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Artigo - O cabimento da arbitragem marítima no contexto da sobre-estadia de contêineres

Uma interpretação à luz da flexibilização do princípio do pacta sunt servanda

O presente artigo busca trazer ao debate o cabimento da arbitragem — como meio de resolução de litígios — para dirimir as cobranças abusivas pela sobre-estadia de contêineres nos portos. Primeiramente o artigo abordará a definição da sobre-estadia de armazenagem dos contêineres nos portos. A segunda parte desse artigo buscará demonstrar os motivos pelos quais a arbitragem marítima seria uma boa forma (no lugar do Poder Judiciário) para discutir essas cobranças, sobretudo em razão de o Poder Judiciário não reconhecer como abusivas tais cobranças em razão do Princípio do Pacta Sunt Servanda por meio do qual se reconhece que deverão ser respeitadas as disposições contratuais convencionadas entre as partes.


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Define-se sobre-estadia qualquer demora além de determinado prazo acordado, estando a sobre-estadia de contêiner, usualmente conhecida como demurrage, regulada no XXII, artigo 2º da Resolução Antaq nº 62/2021 como o valor devido pelos dias que ultrapassarem o prazo acordado de livre estadia dos contêineres:

“XXII- sobre-estadia de contêiner: valor devido ao transportador marítimo, ao proprietário do contêiner ou ao agente transitário pelos dias que ultrapassarem o prazo acordado de livre estadia do contêiner para o embarque ou para sua devolução”

Ocorre que o que se vê é que a burocracia na liberação das cargas exige mais esse custo financeiro, que muitas vezes é abusivo, sem qualquer limitação, muitas vezes ultrapassando o valor do próprio contêiner. Na obra Direito da Arbitragem Marítima, José Gabriel Assis de Almeida e Sérgio Ferrari Filho levantam esses dados:

“Num desses únicos trabalhos, realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBTP), divulgado também em 2013, constatou-se que somente a demurrage foi responsável por 18,5% dos custos dos exportadores entre janeiro de 2009 e junho de 2013.

No ranking do IBTP, a demurrage ocupa a segunda colocação, perdendo apenas para os custos de armazenagem e movimentação nos terminais portuários

(...) A soma de todos esses elementos, mais o fato de 95% do comércio exterior brasileiro ser feito pelo mar, mais questões ambientais (chuvas torrenciais, desmorona, neblina intensa), e/ou mais ou menos imprevisíveis ou fora do poder de controle (acidentes, avarias nos veículos e feriados); mais a falta da infraestrutura logística no modal rodoviário e, especialmente, no ferroviário, impactando no tempo de carregamento dos caminhões, escoamento da carga, carregamento no navio, fila dos berços e capacidade de estoque dos terminais em zona primária; mais as greves relativamente frequentes, tanto de servidores públicos alocados em repartições fiscalizatórias voltadas ao comércio exterior (precipuamente, a Receita Federal, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA), quanto de trabalhadores envolvidos na cadeia logística (notadamente, estivadores e motoristas de caminhão) formam no Brasil a conjunção de verdadeira “tempestade perfeita”, que permite a cobrança de preços altíssimos das sobre-estadias em geral, especificamente a de contêiner”.

E, infelizmente, o Poder Judiciário não costuma reconhecer as cláusulas de cobrança de sobre-estadia de contêiner (demurrage) como abusivas, por conta do Princípio do Pacta Sunt Servanda por meio do qual fica estabelecido que deverão ser respeitadas as disposições contratuais convencionadas entre as partes. Abaixo precedente do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SOBRE-ESTADIAS DE CONTAINERS (DEMURRAGES). NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. NATUREZA JURÍDICA. INDENIZAÇÃO. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. DESÍDIA DO DEVEDOR. LIMITAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. PACTA SUNT SERVANDA. 1. É descabida a alegação de negativa de entrega da plena prestação jurisdicional se a Corte de origem examinou e decidiu, de forma motivada e suficiente, as questões que delimitaram a controvérsia. 2. As demurrages têm natureza jurídica de indenização, e não de cláusula penal, o que afasta a incidência do art. 412 do Código Civil. 3. Se o valor das demurrages atingir patamar excessivo apenas em função da desídia da parte obrigada a restituir os containers, deve ser privilegiado o princípio pacta sunt servanda, sob pena de o Poder Judiciário premiar a conduta faltosa da parte devedora. 4. Recurso especial conhecido e provido.
(...)

Penso que a situação presente não configura hipótese justificadora da relativização do princípio do pacta sunt servanda.
(...)

Na linha do substancioso voto do Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, não há falar na incidência do art. 412 do Código Civil, uma vez que as demurrages têm natureza jurídica de indenização, e não de cláusula penal, como já apontaram alguns precedentes das Turmas que compõem a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, mencionados no aludido voto. Assim, a circunstância de o valor da indenização pelo descumprimento contratual ter atingido montante expressivo em razão, unicamente, da desídia da parte devedora não justifica sua redução pelo Poder Judiciário, sob pena de se premiar a conduta faltosa da parte devedora. (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.286.209/SP, Terceira Turma, Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 08.03.2016)

Nesse sentido, tem-se que o Poder Judiciário costuma ficar propenso a decidir pela legitimidade das cobranças abusivas, eis que, diferente da arbitragem por meio da qual muitas vezes o conflito é decidido por um especialista — e nesse caso seria um especialista em sobre-estadia de contêiner — no Judiciário os magistrados estão totalmente fixados às fontes formais para formar a decisão, no caso um Princípio (Pacta Sunt Servanda) que privilegia a força contratual, independentemente se há abusividade ou não.

Ao lançar mão da arbitragem para decidir sobre a abusividade das cobranças, o árbitro utilizará de seu conhecimento agregado no âmbito da sua respectiva especialidade (no caso sobre-estadia de contêiner) para equilibrar a relação jurídica, ou seja, haverá com a arbitragem verdadeira hipótese de flexibilização do Princípio Jurídico (Pacta Sunt Servanda), para o fim de decidir de forma mais equânime o caso. Nesse sentido, é possível observar na obra Direito da Arbitragem Marítima, José Gabriel Assis de Almeida e Sérgio Ferrari Filho:

“Terceiro, a depender do caso, e sempre desde que respeitado o convencionado entre as partes, o arbitro pode decidir por equidade (Lei 9.307/96, artigo 2º, caput), possibilidade que inexiste no Judiciário. Em outras palavras, o Juiz está totalmente adstrito às fontes formais da lei para decidir (lei, jurisprudência, doutrina, costumes), enquanto o árbitro pode lançar mão das máximas de experiência e de todo o conhecimento adquirido no âmbito da sua respectiva especialidade, para equilibrar a relação econômica e jurídica em torno da cobrança de sobre-estadia de contêiner.”

Como se não fosse suficiente, com a arbitragem há verdadeira mitigação dos custos internos com a administração das disputas, considerando ser um caminho muito mais célere do que o processo judicial, eis que conforme artigo 23 da Lei de Arbitragem, o procedimento arbitral deve terminar após 06 (seis) meses, contados da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro, sabendo-se que a duração média de um processo judicial é de 04 (quatro) anos, sem contar o prazo para interposição de recurso aos Tribunais Superiores, segundo o Conselho Nacional de Justiça- CNJ.

Conclusão

Como delimitado no presente artigo, a burocracia na liberação das cargas exige mais um custo financeiro (sobre-estadia de contêiner), que muitas vezes é abusivo, sem qualquer limitação, ultrapassando o valor do próprio contêiner.

E, muito embora a abusividade, o Poder Judiciário costuma ficar propenso a decidir pela legitimidade das cobranças abusivas, eis que no Judiciário os magistrados estão totalmente fixados às fontes formais para formar a decisão, no caso há prestígio do Princípio (Pacta Sunt Servanda) que favorece a força contratual, independentemente se há abusividade ou não.

Nesse sentido, ao lançar mão da arbitragem para decidir sobre a abusividade das cobranças, o árbitro utilizará de seu conhecimento agregado no âmbito da sua respectiva especialidade (no caso sobre-estadia de contêiner) para equilibrar a relação jurídica, ou seja, haverá com a arbitragem verdadeira hipótese de flexibilização do Princípio Jurídico (Pacta Sunt Servanda), para o fim de decidir de forma mais equânime o caso, o que, decerto, favorecerá a parte prejudicada que se vê compelida a pagar vultosas quantias de valores abusivos. Fato que afirma, portanto, a importância da arbitragem marítima para decidir conflitos como o aqui tratado.

Referências

Resolução Antaq nº 62/2021

Almeida, José Gabriel Assis de / Sérgio Ferrari Filho, Direito da Arbitragem Marítima, Rio de Janeiro,2019
CNJ https://www.cnj.jus.br/

AutoraPriscila Maria Alves dos Santos é graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-PUC/RJ, Pós-Graduanda em Direito Marítimo e Portuário e atua como Coordenadora Jurídica

 

 

 

 

 






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