Após quase dois anos sem operação regular com contêineres, com o termino da concessão da APM terrminals, e o encerramento definitivo de suas atividades em Itajaí e um processo confuso e atabalhoado de uma nova concessão temporária (enquanto o Governo Federal prepara a licitação definitiva para 35 anos, prorrogáveis), o grupo JBS, por sua subsidiária JBS Terminais anuncia a retomada de escalas no porto com a contratação inicial de três serviços regulares: “Carioca (MSC) para Asia; SAT/WAFEX (Hapag Lloyd+Maersk) para África e Cabotagem (Norcoast)”. Enfim, um sinal auspicioso para a cidade de Itajaí e todos os stakeholders, além do sistema portuário do sul e sudeste do país (responsável por mais de 80% da movimentação de containers do Brasil), tão pressionado por alta demanda e atrasos recorrentes de atracação.
Embora essa crise no porto de Itajaí, decorrente do vencimento da concessão da APM, tenha talvez sido a mais longa, custosa e dura para a sociedade, não foi nem a primeira, nem a única. Esse porto tem um histórico extraordinário de capacidade de resiliência, graças a uma relação muito forte da população, suas lideranças, entidades de classe e atores portuários (trabalhadores, portuários, agentes marítimos e de carga, despachantes etc.) com o “seu” porto.
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O porto organizado de Itajaí remonta a 1966 quando o Governo Federal instituiu a “Junta Administrativa do Porto de Itajaí - JAPI” Nessa época a principal atividade do porto era a maciça exportação de Pinho do Paraná, que perdurou até meados da década de 1970, quando, por quase extinção das florestas de araucária essa pauta de exportação deixou de existir. Essa foi a primeira crise do porto. A seguir, graças as empresas processadoras de frango do Oeste Catarinense que começam a desenvolver a exportação de frango congelado, em navios convencionais, cuja primeira operação por um pool de empresas, chamado UNEF deu-se em 28 de julho de 1975, com um lote de 750 toneladas para a Arábia Saudita, abre-se um novo capítulo. Em paralelo, a exportação de açúcar, com alguma pequena produção local e majoritariamente proveniente de São Paulo, surge uma nova pauta.
Em julho de 1975 foi criada a Portobrás e a JAPI transformou-se em Administração do Porto de Itajaí, diretamente subordinada à Estatal Federal, que em 15 de março de 1990 foi extinta pelo Governo Collor. Sem personalidade jurídica própria, a solução foi incorporar o porto à Companhia Docas de Santos – CODESP, a mais próxima estatal portuária federal. E mais uma crise instalava-se, já que o porto de Santos, com seu gigantismo e problemas de toda ordem, não tinha condição de gerir o então, ainda, pequeno, mas promissor porto de Itajaí.
A comunidade mais uma vez engajou-se e não aceitando essa esdrúxula subordinação, foi a Brasília atrás de uma solução. O então prefeito de Itajaí, Arnaldo Schmidt Jr propôs a delegação provisória da administração do porto ao município, provando ser perfeitamente legal e factível. Criou-se então a ADHOC (Administradora Hidroviária Docas Catarinense) em julho de 1995 pondo fim a mais uma crise. Na sequência, diante dos bons resultados verificados, em 1º de dezembro de 1997, foi assinado o convenio definitivo de delegação ao Município de Itajaí pelo prazo de 25 anos.
Na entrada do Século XXI, a Administração já com o nome de Superintendência do Porto de Itajaí lançou o edital de concorrência para a exploração do Terminal de Containers, a ocupar uma área total de 24 mil m2 e com obrigação de construir mais 250m de cais. O contrato de concessão, com 22 anos de vigência entrou em vigor em janeiro de 2002, vencido pelo consorcio TECOVI que alguns anos mais tarde (2006) transferiu-o para a APM Terminals.
Transcorria o ano de 2008 quando em outubro desse ano uma das mais catastróficas enchentes da história abateu-se sobre o Vale do Itajaí. A força do rio foi tanta que simplesmente levou para o fundo dois berços de atracação do porto e assoreou o seu leito reduzindo em poucas horas o calado para menos de sete metros, levando ao fechamento da barra por longos dias. Era mais uma crise de proporções a impactar não só o porto, mas toda a economia da região. Em pouco tempo a sociedade articulou-se e conseguiu que o Governo Federal viesse em socorro, fazendo uma dragagem emergencial para restaurar a profundidade e lançando um edital para a reconstrução dos berços destruídos. Ao longo de 2009 as obras tiveram ritmo acelerado e o calado retornou aos valores pré enchente. A isso tudo se somou a crise global a partir da quebra do Banco Lehmann Brothers em setembro de 2008. Mesmo assim, ao final de 2009 o porto retomou o posto de 2º maior movimentador de containers do país, superando mais uma crise.
Uma enchente de menores proporções ocorreu em setembro de 2011, mas suficientemente forte para provocar o recalque do recém construído berço no 01 da APM Terrminals, que ficou paralisado por 13 meses para obras de reestruturação e reforço, impactando na redução de capacidade de atracação do porto. Outra crise, superada pela iniciativa privada, nesse caso.
E assim, chega o porto à retomada de suas operações com containers em 2024, com a comunidade olhando esperançosa para a licitação definitiva com prazo de 35 anos, em que muitas obras de ampliação de retroáreas e ampliação da bacia de evolução são antevistas.
É preciso ter em mente, porém, que se trata de uma retomada com restrições, pois além de ser um arrendamento provisório, o terminal dispõe de apenas dois portêineres antigos herdados da APM Terminals, além de MHC´s, sua retroárea ainda é limitada (a espera de expansão em áreas adjacentes já desapropriadas e vias urbanas a serem desafetadas), o acesso ao porto ainda conflita com o trânsito urbano (a via portuária ligando diretamente o porto à BR101 permanece inconclusa)
Enfim, com todos os desafios e percalços, é o porto de Itajaí sempre mostrando sua resiliência, em mais um capítulo de sua história.
Robert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence Specialists