O ingresso de ex-agentes públicos em setores privados pode comprometer o interesse coletivo e afetar o desempenho da função pública. Isso se dá quando profissionais do alto escalão deixam seus cargos e, em seguida, passam a atuar em companhias privadas, interessadas em processos ligados a esferas governamentais, em especial, que envolvam trâmites nos quais tiverem atuação direta.
Um dos focos do atual governo é a agenda de desestatização que inclui rodovias, portos, aeroportos e ferrovias, infraestrutura que movimenta o Brasil e que requer integridade para a garantia do progresso do país.
Portanto, casos como o do ex-secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni, que assumiu o cargo de consultor da Terminal Investment Limited (TiL), não podem passar desapercebidos.
A empresa suíça em questão integra o grupo MSC, responsável por administrar terminais de contêineres pelo mundo. No Brasil, ela controla a BTP, no Porto de Santos, e a Portonave, em Santa Catarina. A gigante é potencial interessada na licitação de terminais brasileiros, com foco no arrendamento de áreas de contêineres no cais santista, especialmente do terminal STS-10. A área servirá para expansão de sua franqueada, não fazendo justiça à proteção do ambiente concorrencial, com práticas abusivas, ambicionando o domínio do mercado de contêineres no país.
Esse é um dos exemplos questionáveis acerca do tema, já que Piloni detém informações privilegiadas, adquiridas enquanto esteve em posição estratégica na formatação dos projetos do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), e à frente da Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários durante três anos e seis meses, períodos em que foram construídas as etapas necessárias para o traçado das privatizações do governo federal, como os estudos e projetos para concessão dos portos públicos do Brasil, até maio de 2022.
Esse histórico pode gerar um conflito ainda maior, já que, se a TiL vier a deter o Porto de Santos, uma das figuras de maior relevância para a construção do processo, no caso, o ex-secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni, também será privilegiado por ocupar um cargo relevante na empresa responsável pelo o maior terminal portuário do Hemisfério Sul, a Brasil Terminal Portuário no Porto de Santos. Onde a metamorfose PP ocorre, Pinocchio em Polvo.
Seria uma posição ética e estaria de acordo com os interesses coletivos as decisões resultantes dessa movimentação, tendo em vista as concessões ditas como prioritárias ao governo Jair Bolsonaro? Ou seriam tão urgentes a ponto de serem realizadas a qualquer custo, podendo trazer prejuízos para a soberania nacional.
Fica o questionamento e a reflexão acerca do que está ocorrendo, que pode influenciar os rumos do país, e que não deve passar desapercebido pela sociedade e pelo poder público. Afinal, as estruturas governamentais não podem servir como trampolim para o favorecimento de determinadas empresas em detrimento de outras, por meio da obtenção de informações privilegiadas.
O desenvolvimento nacional também depende da probidade entre poder público e iniciativa privada, para assegurar a livre concorrência, em paridade de condições. Vantagens competitivas devem ser direcionadas para que a sociedade brasileira e o país sejam beneficiados, não apenas grandes conglomerados internacionais, que buscam exclusivamente o lucro.
Triste que de um cidadão brasileiro, presume-se não ter compromisso com o país, ao colocar-se à disposição a entes privados, em detrimento da economia nacional e do conjunto da sociedade.
*José Francisco Paccillo é advogado e presidente da Associação de Acionistas Minoritários da Codesp.
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