Os critérios aplicáveis sobre a Valoração Aduaneira foram atualizados com a recente publicação no Diário Oficial da União de 23/06/2022, da Instrução Normativa RFB n° 2.090/2022, que revogou a Instrução Normativa nº SRF 327/2003.
Este novo dispositivo legal traz importantes particularidades quanto: (i) a dúvidas ou investigação de veracidade das informações declaradas no tocante à vinculação entre as partes, (ii) quando não se possa conhecer ou confirmar a composição societária do exportador estrangeiro ou (iii) confirmar sua existência de fato, (iv) além trazer a aplicabilidade também no caso de vinculação entre o exportador estrangeiro e o encomendante predeterminado.
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Nestes casos, a nova regulamentação trouxe a possibilidade de basear-se, entre outros elementos, em informações contidas nos demonstrativos de cálculo do custo dos bens importados nas operações efetuadas, conforme dispõe a legislação nacional sobre Preços de Transferência. (Art. 4º, §6º, IN 2.090/22).
Essas mudanças têm o potencial de produzir um relevante impacto no cenário econômico do Brasil, tendo em vista que, toda e qualquer mercadoria estrangeira que ingressar no Brasil, seja a importação destinada ao consumo ou à revenda, seja ainda importada a título definitivo ou não, será submetida ao processo de Despacho Aduaneiro de importação cuja finalidade é verificar, entre outras características, a declaração e o controle do valor aduaneiro tal como previsto no Acordo de Valoração Aduaneira, o qual faz parte do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT 1994.
A Valoração Aduaneira, assim sendo, identifica-se como uma metodologia utilizada pela Receita Federal para a determinação do valor correto das mercadorias importadas, visando evitar o sub e o superfaturamento das operações, que podem desencadear, respectivamente, a sonegação de impostos ou a remessa em excesso de divisas ao exterior. Dessa forma, as regras de valoração aduaneira têm como objetivo garantir que o pagamento dos impostos e das taxas de importação sejam realizados corretamente.
O Acordo de Valoração Aduaneira, conhecido simplesmente por AVA-GATT, define que o Valor Aduaneiro, utilizado como base de cálculo do Imposto de Importação – I.I., bem como das contribuições PIS/COFINS-Importação, tem a função de servir como parâmetro para aplicação de eventuais multa se como critério para aplicação de medidas de defesa comercial (ex. antidumping). Além disso, o AVA-GATT impõe que o Valor Aduaneiro seja calculado de acordo com um dos seis métodos específicos:
1º método - Valor de Transação (preço efetivamente pago, ou a pagar);
2º método - Valor de Transação de Mercadorias Idênticas;
3º método - Valor de Transação de Mercadorias Similares;
4º método - Valor de Revenda (Valor Dedutivo);
5º método - Custo de Produção (Valor Computado);
6º método - Último Recurso (Critério da Razoabilidade).
O 1º método – Valor de Transação identifica-se como sendo o mais frequentemente utilizado nos processos de importações. Ele pode ser aplicado desde que não exista vinculação entre o exportador estrangeiro e o importador brasileiro ou, caso exista, que tal vinculação não afete o Valor de Transação. E, na ocorrência da impossibilidade de utilização do 1º método, a legislação prevê que os métodos substitutivos deverão ser aplicados na ordem sequencial em que se apresentam.
Agora, após a publicação da IN 2.090/2022, o 1º método citado acima poderá também ser aplicado se o comprador puder demonstrar que tal vinculação não afetou o preço, e para isso poderá se apoiar no cálculo do preço parâmetro da mercadoria importada por um dos métodos previstos na legislação de Preços de Transferência:
• Preços Independentes Comparados – PIC
• Preço de Revenda menos Lucro – PRL
• Custo de Produção mais Lucro – CPL
• Preço sob Cotação na Importação – PCI
Os Preços de Transferência são aplicados na tributação da renda em operações comerciais internacionais, com o objetivo de alocar o lucro de forma correta a cada jurisdição e impedir a evasão fiscal nas transações entre pessoas vinculadas ou situadas em países de tributação favorecida. Trata-se de metodologia específica para demonstração de que o preço praticado entre partes vinculadas seria o mesmo que o praticado entre terceiros, internacionalmente conhecido como “Princípio Arm’s Length”.
A nova Instrução Normativa também prevê que em caso de dúvida da veracidade ou exatidão do valor aduaneiro, poderá ser solicitado ao importador, em último caso, o preço parâmetro determinado por um dos métodos de preços de transferência (Art. 28, § único, inciso VI, IN 2.090/22).
Na prática, os contribuintes que já utilizam o 1º método de valoração de forma perene não devem se preocupar, pois a nova legislação apenas normatizou o que o Conselho Administrativo De Recursos Fiscais vinha decidindo (vide Processo 11080.724128/2015-21), ao considerar legítima a utilização das memórias de cálculo de preços de transferência como 6º Método (critério da razoabilidade).
É importante reiterar que a ordem de aplicação dos métodos é mandatória, i.e., independe da vontade do contribuinte ou do fiscal, devendo a utilização dos preços de transferência ser sempre o último recurso.
Na hipótese de dúvida da veracidade ou exatidão do valor aduaneiro, somado à impossibilidade de aplicação dos 5 métodos de valoração anteriores, será requerido ao contribuinte a apresentação das memórias de cálculo de preços de transferência com apuração do preço praticado, preço parâmetro, método utilizado e eventual ajuste fiscal. Note-se que o contribuinte pode optar por qualquer um dos 3 métodos disponíveis (PRL, PIC e CPL).
Para fins de valoração aduaneira, o que importará será o preço parâmetro e o método utilizado. Com base nesse valor e na variação em relação ao preço praticado o fiscal aduaneiro determinará se o valor aduaneiro deve ser ajustado.
Caso o preço praticado seja muito inferior ao parâmetro, será descartado o preço da transação e considerado o preço parâmetro como a base de cálculo dos impostos de importação, devendo o contribuinte recolher a diferença com multa e juros.
Em resumo, valoração aduaneira e preços de transferência costumam estar em lados opostos de uma operação de importação: se o contribuinte importa por um preço superior ao preço parâmetro, significa que parte do lucro tributável está sendo enviado para fora do Brasil e, portanto, deve haver uma adição de preços de transferência na apuração do Lucro Real, mas para a valoração aduaneira isso representa um recolhimento maior de impostos. Logo, se o contribuinte possui um planejamento para reduzir o seu ajuste fiscal de preços de transferência, o mesmo se torna prova contra ele em uma fiscalização de valoração aduaneira.
Acentua-se que, caso haja a glosa da valoração aduaneira, o custo de importação registrado nos controles fiscais do contribuinte não se afetará, pois, conforme dito anteriormente, a valoração aduaneira não se presta a esse fim, ela serve apenas para base de cálculo dos impostos que recaem sobre a importação e eventual cálculo de multa.
A previsão da utilização dos métodos de preços de transferência não nos parece razoável em termos, porque apesar de serem informações disponíveis à Receita Federal, o sistema brasileiro de preços de transferência não é compatível com a avaliação econômica da influência do vínculo entre as partes no preço transacionado, uma vez que determina margens de lucro fixas, a partir do setor econômico, que variam de 20% a 40% para o método PRL, e de 20% para todos no método CPL, tornando o preço parâmetro inadequado como reflexo do livre mercado.
A convergência desses dois sistemas também não é uma novidade internacionalmente, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico e a Organização Mundial Aduaneira realizaram Conferências Conjuntas para tentar solucionar a aparente ambiguidade entre os dois sistemas, resultando na cartilha “Guia da OMA sobre Valoração Aduaneira” cuja orientação para os fiscais aduaneiros e empresas multinacionais é da possibilidade de se usar as documentações já preparadas para fins de TP e assim economizar recursos.
A partir da análise das transações realizadas entre fornecedor e importador vinculados é possível distinguir na documentação de preços de transferência se a operação seria a mesma, caso eles não fossem relacionados. Porém a fiscalização aduaneira ao utilizar essa informação deve-se atentar ao fato de que no sistema OCDE não se trabalha com produtos individualizados e sim classes de produtos e ainda o tempo em que é preparada a documentação e o momento em que está ocorrendo a fiscalização.
A nova previsão da IN 2.090/22 só atingirá seu pleno objetivo, o qual busca fazer com que as operações de importação reflitam as condições justas de mercado, sem sub ou superfaturamento, intenção esta que também se propõe em preços de transferência, a partir da adoção das Diretrizes da OCDE de Preços de Transferência pelo Brasil, medida já anunciada pelo governo brasileiro.
Milton Rodrigues Gato Junior, advogado especialista da área aduaneira e consultiva do escritório Finocchio & Ustra Advogados
Alice Vieira Conde Oliveira é advogada Júnior da área Tributária Consultiva do escritório Finocchio & Ustra Advogados