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Artigo - Desestatização portuária em 10 pontos

A desestatização dos portos — ou do Porto de Vitória ?! — continua trend topic. Agora, não mais pela novidade que o tema desperta, mas, sim, pelas incertezas que pairam no ar. Segue lista, não exaustiva, de questionamentos da agenda da desestatização portuária. A composição desta lista se deu a partir do acompanhamento etnográfico das discussões em curso e não do posicionamento individual da autora.

1 - Por que eu?!, pergunta o Porto de Vitória

Por que o Porto de Vitória foi escolhido como pioneiro da desestatização? Pela trajetória histórica de “porto laboratório”? Por ser um dos 34 portos organizados com menos problemas trabalhistas? Por uma questão de sorte — ou, como alguns creem, de azar? E as especulações continuam… A comunidade portuária não tem clareza sobre como o porto está inserido na estratégia do setor e como será o encaminhamento da política portuária.

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2 - O caso do filho único: o Porto de Vitória

A queixa da comunidade portuária local é de se transformar no patinho feio da história — um modelo experimental, conduzido a partir de um cronograma top-down e o único dos 34 portos organizados a ser apartado da União. Aposta-se que o Porto de Vitória seja o único da lista com chances de ter o processo de desestatização concretizado dentro do mandato presidencial atual. Logo, o único dos portos organizados a perder investimentos e subsídios governamentais. Na falta de clareza da política portuária de médio e longo prazo, o cenário político se soma às incertezas em curso.

3 - O aumento tarifário e a perda de competitividade: “um tiro no pé”

Para que o negócio seja atrativo ao investidor, ele consiga arcar com os compromissos do edital e, ainda, remunerar o capital investido, prevê-se aumento tarifário e, consequentemente, a perda de competitividade. O Porto de Vitória é conhecido por ter uma linda baía. Sua atratividade, entretanto, não se deve ao canal de acesso, cujo calado, homologado em abril/2020, atende navios de até 12,50 metros. No Balanço Patrimonial de 2019, dos R$ 119.765.480 de Receita Operacional, apenas R$ 24.335.336 referem-se à rubrica Movimentação de Cargas. Com navegação restrita e movimentando cargas de baixo valor agregado — especialmente granéis sólidos e líquidos — a maior parte das receitas vêm da cobrança tarifária.

4 - Gestão (pública) profissional e a melhora dos resultados

Argumento pró-desestatização: o Estado não sabe fazer gestão, o que é atributo do mercado. Deve-se deixar o Estado restrito às funções essenciais e entregar a gestão portuária ao empresariado. Este é o caminho para o sonhado aumento de eficiência. Na prática, o instagram do Porto de Vitória divulga números e fatos que atestam a boa gestão (pública) do porto em sua atual gestão, incluindo recordes inéditos em relação aos últimos 50 anos. O que a comunidade portuária argumenta é que o erro não está na consideração da gestão pública x gestão privada, mas sim na gestão política que deveria ser gestão técnica. Ou seja, o próprio governo já provou que profissionalizar a gestão portuária gera mais eficiência. O que justifica então????

5 - E a função pública dos portos?

Se vamos deixar para o Estado só o que lhe é específico, cabe então entender melhor como ficam a função pública ou social dos portos e o exercício da autoridade portuária. Há cargas que podem não ser de interesse do empresário, quem irá movimentá-las? Sem seu porto público, todos os portos capixabas serão privados. A seletividade de cargas tem impactos sobre o desenvolvimento local. Ponto lembrado com temor frente à perspectiva de “teste de um modelo não testado” com duração de 35 anos em um elemento-chave da dinâmica econômica local.

6 - O que será: aumento tarifário x redução tarifária

Para o governo, a tarifa portuária cairá. Para a comunidade portuária, aumentará. Os documentos do edital de desestatização incluem cobranças ao concessionário: 7,5% da Receita Bruta — atenção, receita e não resultado, principalmente a bruta! — e verba de fiscalização fixa para a ANTAQ. Ainda tem o retorno sobre o capital investido e os compromissos de investimentos previstos no edital. Para a comunidade portuária, “a conta não fecha'', para os economistas a busca pela “eureka”!

7 - Especulações levam a cenários pessimistas: quem paga a conta?

Com o potencial aumento de tarifas há perspectiva de perda de cargas no Porto de Vitória. Por outro lado, os TUPs reclamam porque serão eles a pagar a conta. Portocel, TUP localizado em Barra do Riacho/Aracruz, em área administrada pela Codesa incluída no edital de desestatização, teme aumento em cerca de 3 vezes nas despesas tarifárias. Nesse cenário, as consequências se estendem ao desenvolvimento econômico territorial capixaba, com perda de receitas e de produção sendo deslocada para outras cidades portuárias.

8 - Incoerências do processo

Três questionamentos associados ao argumento “incoerências do processo”. O primeiro deles, o governo sai da posição de investidor do porto para se tornar seu “sócio”, isto é, ele se livra da obrigatoriedade de investir (e gastar) e passa a receber (e ganhar) do porto. O segundo uma incoerência prática, além das questões legais: o porto paga o fiscalizador (ANTAQ) para lhe fiscalizar. A terceira, um gestor privado passa a cobrar tarifas dos TUPs e assume uma função de natureza pública — ser autoridade portuária.

9 - Top secret: a falta de acesso às informações

Um conjunto de documentos, como os de viabilidade técnico-econômica, foram colocados em sigilo. Este ponto se somou a outros que levaram a petições do setor empresarial e dos trabalhadores no órgão de controle Tribunal de Contas da União/TCU. Alguns ingressaram como amicus curiae no processo. O andamento do processo no TCU ajudou a lançar luz a alguns aspectos, incluindo a recente determinação do TCU para transparência do processo.

10 - Que pressa é essa?!

O processo de desestatização tem pressa, seu cronograma é sua linha condutora. Especula-se que o produto final — o porto desestatizado — seja recurso de campanha política. A reboque, a participação social e o engajamento dos stakeholders. Daí a reclamação recorrente da comunidade portuária de “falta de debate”. A resposta oficial é de que houve várias participações em webinars, audiências públicas, reuniões e a disposição para escutar. Acredito que a fala de Patricia Lascosque, no 8º ATP, traduz bem esse ponto: “Não queremos apenas ser ouvidos, queremos ser escutados”.

Se as informações não são suficientes, as especulações aumentam e a confiança dos agentes no processo cai. Acreditando que todos querem o melhor resultado para o sistema portuário, não cabe falar em lados, mas reconhecer o vácuo entre governo e comunidade e identificar os pontos que merecem mais atenção. E para terminar com mais uma dúvida: como resolvemos isso?!

FlaviaFlavia Nico é doutora em Ciências Sociais, membro do Comitê Executivo da Wista Brazil, consultora no iPORTS Consultoria e Treinamentos, fundadora do Observatório Cidade e Porto/UFES e pesquisadora associada no LabPortos/UFMA



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