Não é de hoje que os poucos que se atrevem a escrever sobre o setor portuário nacional o descreve como estruturas complexas, onde atuam uma série de autoridades intervenientes com diferentes atribuições que, não raro, geram burocracias desnecessárias, impedâncias que dificultam o eficiente escoamento dos produtos decorrentes do comércio exterior brasileiro e, bem assim, as próprias cargas nacionais que se valem desta infraestrutura por meio da chamada navegação de cabotagem.
De fato, há que se reconhecer que autoridades que tutelam interesses difusos nem sempre podem atuar em sinergia, até porque controles aduaneiros, sanitários, fiscais, regulatórios e de segurança possuem distintas dinâmicas, a cautela de alguns a ensejar uma estadia maior da carga no porto, vis a vis com a constante busca pela eficiência, a demandar "transit times" mais expeditos.
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Prioridades, políticas públicas, culturas institucionais, indisponibilidade de recursos humanos e materiais das diversas autoridades anuentes também impactam diferente e cumulativamente a dinâmica da atividade portuária.
Embora se reconheça que muito se evoluiu nos últimos anos em prol da eficiência portuária, seja com a agregação de novas tecnologias, com a realização de investimentos públicos e privados nos acessos terrestre e aquaviário, com o redesenho de fluxos processuais, com a nomeação de servidores públicos escolhidos por meritocracia e, ainda, com a adoção de parcerias público-privadas, certo é que ainda temos um longo percurso a seguir para atingirmos níveis de facilitação comercial ou, noutras palavras, um ambiente de negócios mais pragmático e objetivo a exemplo daqueles observados na Europa e nos Estados Unidos.
Seria, portanto, de se esperar, que o repentino surgimento de uma pandemia com origem internacional, em um país que mantém trocas comerciais tão frequentes com o Brasil, impactasse fortemente os procedimentos sanitários e de segurança nos portos brasileiros, eis que se constituem em verdadeiras fronteiras com o mundo exterior, mormente em razão das já elencadas dificuldades de caráter operacional e burocrático.
Só que não.
Rapidamente foram tomadas medidas pontuais, reconhecendo a essencialidade dos serviços portuários, estabelecendo a necessidade de que trabalhadores que integram os chamados grupos de risco fossem poupados da missão de manter a logística ativa, ainda assim com remuneração garantida, cuja fonte de recursos foi prontamente definida e regulamentada.
Houve uma pronta resposta e articulação das autoridades ministeriais em face de uma mobilização sindical que visava a paralisação de atividades da estiva do principal complexo portuário nacional, que acaso se materializasse poderia gerar um verdadeiro caos no abastecimento de todo o país.
E mais, ainda se tratou de atender urgentes apelos de atracação de navios de cruzeiro, alguns que sequer estavam em rota de águas brasileiras, diante da negativa de nações vizinhas, verdadeiro exemplo de solidariedade e respeito.
Atuando em sinergia, autoridades portuárias e operadores portuários trataram de dotar de condições de operacionalidade, uma série de funcionalidades para atendimento dos trabalhadores portuários e transportadores rodoviários, com suporte de suprimentos e atendimentos médico e sanitário.
Para alguns, tudo isso pode ter passado desapercebido, mas não àqueles que bem conhecem o funcionamento e a dinâmica do complexo setor portuário nacional.
Havia motivos de sobra para imaginarmos que essa pandemia iria desarticular nossa cadeia de suprimentos, o que absolutamente não ocorreu.
Portos organizados e instalações portuárias privadas funcionam normalmente em todo o território nacional, atendendo de forma satisfatória as cargas que lhe são confiadas ou demandadas, graças a servidores públicos, trabalhadores e empreendedores que chamaram para si a responsabilidade que lhes cabe.
Penso que cabe a nós, que sempre somos e fomos tão críticos às ineficiências do setor portuário brasileiro, reconhecer o trabalho de excelência realizado pelas autoridades competentes, pelos trabalhadores portuários e pelos operadores portuários.
Ao Ministério da Infraestrutura, à Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, às Autoridades Portuárias, à Receita Federal, à Anvisa, à Antaq, ao Vigiagro, à Marinha do Brasil, aos sindicatos e federações de trabalhadores portuários, aos transportadores e às federações e associações de terminais e operadores portuários, devemos nesse momento prestar os nossos mais sinceros agradecimentos.
Se tudo está normal é porque muito foi feito, mas precisamente por estar tudo bem nessa seara, muitos talvez nem tenham se apercebido disso.
Parabéns e muito obrigado a todos aqueles que mantém nossa logística ativa em plena pandemia.
Mário Povia é engenheiro e bacharel em Direito. Possui pós-graduações nas áreas de administração de empresas e direito processual e do trabalho. Ex-diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq)