É consabido que os processos administrativos, em especial os de natureza não tributária, demoram muito para serem julgados pela Receita Federal, permanecendo parados, aguardando algum impulso ou mesmo o julgamento da impugnação administrativa apresentada, por anos. Um exemplo clássico disso são os processos nos quais se discute a aplicabilidade/exigibilidade da multa do Siscarga – multa aplicada pela prestação de informações, a respeito da chegada das cargas de importação nos portos brasileiros, a destempo pelo agente de carga ou transportador.
O que, contudo, as pessoas não sabem é que essa demora toda pode ser muito favorável ao administrado. É que se o processo permanecer parado por mais de 3 anos consecutivos – sem qualquer impulso pela Receita – incide a prescrição intercorrente, implicando a extinção do processo e arquivamento definitivo, sem que qualquer valor seja pago.
PUBLICIDADE
Diante dessa possibilidade, muitos fiscais têm invocado a Súmula 11 do CARF para afastar a prescrição intercorrente, sob o argumento de que a impugnação suspende a exigibilidade e, por consequência, impede o início do prazo prescricional para sua cobrança. Ocorre que o entendimento consolidado nos Tribunais felizmente tem sido no sentido de que descabe falar em prescrição intercorrente nos processos administrativos fiscais, de natureza tributária, sendo aplicável, contudo, nos processos de natureza administrativa. Multas aduaneiras, como as do SISCARGA, portanto, se submetem a esse prazo prescricional. Tal conclusão ganha força ante a decisão recente proferida pelo STJ, no REsp 1999532, que pacificou o entendimento nesse sentido, confira-se:
Processual civil. Aduaneiro e tributário. Recurso especial. Alegação genérica de ofensa aos art. 489, § 1º, IV, e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015. Deficiência de fundamentação. Incidência, por analogia, da Súmula N. 284/STF. arts. 37 do Decreto-Lei n. 37/1966 e 37 da instrução Normativa SRF n. 28/1994. Natureza jurídica do dever de prestar informações sobre mercadorias embarcadas ao exterior por empresas de transporte internacional. Obrigação que não detém índole tributária. Exegese do art. 113, § 2º, do Código Tributário Nacional. Aplicabilidade da prescriçãointercorrente ao processo administrativo de apuração da penalidade prevista no art. 107, IV, e, do Decreto-Lei N. 37/1996. Inteligência do art. 1º, § 1º, da Lei N. 9.873/1999. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 9.3.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II – Revela-se deficiente a fundamentação quando a arguição de ofensa aos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022 do CPC/2015 é genérica, sem demonstração efetiva da suscitada contrariedade, aplicando-se, por analogia, o entendimento da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal. III – Não obstante o cumprimento de exigências pelos exportadores e transportadores durante o despacho aduaneiro tenha por finalidade verificar o atendimento às normas relativas ao comércio exterior – detendo, portanto, cariz eminentemente administrativo –, a observância de parte dessas regras facilita, de maneira mediata, a fiscalização do recolhimento dos tributos, razão pela qual o exame do escopo das obrigações fixadas pela legislação consiste em elemento essencial para esquadrinhar sua natureza jurídica. IV – Deflui do § 2º do art. 113 do Código Tributário Nacional que a obrigação acessória decorre da legislação tributária, reservando, desse modo, o caráter fiscal às normas imediatamente instituídas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos e afastando, por conseguinte, a atribuição de semelhante qualificação a regras cuja incidência, apenas a título reflexo, atinjam as finalidades previstas no dispositivo em exame. V – O dever de registrar informações a respeito das mercadorias embarcadas no SISCOMEX, atribuído às empresas de transporte internacional pelos arts. 37 do Decreto-Lei n. 37/1966 e 37 da Instrução Normativa SRF nº 28/1994, não possui perfil tributário, porquanto, a par de posterior ao desembaraço aduaneiro, a confirmação do recolhimento do Imposto de Exportação antecede a autorização de embarque, razão pela qual a penalidade prevista no art. 107, IV, e, do Decreto-Lei n. 37/1966, decorrente de seu descumprimento, não guarda relação imediata com a fiscalização ou a arrecadação de tributos incidentes na operação de exportação, mas, sim, com o controle da saída de bens econômicos do território nacional. VI – As Turmas integrantes da 1ª Seção desta Corte firmaram orientação segundo a qual incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações de índole não tributária por mais de 03 (três) anos e ausente a prática de atos de impulsionamento do procedimento punitivo. Precedentes. VII – Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido. (STJ, REsp n. 1999532-RJ, Primeira Turma, Ministra Relatora Regina Helena Costa, Julg. 09.05.2023).
Apesar da possibilidade de reconhecimento de ofício pelo julgador, nos processos administrativos, a rigor, será necessário um pedido específico pelo administrado nesse sentido, quando não, recorrer à via judicial, para ter a prescrição reconhecida e o processo arquivado em definitivo, sem que haja a imposição de qualquer outra sanção administrativa.
Letícia Martins de França é advogada do departamento Contencioso e Arbitragem, Direito Imobiliário da Andersen Ballão Advocacia