A Eurofer, que reúne os produtores de aço da Europa, aponta agora o Brasil como um dos países que contribuem para o excesso de capacidade global de produção siderúrgica e alimenta instabilidade do mercado.
Ao anunciar resultados de 2020 nesta quinta-feira, a entidade destacou que o excesso de capacidade global alcançou cerca de 650 milhões de toneladas, três vezes a capacidade total de produção da União Europeia, e vê a expansão se proliferando em todas as regiões.
PUBLICIDADE
“A China é responsável no mínimo por 50% desse excesso, mas isso vem acontecendo também em mercados-chave como Coreia, Rússia, Brasil, Vietnã”, afirmou Karl Tachelet, diretor de relações internacionais da Eurofer, mencionando depois vários outros.
Segundo ele, há projetos de produção siderúrgicas em curso sobretudo para substituição de importações. A avaliação é de ineficácia de mecanismos de mercado para lidar com o excesso de capacidade e distorções das políticas nacionais.
Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, entidade representativa das siderúrgicas brasileiras, reagiu. Segundo ele, a capacidade instalada de aço no Brasil é de 51 milhões de toneladas. E, diferentemente de outros países, como a China, os investimentos realizados na indústria siderúrgica brasileira “são voltados para melhoria do mix de produção, área ambiental e não em novas capacidades”.
Um quadro elaborado pelo instituto, que ainda menciona excesso global de capacidade de 521 milhões de toneladas, mostra o excesso de 28 milhões de toneladas na América do Sul e Central, comparado a 26 milhões de toneladas somente na Coreia do Sul.
Marco Polo nota também que siderúrgicos são os produtos que recebem o maior número de medidas de defesa comercial no mundo. E os países que detém o maior excesso de capacidade são os que tem mais processos antidumping: a China vem em primeiro lugar, com 165, e Coreia do Sul em segundo, com 69. O Brasil fica na 10ª posição, com 19 medidas antidumping atingindo suas exportações.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), local de negociações para reduzir o excesso de capacidade, previu em 2020 que, se todos os projetos anunciados forem realizados, a capacidade mundial de aço poderia aumentar entre 2% e 3% entre 2020-2022 na ausência de fechamento de fábricas.
A pandemia de covid-19 reduziu as previsões de consumo de aço e as perspectivas econômicas gerais em toda a UE. Os confinamentos implementados pelos governos impactaram severamente a atividade de fabricação e os setores industriais consumidores de aço. Mas uma ligeira retomada começou no segundo semestre do ano.
“Os dados do ano inteiro confirmam o que já sabíamos: que 2020 foi um dos piores anos da indústria siderúrgica europeia, incluindo a maior queda registrada no segundo trimestre”, afirmou Axel Eggert, diretor-geral da Eurofer, em comunicado.
Em todo o caso, produtores europeus reclamam que a balança comercial no setor siderúrgico se tornou estruturalmente negativa. Entre 2012 e 2018, antes do fechamento do mercado dos Estados Unidos por Donald Trump e de medidas de salvaguardas europeias que também frearam a importação, o volume importado pelo bloco europeu mais que dobrou, subindo 112% enquanto as exportações declinaram 26%.
Para a Eurofer, múltiplas sobretaxas antidumping impostas no período de 2012 a 2017 não reverteram a tendência de crescimento das importações de aço pela Europa. Em 2018, o setor conseguiu um período de salvaguarda de três anos, para fazer ajustes.
Esse período acaba no fim de junho. Mas a Eurofer e 11 países membros do bloco europeu já pediram a extensão da salvaguarda, que dá um freio nas importações. O argumento é de que a manutenção de cotas (limites quantitativos) para as importações é um fator crítico para a estabilidade num mercado volátil.
Ocorre que, depois de três anos, os membros da OMC podem retaliar livremente um país que continuar a impor salvaguarda.
A Comissão Europeia não deu indicações ainda sobre se vai estender a proteção à sua siderurgia. Observadores notam que há várias outras medidas pelas quais a UE acaba ajudando o setor siderúrgico, como as propostas de taxa carbono e de combate a subsídios estrangeiros distorcivos.
Com um comércio administrado imposto pela UE, o Brasil exporta sobretudo produtos semimanufaturados de ferro ou aço, que não entraram na salvaguarda europeia. Isso se explica por sua importância para a indústria europeia.
Dados da Eurofer mostram, de toda maneira, que o volume importado do Brasil no total caiu 56% entre 2017-2020. Em 2019, quando a Comissão Europeia fez uma revisão da salvaguarda, retirou os aços inoxidáveis e os perfis de aço do Brasil da lista de produtos com volumes limitados para entrar no seu mercado.
Fonte: Valor