Da abertura dos portos até a década de 30, a atividade portuária no Brasil teve relevante desenvolvimento em razão da efetiva participação do capital privado na administração dos portos, a exemplo do que ocorreu com o porto de Santos. No entanto, a produção legislativa do setor nos anos seguintes não acompanhou essa evolução e, ao olharmos para este período, percebemos que os portos no Brasil eram enxergados pelo Estado quase que exclusivamente sob a ótica militar da segurança nacional e da defesa da soberania.
Foi preciso que os portos brasileiros chegassem ao seu nível máximo de precariedade na década de 90 para o surgimento de uma legislação que tratasse a atividade portuária como um elo importante da cadeia produtiva e do desenvolvimento econômico. O Brasil avançou, mas ainda está aquém da capacidade de outros portos do mundo, pois há ainda enormes gargalos logísticos e dificuldade do escoamento de suas cargas, principalmente a proveniente da produção agrícola.
Não me parece que a adoção do atual modelo jurídico focado na unicidade do desenvolvimento da atividade portuária seja equivocado, ao contrário, hoje há correções importantes nas lacunas e distorções da legislação anterior que não resolvia, por exemplo, o fato de uma empresa privada se tornar concessionária de um Porto Organizado e ter que promover o arrendamento dos terminais de uso público do referido porto para outras empresas igualmente pertencentes à iniciativa privada. Assim uma empresa privada concessionária do porto não poderia, como era feito pelas Docas, licitar um terminal de uso público, pela completa incompatibilidade dos regimes jurídicos, o que por si só justifica a nova legislação ter optado por transferir para Antaq a competência para realização das licitações e para a SEP a celebração dos contratos de arrendamento e concessão.
Modelos internacionais
Os dez maiores portos do mundo estão na Ásia e são liderados pelo porto de Shanghai. O primeiro porto fora dessa região, que aparece na 11ª posição, é o de Roterdã, segunda maior e mais importante cidade dos Países Baixos, que opera pelo modelo de autoridade portuária conhecido como LordLand, assim como os portos da Antuérpia, Hamburgo, Los Angeles e Houston.
O porto de Shanghai opera sob modelo público — o governo possui mais de 44%, o restante é diluído —, considerado marítimo ou fluvial, em que ocorre transporte de carga nacional e internacional. Ele também é responsável pela manutenção, contêineres de fabricação e locação, bem como a construção, gestão e operação das instalações portuárias.
O porto de Hong Kong, outro grande modelo de eficiência, tem as operações de carga sob a responsabilidade de empresas privadas, além de ser gerenciado pelo Departamento de Marinha da Raehk, que é responsável apenas pelo tráfego dos navios, fiscalização e policiamento das áreas. Tornou-se um ponto que permite parada única para a realização de vários serviços integrados e é reconhecido pelo excelente suporte e treinamento de funcionários.
Um exemplo útil de uma mudança de estrutura de autoridade portuária é representado por duas leis promulgadas em Cingapura. De acordo com um documento sobre ferramentas legais para reformas portuárias desenvolvido pelo The World Bank, organização financeira das Nações Unidas (ONU), antes da mudança, o porto funcionava como uma porta de serviço público. Como a autoridade portuária tornou-se cada vez mais envolvida em operações de terminais no exterior e outras atividades comerciais, funções públicas e funções comerciais foram separadas. A nova diretoria estatutária (a Autoridade Marítima e Portuária de Cingapura (MPA) foi criada. As atividades comerciais e marítimas do porto original da Autoridade Portuária de Cingapura foram privatizadas. Duas novas leis foram implementadas, uma que prevê a dissolução da Autoridade Portuária e outra criando a Autoridade Marítima (Singapura Atos 6 e 7, 1999). Hoje o porto recebe investimento direto do governo, que promove um modelo de porto livre, com grande gerenciamento e serviços muito diversificados, tornando-o atraente dentro da região.
Avançando com o debate
Não há condições de o Brasil obter qualquer expressividade mundial em termos portuários se internamente ainda estiver entrelaçado a práticas ultrapassadas. É preciso debater a aplicação deste modelo de forma eficiente, principalmente diante das peculiaridades brasileiras, sendo necessário e urgente a realização de uma reforma do modelo de mão de obra avulsa, pois nos últimos 20 anos os Ogmos se mostraram uma ótima medida transitória do regime de trabalho avulso, mas não uma solução definitiva, afinal o Brasil não opera mais os trapiches existentes à época da abertura dos portos.
A regulação eficiente e a liberdade de negociação requerem um enorme compromisso com o desenvolvimento, portanto, o que se pretende é uma nova realidade portuária para o Brasil, que represente de maneira digna a potência da 7ª economia no mundo e todas as suas possibilidades no contexto global. n
Marcia Lopes é gerente jurídica da Triunfo Logística e N&N Navegação, professora convidada pela FGV-RJ e UFRJ
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