantia; (iii) o penhor de petróleo e gás natural; (iv) a garantia corporativa; e (v) o fundo de provisionamento.
As três primeiras modalidades já eram adotadas para assegurar o Programa Exploratório Mínimo (PEM), mas foram convertidas em garantias pecuniárias buscando liquidez para custeio das atividades de descomissionamento. Por sua vez, o fundo de provisionamento, o qual está previsto em alguns contratos, permite depósito em conta controlada aberta em instituição bancária autorizada a operar no país.
Um dos aspectos mais desafiadores é a definição do valor total a ser garantido para o descomissionamento das instalações, considerando-se que a estimativa deve ser fornecida no início do contrato e, quanto mais distante da efetiva realização de tais atividades, maior será a incerteza com relação ao valor estimado.
Por essa razão, estabeleceu-se a atualização anual do valor total garantido por meio do Modelo de Aporte Progressivo - MAP, principal inovação da Resolução, tendo como base os valores de reserva e o custo total do descomissionamento. Na posição de um dos principais pilares deste regulamento, o MAP dilui os custos de descomissionamento ao longo da vida útil do contrato, de forma que os depósitos são aumentados exponencialmente na medida em que o final do contrato se aproxima. Por outro lado, tendo em vista que o MAP permite o acompanhamento de novas tecnologias e metodologias na condução das atividades de descomissionamento, espera-se que o seu emprego provoque uma redução de custos para tal finalidade de forma segura e assertiva, aumentando a capacidade de investimento e, consequentemente, a capacidade de vida útil do campo.
Insta ressaltar que a apresentação das garantias não desobriga o concessionário de realizar, por sua conta e risco, todas as atividades necessárias para a desativação do campo. Todavia, a norma não prevê a possibilidade de acesso aos recursos financeiros garantidos previamente à condução de tais atividades, uma vez que a devolução das garantias apenas ocorrerá após a aprovação do Relatório Final de Descomissionamento de Instalações.
Logo, o resgate da garantia é um aspecto controverso especialmente quando a mesma é constituída na forma de fundo de provisionamento, visto que a empresa será duplamente onerada ao retirar de seu próprio caixa os valores para custeio das atividades de descomissionamento, mesmo após ter depositado os valores necessários para tanto. Embora seja prevista a possibilidade de saque, liberação ou transferência do fundo, é incerto se o início das atividades de descomissionamento seria suficiente para condicionar o resgate.
Outro ponto de controvérsia é a imposição da ANP como única beneficiária da garantia financeira, impedindo múltiplos beneficiários, o que pode gerar onerosidade excessiva para as contratadas, em virtude da duplicidade de garantias em especial quando as contratas forem consorciadas.
Por sua vez, a norma inova ao permitir a apresentação da garantia corporativa, através da qual uma empresa do mesmo grupo econômico da contratada garante o custeio das atividades de descomissionamento por ela assumidas com base em sua capacidade de solvência financeira.
Além disso, a ANP pode admitir que a própria contratada assegure os recursos financeiros para o cumprimento da obrigação de descomissionamento, mediante assinatura de termo com atributo de título executivo extrajudicial, desde que atendidos os critérios estabelecidos pela Resolução. Embora o termo seja trazido como uma alternativa às garantias financeiras, a norma prevê restrições substanciais que podem impedir o cumprimento por pequenos e médias operadoras, como limitação do patrimônio líquido, exigência de rating de crédito e balizamento por meio de reservas do campo.
Importante destacar que o tratamento que será dado em caso de cessão contratual também foi tratado pela Resolução, visto que o concessionário ou contratado tem assegurado o direito de ceder total ou parcialmente os direitos provenientes dos contratos de concessão e partilha de produção. A aprovação da garantia apresentada pela cessionária será condicionante à assinatura do termo aditivo da cessão, devendo ser mantidas até o início de vigência deste instrumento. Somente após esta data a ANP iniciará o processo de devolução das garantias fornecidas pela cedente, encerrando as suas obrigações relativas às garantias para o descomissionamento.
Portanto, a Resolução tem a finalidade de atribuir maior segurança à União e às contratadas, bem como resguardar o meio ambiente de eventuais danos decorrentes do descomissionamento. Diante do expressivo número de campos maduros no país, o Brasil tem grande potencial para desenvolver este novo mercado e se tornar um dos maiores líderes do mundo em volume de investimentos em descomissionamento. De acordo com as previsões da ANP, espera-se que até 2025 o investimento total em descomissionamento chegue a R$ 28 bilhões.
Neste cenário, as discussões e iniciativas com o intuito de aprimorar a regulação sobre o assunto são de fundamental importância para que o tema se consolide, esclarecendo e suprindo as lacunas existentes e garantindo maior segurança jurídica para que o país se torne cada vez mais um ambiente favorável e estável para receber os investimentos esperados.
Fernanda Martinez Campos Cotecchia, Beatriz Rossi Mendonça Costa e Carolina do Rêgo Lopes Fonseca são advogadas do Kincaid Mendes Vianna advogados