O setor de transportes, e por consequência os portos, sempre esteve presente na estrutura dos governos brasileiros desde os tempos do Império, sob diferentes denominações e abrangências, senão vejamos:
1860-1891 - Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
1891-1906 - Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas
1906-1967 - Ministério da Viação e Obras Públicas
1967-1990 - Ministério dos Transportes
1990-1992 - Ministério da Infraestrutura
1992 abril a novembro - Ministério dos Transportes e Comunicações
1992-2016 - Ministério dos Transportes
2007 - Secretaria Especial de Portos (SEP)
2016-2018 - Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil
2019-2022 - Ministério da Infraestrutura
2023 - Ministério dos Transportes
2023 - Ministério dos Portos e Aeroportos
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Durante o final do Império e os anos da República Velha e do Governo Militar há longos períodos de estabilidade na estrutura do ministério, com as alterações provavelmente mais refletindo a evolução da sociedade brasileira e, consequentemente, uma maior necessidade de especialização setorial. Contudo, após a redemocratização, começa-se a ver frequentes mudanças no nome e na abrangência do ministério, ora incluindo setores, ora excluindo atribuições. Aqui não tentamos listar os ocupantes das pastas, pois certamente seria uma lista por demais extensa.
Uma visão mais superficial deixa a impressão de que até a redemocratização a estrutura do Ministério teve um comportamento mais de Estado do que de governo, porém após isso parece que a cada troca de governo muda-se quase tudo. Muda o nome do ministério, muda sua abrangência, mudam os objetivos.
Com essas frequentes trocas, como esperar que programas e projetos tenham continuidade?
Muitas dessas guinadas certamente podem ser atribuídas ao chamado “presidencialismo de coalização”, em que os governos, a fim de obterem um mínimo apoio no parlamento, têm de ceder ao apetite dos partidos por cargos e verbas, sobretudo do chamado “centrão”.
Examinando os últimos 20 anos, os governos sucederam-se lançando inúmeras boas iniciativas voltadas à melhoria da infraestrutura logística nacional, incluindo-se aí os portos. Os mais notáveis foram PIL (Programa de Investimentos em Logística), PAC I, PAC II e recentemente PAC III, PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), PND I, PND II (Programa Nacional de Dragagem). De modo geral, cada qual desses programas esteve vinculado a algum governo em particular e, via de regra, não tiveram continuidade.
O que se vê são excelentes estudos, diagnósticos bem-feitos, ora no âmbito dos ministérios e secretarias, ora contando com a participação da academia ou de organismos internacionais. Lança-se então um programa, cheio de boas intenções, alguma coisa até começa, sempre em ritmo lento, seja por obstáculos burocráticos, seja por restrições orçamentarias ou, ainda, pela judicialização. Com isso logo advém uma troca de governo e o ciclo todo começa novamente.
Não seria justo, porém, colocar tudo na coluna do débito, pois avanços houve. Citamos aqui a lei 8.630/93, que dentre outras melhorias abriu os portos públicos às concessões privadas, criou o Ogmo e o CAP e, posteriormente, a lei 12.815/13, que permitiu aos TUP operarem cargas de terceiros.
Uma das coisas frequentemente utilizadas para criticar a falta de ação efetiva dos projetos governamentais é dizer-se que “falta vontade política”. Pois bem, quem, como o autor desse texto, teve uma passagem pelo setor portuário público, pode afirmar que nem sempre esse é o caso, mas sim os obstáculos mencionados acima.
Com tudo isso, na prática, nossos portos vão ficando defasados frente à evolução do transporte marítimo, como ressaltou recentemente o Centronave (Centro Nacional de Navegação Transatlântica) de que o Brasil está atrasado 15 anos e seis gerações de navios, em relação aos padrões dos navios em operação no mundo. Operam no Brasil hoje navios de no máximo 8 a 12 mil TEU de capacidade, tamanho esse que não se está mais construindo, pois os novos navios partem de 14/15 mil TEU, comprimento de 366 metros e calado de 16 metros. Os portos brasileiros não comportam hoje tais navios, seja por limitações físicas, operacionais ou falta de volume. A adequação dos nossos portos é tarefa urgentíssima e cabe ao governo de plantão dar início a esse processo, mesmo que tenha de recorrer a investimentos privados.
O que se demanda, porém, é que as autoridades não caiam na armadilha de lançar mais um programa de governo, para juntar-se à sopa de siglas que listamos acima e passem a tratar a questão da infraestrutura portuária (e para não dizer de toda infraestrutura de transportes) como uma questão de Estado, que possa perpassar governos. Somente assim o Brasil terá alguma chance de fechar o déficit de infraestrutura e alinhar-se com a revolução que se observa no transporte marítimo mundo afora. As mudanças estão ocorrendo em ritmo acelerado e precisamos nos alinhar a elas, sob pena de perdermos o barco. Em diversos artigos, pronunciamentos e palestras recentes, nós da Solve Shipping, juntamente com outros stakeholders do setor, temos chamado a atenção para a urgência de se enfrentar essas deficiências.
Que nosso clamor chegue aos ouvidos certos em Brasília, e parece estar chegando. Em recente entrevista ao jornal “A Tribuna” de Santos, a nova secretária Nacional de Portos, Mariana Pescatori, afirma textualmente “A gente entende que a política portuária deve ser Política de Estado”.
Robert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence Specialists