Os bancos esperam um verdadeiro "boom" de financiamento de projetos de infraestrutura a partir do próximo ano e já começaram a se movimentar. Com carteiras que variam de R$ 10 bilhões a R$ 20 bilhões em análise neste ano, as grandes instituições como Itaú, Bradesco, Santander e HSBC, projetam expansão anual da ordem de 25% dessa modalidade, acima de outros segmentos bancários.
O otimismo se materializa nas contratações de novos profissionais. Os bancos já pensam em ampliar as equipes de "project finance". "Essa área trata de projetos com maturação de anos. Só contratamos quando esperamos uma expansão", diz Alberto Zoffmann, diretor do Itaú BBA. "Há uma demanda reprimida e estamos buscando oportunidades" completa o executivo. O Itaú analisa cerca de 45 projetos que somam R$ 20 bilhões em investimento. A cifra corresponde ao tamanho dos projetos e não à fatia a ser financiada.
Segundo estimativa da Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib), os projetos de infraestrutura devem demandar investimentos de R$ 922 bilhões no período de 2011 a 2016, o que daria algo em torno de R$ 184,4 bilhões por ano.
Considerando a média de desembolsos do BNDES nos últimos dois anos, de R$ 55 bilhões, sobrariam R$ 130 bilhões para a iniciativa privada. Do total, segundo os bancos, entre R$ 80 bilhões e R$ 100 bilhões serão financiados por meio de dívida. O BNDES costuma participar com 60% a 80% do valor a ser financiado, mas diante do grande número de projetos previstos, espera-se que essa participação se reduza com a entrada de recursos da inciativa privada.
Só o pacote de concessões de ferrovias e rodovias, de R$ 133 bilhões, anunciado no mês passado, demandará investimento de R$ 79,5 bilhões nos próximos cinco anos. Novos programas estão previstos nas áreas de aeroportos, saneamento, energia e petróleo.
No Bradesco BBI, o número de financiamentos de projetos em estruturação já é maior que no ano passado. Entre eles estão os financiamentos para energia, rodovias e portos e um projeto de mineração integrado com a parte logística, diz Rui Gomes Júnior, responsável pela área.
O Bradesco também analisa alternativas para o pagamento de concessões dos três aeroportos leiloados neste ano: de Guarulhos, Brasília e Viracopos (Campinas). "Já há consultas de empresas também para disputa da licitação das rodovias BR 116 e BR 040", diz.
Instituições que estavam fora do mercado também montam áreas novas, como a Caixa Econômica Federal, bastante ativa no segmento de saneamento mas que prepara um banco de investimento, e os americanos Morgan Stanley e J.P. Morgan.
Alexandre Castanheira, diretor do Morgan Stanley, afirma que a ideia do banco é participar do esforço de levantamento de recursos para projetos de infraestrutura, sempre pensando em uma saída via mercado de capitais. "Queremos atuar como assessor financeiro, levantando capital para diferentes estruturas, desde dívidas sênior até a parcela de ações", diz.
O project finance é a ferramenta dominante no mundo para viabilizar os empreendimentos de infraestrutura por permitir que as receitas futuras dos projetos sejam usadas para quitar os empréstimos, sem necessidade de garantia dos acionistas e por prazos mais longos. Na Europa, antes da crise, era comum os bancos financiarem projetos de 10 anos a 12 anos. Cenário que deve mudar com as novas regras para o setor bancário conhecidas como Basileia 3.
No Brasil, no entanto, sempre coube aos bancos (incluindo o BNDES) assumir as fases de maior risco, como os projetos iniciais ou a fase de construção do empreendimento, com os chamados empréstimos-ponte, de prazos mais curtos, com o BNDES assumindo o longo prazo. A tendência agora é de maior participação das instituições financeiras em todo o processo, dividindo a parcela longa com os investidores privados.
Até por isso as debêntures de infraestrutura - emissão de dívida sob o regime da Lei 12.431, que conta com isenção de Imposto de Renda sobre os rendimentos para investidores pessoas físicas e estrangeiros - se mostram como alternativa. Segundo Sergio Monaro, diretor do HSBC, elas devem responder por 10% a 15% do percentual financiado, num primeiro momento, servindo ainda para os bancos liberarem capital para novos empreendimentos.
"Essa é uma opção para incrementar a alavancagem do BNDES. À medida que se repliquem os casos, o investidor pode querem ampliar essa fatia", diz. No limite, as debêntures poderiam responder por metade do total.
Até agora houve apenas uma emissão por esse regime, do Grupo Triunfo, que captou R$ 100 milhões para a hidrelétrica Garibaldi, no Rio Canoas, em Santa Catarina, com taxa de 7,89% mais variação do IPCA. O Santander, coordenador da oferta, vai encarteirar os papéis até o fim da construção, para depois vender as debêntures no mercado secundário. Há outra oferta em andamento, da Autoban.
A expectativa de retorno ainda é uma incógnita, segundo executivos ouvidos pelo Valor. Como a taxa do BNDES, a TJLP, está em 5,5%, contra 7,5% da Selic, o prêmio para atrair investidores privados ainda precisa ser elevado.
Muitos acreditam que os investidores possam se interessar por debêntures com taxas reais (descontada a inflação) de 8% a 9%. Isso representaria um prêmio interessante sobre os papéis do governo atrelados a índices de preços. Em um projeto com taxa interna de retorno entre 10% a 12%, seria possível pensar nessa possibilidade.
A expectativa é que os papéis possam atrair duas fontes de recursos, primordialmente. O financiador clássico será o fundo de pensão brasileiro, em busca de retornos maiores em um cenário de queda da taxa Selic. O segundo aplicador esperado é o estrangeiro. "Já estamos em conversas com grandes fundos", diz Eduardo Borges, do Santander. O discurso da presidente Dilma Rousseff ao anunciar as concessões de ferrovias e rodovias chamou a atenção desses investidores, diz Zoffmann, do Itaú. "O governo criou um ambiente positivo para o segmento."
A princípio, os bancos esperam que os fundos estrangeiros que já têm recursos investidos em títulos público no Brasil possam destinar uma parcela para os papéis privados. "No passado, os investidores estrangeiros talvez nem quisessem conversar. Agora ligam para saber o que está acontecendo. É uma mudança grande", diz Monaro.
Novos entrantes ainda estão fora de alcance. Além do desconhecimento desses fundos com relação ao país, o mercado brasileiro não está preparado para oferecer proteção cambial (hedge) para prazos tão longos. Há ainda a competição com outros emergentes, como Turquia e Indonésia, por exemplo.
Fonte: Valor / Fernando Travaglini e Silvia Rosa
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