Por Carlos Eduardo P. L. Gouvêa
• Sem inovação há mais de 20 anos, o modelo atual de vigilância sanitária nos portos e aeroportos do país restringe o acesso a diagnóstico e tratamentos médicos por atrasos de quase dois meses e desperdícios milionários.
Agência responsável por regular e fiscalizar toda a cadeia produtiva do setor de saúde, incluindo parte dos insumos, produtos para pesquisas, exames laboratoriais, próteses e órteses, e outros itens utilizados em hospitais, laboratórios e consultórios, a Anvisa tem sido essencial à segurança dos brasileiros ao utilizarem os serviços de saúde, mas conta ainda com processos e estrutura da época de sua criação na década de 90.
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Nesses mais de 20 anos, todo o contexto da Anvisa mudou, com incontável aumento da complexidade e do volume nas transações. Houve uma explosão na quantidade de itens transacionados com novas especificações, exigências e usos, porém a Agência ainda tem à disposição pouca tecnologia e capacidade de cruzar dados em tempo real. Tal falta de modernização faz com que cada processo de importação demande a apresentação de mais de 20 documentos, muitos deles com informações disponíveis dentro da própria agência. Em uma tentativa frustrada de “modernização”, foi adotada a submissão eletrônica de processos de importação que, na realidade, apenas piorou o já crítico cenário: os mais de 20 documentos são atualmente digitalizados e enviados através de um sistema com frequentes falhas ou panes e têm de ser lidos na própria tela do fiscal ou, caso não seja possível, precisam ser impressos um a um para posterior verificação.
Por exemplo, entre janeiro e fevereiro de 2016, o aeroporto de Viracopos, em Campinas, uma das principais entradas de produtos médicos no país, chegou a demorar quase 50 dias úteis para avaliação de licenças, enquanto o aeroporto de Guarulhos, o mais importante ponto de entrada para o setor, conta, atualmente, com 39 dias úteis de espera para tal avaliação! Como referência, em outros países esse tempo não é maior do que cinco dias.
O impacto dos atuais processos aduaneiros nacionais no mercado de saúde foi estimado em R$ 660,50 milhões de prejuízo em 2016. Os custos referem-se à armazenagem, carregamento e produtos parados nas alfândegas. Como comparativo, pode-se dizer que esse valor desperdiçado seria capaz de custear o diagnóstico de Zika em mais de 170 milhões de pessoas, ou 80% da atual população brasileira.
Diante desse cenário, as saídas viáveis estão na adoção de mecanismos facilitadores aos moldes do OEA (Operador Econômico Autorizado) que atenda a níveis de conformidade e confiabilidade; a simplificação da liberação de produtos de baixo risco aos usuários; a consolidação das petições em um único local; a recomposição da equipe destinada à fiscalização nos portos, aeroportos e fronteiras; e a integração dos sistemas da Anvisa e do Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior).
As propostas, várias já conhecidas pela Anvisa, são de baixo custo e complexidade frente aos ganhos econômicos e sociais que seriam gerados ao país. Manter a mesma estrutura e processos por mais de 20 anos é receita para crises em qualquer setor. Quando se trata do setor de saúde a crise passa, sem sombra de dúvidas, por perdas evitáveis de vidas humanas, redução na capacidade produtiva da população, redução na qualidade de vida e aumento da desigualdade social.
Inovar nos processos alfandegários, principalmente na questão da anuência sanitária, é oferecer acesso democrático e igualitário à saúde de alta qualidade. Rever esses processos é mais do que urgente. É indispensável!
Carlos Eduardo P. L. Gouvêa é presidente executivo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL)