O Porto do Rio Janeiro desde a sua fundação, em 1910, coleciona uma infinidade de histórias e estórias que fazem parte da sua identidade e servem como moldura à cidade/estado que lhe deu nome e que com ele se confunde, até os dias atuais.
Durante o longo período de elaboração de seu planejamento, execução das obras e ampliação, centenas de profissionais das mais diversas origens e formação, participaram de alguma forma, direta ou indiretamente, na viabilização de seu projeto de construção.
PUBLICIDADE
Entre eles, destaca-se Charles Neate, que apresentou ao governo da República um plano para a construção de um cais que viesse atender às necessidades do crescente movimento marítimo, com início no Arsenal de Marinha e termino no Arsenal de Guerra.
De igual forma, André Rebouças Borja de Castro, com a regulamentação da capatazia e aduana, no ano de 1877 e Visconde Figueiredo quando, em 23 de agosto de 1877, por intermédio do Decreto 10.372, recebeu a concessão para o prosseguimento das obras de construção e melhoramentos do porto.
E, Francisco de Paulo Bicalho, em 1903, quando uma comissão de notáveis engenheiros por ele liderados, foi incumbida de elaborar o projeto definitivo das obras a serem executadas, aprovado pelo Decreto 4.969, viabilizando e concretizando os planos apresentados pelo inglês Charles Neate.
Em fins de 1901, à partir da fusão de duas empresas concessionárias, a “Empresa de Melhoramentos” e a “Rio de Janeiro Harbour and Docas”, incumbidas das obras de construção do terminal marítimo do Rio de Janeiro, nos moldes estabelecidos pelo Decreto nº 3.323, de 27 de junho de 1899, essas passaram a se denominar “Cia. Docas do Rio de Janeiro”, título que o porto do Rio voltou a ostentar, no ano de 1974, em face ao Decreto nº 4.228, que transformou as autarquias em sociedades de economia mista.
Com o início da exploração comercial do porto do Rio, Daniel Hennnger recebeu a direção da empresa em junho de 1910 e, em novembro do mesmo ano, transferiu o comando provisoriamente à “Compangie du Porto do Rio de Janeiro”, até o ano de 1921 quando, através de processo licitatório, realizado no ano de 1922, entre as propostas apresentadas foi vencedora a do engenheiro Manuel Buarque de Macedo, cujo o contrato de arrendamento para a realização dos serviços foi feito por um período de 10 anos , à partir de 1923.
As obras do porto do Rio tiveram início em 20 de março de 1904 e foram concluídas em 20 de fevereiro de 1910, com 2.500 metros de cais, 5 armazéns, 17 guindastes de pórtico, prosseguindo, posteriormente, com a construção de mais 900 metros de cais, inaugurados em 20 de julho de 1910.
Guardada as devidas proporções, a inauguração do porto realizou-se com grandes festejos, numa versão mais moderna e semelhante a que envolve hoje o atual complexo denominado Porto Maravilha.
De acordo com os registros históricos, as ruas adjacentes ao porto, por onde iria passar o cortejo do, então, Presidente da República – Nilo Peçanha, apresentavam-se “engalanadas, atapetadas de flores e imensa massa de pessoas, de todas as idades e condições sociais, se aglomeram para festejar o evento”.
Já na década de 30, o Estado passou a assumir a responsabilidade pelos investimentos no Sistema Portuário Nacional. Para gerenciar esse processo foi criado, em 1934, o “Departamento Nacional de Portos e Navegação (DNPN)”.
Anos após, em 16 de janeiro de 1936, o governo Provisório, através da Lei 190, estabeleceu as bases de uma nova etapa de exploração e melhorias do Porto, criando uma administração autônoma com a participação da União, sob a denominação da “Administração do Porto do Rio de Janeiro-APRJ”, em obediência às disposições do Decreto 24.447, de 22 de junho de 1934.
Em 1943, no lugar do DNPN, surgiu o “Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais (DNPRC)” e, em 1963, a autarquia “Departamento de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN)”, substituído pela criação da empresa pública, “Empresa de Portos do Brasil – PORTOBRÁS”, através da lei nº 6.222 de 10 de julho de 1975, que passou a exercer o papel de “holding” (controladora) do sistema portuário nacional.
Todos esses órgãos funcionaram no antigo Prédio Dom João VI, na Praça Mauá, onde hoje está instalado o Museu de Arte – MAR, até a transferência da PORTOBÁS para Brasília e sua extinção, em abril de 1990.
Funções e Participação da Iniciativa Privada
O porto possui diversas funções, entre elas a função marítima, prestando serviço geral ou específicos de apoio a navegação nacional e internacional, segurança, calado, acesso, fundeio e acostagem, a função do tráfego, envolvendo o trânsito em suas diversas modalidades, distribuição e comércio de mercadorias, a função industrial, envolvendo zonas portuárias ou portos industriais, inclusive os chamados porto seco e as funções específicas, de recreio (lazer), de passagem (navios, ferryboat, rebocadores, plataformas) de pesca e de guerra.
Todo esse complexo físico, sobre o qual se realizam as atividades portuárias, é acrescido de elementos humanos, as organizações e serviços, destinados a operacionalizar e atender às necessidades dos usuários, denominadas de “Port Facilities”, ou seja facilidades portuárias.
Hoje, a conceituação de um Porto Ideal vai além da tradicional ideia somente de um cais acostável, com aparelhagem de carga e descarga, armazéns, navios saindo entrando, calado, bacia de evolução, balizamento de vias de acesso, águas tranquilas e profundas, berços de cargas, etc.
Outros ingredientes se somam aos já descritos, entre eles a gestão administrativa, recursos humanos, a questão tarifária, o equilíbrio entre receitas e despesas, o resultado alcançado (rentabilidade), zona de influência (hinterland), condições geográficas possibilidades de expansão, viabilidade econômica e vias de acesso.
As condições e possibilidade de participação da iniciativa privada no desenvolvimento, na administração e operação portuária, ocorre de múltipla forma e foi tema de trabalho de minha autoria, publicado em 8 de março de 1988, no jornal “O Estado de São Paulo” no caderno Marinha Mercante em todo Mundo.
Na ocasião, como um prenúncio do que viria constar na Lei 8.630 de 25 de fevereiro de 1993, conhecida como Lei de Modernização dos Portos, elenquei como possíveis formas desta participação, as seguintes:
- concessão, estadual ou municipal;
- contratos operacionais, com o estabelecimento de taxa única, remunerando as despesas de tarifa e patrimonial de áreas;
- arrendamento de áreas, através de instrumento contratual e,
- participação acionária, com a abertura do capital das sociedades de economia mista portuária e colocação de suas ações em bolsa, como forma de captação de recursos.
A Relação Porto Cidade
No que diz a Relação Porto Cidade, embora o assunto pareça novidade, o mesmo já vem suscitando, a alguns anos, o interesse e atenção de diversas instituições, em várias partes do mundo, assim como no Brasil, onde em recente evento, realizado na cidade Rio de janeiro, intitulado “Fórum Porto Cidade 2015”, já em sua 7 ª edição, o tema foi amplamente discutido e analisado, contando com a participação de diversos especialistas nacionais e internacionais, entre os quais destacamos a do Dr. Rinnio Bruttomesso – diretor do “Comitê Científico da Associação Para a Colaboração entre Portos e Cidades da Itália (RETE).
O Porto e seu entorno
Nomeado, em 20 de janeiro de 1947 como como superintendente da APRJ, em sua segunda gestão, Miranda de Carvalho, deu início à construção do Píer Mauá, construiu a Vila Portuária, reformulou os vencimentos dos servidores e reconstruiu o complexo portuário.
A Vila Portuária, hoje degradada pelo tempo e condições habitação, local onde morei e fui criado, foi o 1º condomínio residencial da cidade do Rio de Janeiro.
Localizada no bairro de Santo Cristo, com uma vista panorâmica sobre o porto, Estação Ferroviária Central do Brasil, Rodoviária Nono rio, antigo Gasômetro, ponte Rio Niterói, na condição de patrimônio da União, nela só residiam servidores da Administração do Porto do Rio.
Era um condomínio modelo, formado por 10 blocos residenciais, cada um batizado com o nome de um estado brasileiro (Amazonas, Pará, Pernambuco, Maranhão, Piauí, Ceará, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba, Santa Catarina), abrigando cerca de 300 famílias.
Suas calçadas de acesso eram permeadas de jardins floridos e no 1º bloco (Amazonas) tinha um elevador (tipo elevador Lacerda), para transporte dos moradores para as partes mais elevadas do condomínio.
Possuía uma quadra de esporte polivalente, campo de futebol, centro de atendimento médico, escola de 1º grau (Escola Francisco Benjamin Galloti) e todo um aparato de segurança, durante 24 horas, de responsabilidade da guarda portuária.
Seus portões de acesso, tanto para automóveis como para pedestres, eram fechados às 22:00 horas e a entrada só era possível mediante identificação.
Para se preservar o silêncio, era proibido o uso de “tamancos” nos corredores, bem como a audição de rádio ou toca discos, em volume elevado.
Quase que em frente, na sua longitudinal, aos fundos da Igreja de Santo Cristo dos Milagres, no armazém 13, outrora Estação de Embarque e Desembarque de Passageiros do Porto do Rio (ADCO), eram realizados alguns dos mais animados e disputados bailes de carnaval da cidade, com duas sessões: matinê, destinada ao público infantil e noturna, para os adultos.
Hoje, quando vejo a “gurizada” mergulhando do cais da nova Praça Mauá, e fazendo “selfies”, tendo como pano de fundo o “Museu de Arte” e o recém inaugurado “Museu do Amanhã” relembro, com saudosismo, perfeitamente o fascínio que o porto e seu entorno, estrutura, atividades, e constante “desfile” de navios (mercantes e passageiros) exercia, como ainda exerce, sobre a população.
A história do porto, seu entorno, principais acontecimentos e lideranças trabalhistas, está retratada no filme “Homens do Brasil”, onde na década de 50, meu pai Henrique Raymundo de Oliveira – foi eleito presidente da União dos Portuários do Brasil (UPB) e, mais tarde, já na década de 70, criou e presidiu a Associação dos Empregados nos Serviços Portuários do Rio de Janeiro e o atual Sindicato dos Portuários do Rio de janeiro.
Em junho deste ano, o porto estará completando 105 anos de fundação. Com meus 63 anos me orgulho de fazer parte, a 3 gerações, de seu crescimento e desenvolvimento.
Paulo Roberto de Oliveira é Especialista Portuário, Vice-Presidente de Ensino e Pesquisas e Reitor do Instituto de Altos Estudos Sociais da Academia Brasileira de Ciências Políticas, Econômicas e Sociais (ANE)