(Parte 1)
• Qual a relação da tragédia do Chapecoense com a Resolução n. 5.032/2016, da Antaq, cuja audiência pública foi prorrogada até 9.12.2016? Explicarei mais adiante. Ressalto que esta audiência objetiva obter contribuições para aprimoramento da proposta de Resolução – Regulamento Marítimo - que dispõe sobe os direitos e deveres dos usuários, dos agentes intermediários e das empresas que operam nas navegações de apoio marítimo, apoio portuário, cabotagem e longo curso e estabelece infrações administrativas.
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Se aprovada, como está, sem acordos bilaterais celebrados com os países de registro dos navios estrangeiros e sem outorga de autorização ao transportador estrangeiro, que possibilite a ordenação do transporte aquaviário e o acesso de navios de rotas regulares a todos os portos do Brasil, ainda que por meio de transbordo, o Regulamento Marítimo será para valer? Terá efetividade? O interesse nacional será protegido, obviamente sem os excessos de um mundo pós-Trump, que se apresenta com um nacionalismo exacerbado?
Depois da edição do Regulamento de Defesa da Concorrência, que ainda não existe, mas está na Agenda Regulatória de 2016-2017, o Regulamento Marítimo é, sem dúvida, a norma com maior potencial para gerar externalidades positivas no setor marítimo, especialmente junto aos usuários e às empresas brasileiras de navegação (EBN´s) que operam ou pretendem operar na cabotagem ou no longo curso.
Ironicamente, parece-me que estes dois players, ao contrário do transportador marítimo estrangeiro, ainda não perceberam a dimensão de tal norma e os problemas que surgirão com a publicação da norma no DOU, como está.
Uma Nova Antaq?
Desde janeiro de 2013, temos observado algumas iniciativas da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq - para a defesa do interesse público no setor por ela (a ser) regulado.
Essa conduta, apesar das assimetrias de informação e de representação ainda existentes, é elogiável, tendo em vista a anemia regulatória em que se encontravam os interesses dos usuários, desde o início da criação da Antaq, em 2001.
Sem proteção do Estado, vez que proteção insuficiente não protege, usuários e EBN´s se encontram como o marinheiro náufrago do cartoon de Philip Zec, que tanta polêmica causou no Parlamento inglês na 2ª. Guerra Mundial.
Destaco que a Antaq vem mudando, e para melhor, em parte, pela (i) manutenção de técnicos (de carreira) qualificados na sua Diretoria, desde o final do Governo Dilma, que vêm procurando exercer a sua (ii) função dialógica com o mercado, e da (iii) pressão de uma minoria de usuários organizados, insatisfeitos com a perda de mercados e de fluxo de caixa, em face de pagamento de preços de transportes extorsivos e de práticas abusivas.
Nesse ambiente de imprevisibilidade, imodicidade e de violação da defesa da concorrência, a Antaq, na gestão anterior, na pessoa do seu então Diretor-Geral Mario Povia, decidiu criar a Agenda Positiva, discutir e editar normativos para equilibrar os interesses dos diversos agentes e usuários do setor. As palavras-chave são equilíbrio, fairness, justiça, modicidade e equidade.
Regular é contrariar interesses (de forma equilibrada)
A reação, com base no argumento de que o mercado é auto-regulável, foi forte e partiu de várias entidades de profissionais, associações de armadores estrangeiros (que operam sem acordo bilateral e sem outorga) e brasileiros, contrárias a um equilíbrio na relação com os interesses dos usuários (seus clientes) e das estrangeiras com as EBN´s e terminais portuários não verticalizados.
Essa conduta (normal que se pretende alterar o status quo) foi no sentido de tolher a competência da Antaq. Uma delas, inclusive, pediu formalmente a revogação de Resolução (n. 4.271/2015) ainda em audiência pública, e a outra o arquivamento, em audiência presencial na FIESP, o que foi indeferido pela Diretoria da Antaq presente, de modo que a resolução voltou agora com o n. 5.032/2016.
Os principais argumentos, como se não existisse Constituição Federal, intervenção no Estado no domínio econômico e regulação setorial no Brasil e no exterior (pelo menos nos países desenvolvidos) podem ser resumidos em dois: (i) os contratos celebrados entre usuários e transportadores estrangeiros são fundados na livre iniciativa e nos usos e costumes do mercado, portanto, não se admite regulação, “intervencionismo excessivo” ou “violação à vontade liberdade contratual”; (ii) qualquer tipo de regulação só poderá ser feita através de lei ordinária. Alguns sugerem aguardar o Congresso Nacional aprovar a Reforma do Código Comercial de 1850. Mas quando? Em 2050?
Atuando no setor desde 1981, há vinte e cinco anos como advogado e estudioso de temas macro que afetam a logística e o comércio exterior, sabemos que não é (será) uma tarefa fácil fazer rupturas (ainda que sejam possíveis regras de transição) em um setor que opera em uma indústria de rede transnacional e cartelizada.
Este institutional framework, aliado à inexistência de uma política de defesa da concorrência consistente, facilita a combinação de preços, em face do abuso da posição dominante dos players transnacionais, especialmente no shipping de contêineres. Tal problema se agrava diante da notícia fusão de dois mega operadores, a Maersk, que opera na cabotagem com a Mercosul Line, e a Hamburg Sud, que opera por meio da Aliança.
No caso do transporte internacional, é, portanto, lamentável que mais de 250 mil usuários (desorganizados) brasileiros sejam regulados, de fato, por poucas empresas, a maioria sem CNPJ no Brasil, inacreditavelmente, ainda, fora da regulação.
Esse débil ambiente institucional (vez que sem Estado) contribui para a perda de competitividade do Brasil, desde 2012, quando atingiu a sua melhor posição – 48ª. – despencou para a 81ª posição, numa pesquisa entre 138 países, segundo o Relatório Global de Competitividade 2016-2017, divulgado recentemente pelo Fórum Econômico Mundial, em parceria com a Fundação Dom Cabral.
Ademais, esse mainstream no qual opera o usuário brasileiro (importador e exportador), desorganizado e desinformado, com algumas exceções, bem como algumas EBN´s, pouco reclamam para a defesa dos seus interesses, enfim, para equilibrar o setor por meio de incentivos ao desenvolvimento de um ambiente mais próximo do capitalismo.
Regular para quem? Outorga de autorização x CATE
Para tanto, é preciso que a regulação seja para o mercado e não para algumas empresas, reguladas ou não, e que haja ordenação do transporte marítimo, com discussão e designação de rotas regulares para que todos os portos nacionais sejam atendidos pela navegação marítima, ainda que por meio de transbordo.
Na maioria das vezes, o usuário está apagando incêndios, resolvendo ou tentando solucionar os seus problemas individualmente, nas vias administrativa e judicial e, não raramente, é condenado a pagar valores abusivos, como sobre-estadia de até R$ 140 mil por um contêiner que custa R$ 12 mil, como ocorreu no TJ-SP.
Retorno aos normativos da Nova Antaq. O primeiro deles é a Resolução n. 3.274/2014, denominado Regulamento Portuário. O segundo é o Regulamento Marítimo e o terceiro é o Regulamento da Defesa da Concorrência.
Tratarei aqui, tão somente de um aspecto (dentre vários outros) que foi omitido na Resolução n. 5.032 da Antaq, não obstante diversos pareceres e recomendações, inclusive do Dr. Joaquim Barbosa (Doutor em Direito Constitucional pela Sorbonne-Paris) e ex-Presidente do STF, que constatou a violação ao princípio da isonomia (entre EBN e o armador estrangeiro) e a inconstitucionalidade por omissão da Antaq.
Na sua legal opinion, o ex-Ministro constatou a necessidade de outorga de autorização ao transportador marítimo estrangeiro, inclusive porque nos demais modais de transporte, seja rodoviário ou aeroviário, tal procedimento é comum.
Nesse passo, sustento que a outorga de autorização é imprescindível, sem ela, a regulação da Antaq será ineficaz. Afinal, se até para operar um táxi é necessário uma outorga (licença) do município, por que o regulador não a exige de um navio estrangeiro, mas tão somente do transportador nacional (EBN)?
A outorga de autorização com navios de outras bandeiras obviamente só será possível se o país do registro da embarcação possuir acordo bilateral (de reciprocidade), como exige a Constituição Federal (art. 178), que dispõe sobre a ordenação do tráfego internacional. Afinal, quem não ordena, é ordenado, tal como vemos atualmente no Brasil.
No site da Antaq há somente 13 acordos bilaterais, com países cujos navios somam menos de 7% da tpb mundial, portanto, a maioria dos navios estrangeiros (Panamá, Libéria e demais países que vendem as suas bandeiras) que operam no Brasil, prestam serviços sem amparo de tais acordos e de outorga de autorização, portanto, de forma inconstitucional (ilegal).
(Sobre as lições da Tragédia do Chapecoense para a Antaq, veja Parte II)