Pressa em vender a produção é algo que o sojicultor não tem atualmente na Argentina. Mesmo com um crescimento de dois dígitos no volume da safra colhida neste ano, a receita com os embarques do segmento está em queda e há sinais de mudanças cambiais no país no curto prazo, numa conjunção que colabora para "segurar" o ritmo de comercialização no terceiro maior exportador de soja e derivados do mundo.
A situação é exposta pelo empresário Gustavo Grobocopatel, produtor de soja e "trader" de grãos cujo grupo, que atua na Argentina, no Uruguai e no Paraguai, deverá faturar US$ 900 milhões em 2013. O Brasil já fez parte do universo de investimentos do Los Grobo, mas em junho a holding anunciou a venda de sua participação na Ceagro, que tem suas operações concentradas em novas fronteiras agrícolas do Cerrado, para a japonesa Mitsubishi.
"O produtor vai liquidando sua produção apenas na medida em que necessita para pagar seus compromissos. O agricultor não tem sofisticação financeira. Diante de uma expectativa de alta, tende a reter o que tem", disse Grobocopatel ao Valor.
A produção argentina de grãos deverá somar 106 milhões de toneladas neste ano, um novo recorde. A colheita de trigo, plantado no inverno, está em fase inicial, mas a de soja já rendeu 48 milhões de toneladas, conforme estimativa de Grobocopatel. O volume total é 15% maior que o do ano passado, e o de soja cresceu 23%. Mas o ingresso de divisas provenientes das vendas do complexo soja ao exterior caíram 10% de janeiro a setembro em relação a igual período de 2012, para US$ 7,6 bilhões.
E o problema, segundo o empresário, não foi preço. "O patamar atual, entre US$ 450 a US$ 550 a tonelada [do grão], é favorável para a atividade". Ocorre que desde 2009 o peso se desvaloriza na Argentina abaixo da inflação real do país, que varia de 20% a 30% ao ano, o que afeta a remuneração do exportador. As estatísticas oficiais deixaram de ser aceitas como referência há seis anos, por suspeita de manipulação. Em 2013, o país perdeu US$ 12,5 bilhões em reservas, e a expectativa por uma desvalorização brusca aumentou.
No dia 18, ao retornar ao cargo depois de uma licença médica, a presidente Cristina Kirchner demitiu a presidente do Banco Central, Mercedes Marcó del Pont, e nomeou para o cargo Juan Carlos Fábrega. Em duas semanas, o peso teve uma desvalorização de 3%, inédita nos últimos cinco anos. Ontem, a cotação era de 6,15 pesos por dólar. "Quem segurou a produção este ano ganhou no câmbio, ainda que tenha perdido no preço da soja", disse Grobocopatel.
O ritmo lento dos ingressos de divisas levou o governo argentino a novamente aumentar a pressão sobre as tradings de grãos que atuam no país nos últimos dias. Mas, ontem, o ministro-chefe do Gabinete, Jorge Capitanich, sinalizou acreditar que o próprio mercado resolverá o problema. "A tendência de preços é decrescente. Portanto, a mensagem para os produtores rurais é: deixem de especular, porque as condições para a liquidação estão dadas".
Para Grobocopatel, no curto prazo Cristina Kirchner deve promover mudanças mais profundas na economia. "Ajustes que pareciam difíceis estão sendo feitos e o patamar de câmbio e inflação começam a se tornar um tema da agenda do governo. Mas não haverá choques, tudo será feito de maneira gradual".
O empresário ressalvou que não fala em seu nome: E nega que ele próprio esteja retendo grãos. "Nosso faturamento com a venda de produção própria e comercialização de terceiros cresceu 15%, sem contar as vendas e aquisições, o que está condizente com o crescimento da safra". O grupo Los Grobo tem 130 mil hectares plantados - 60 mil na Argentina e 70 mil no Uruguai. Deverá comercializar 1,5 milhão de toneladas, entre volume próprio e de terceiros.
A conta já exclui o Brasil. Com a Ceagro, o país aportou cerca de US$ 400 milhões ao faturamento da holding Los Grobo em 2012. "Tenho saudades do país", disse Grobocopatel - em português - ao ser perguntado sobre a possibilidade de voltar a atuar no Brasil. O empresário afirmou que vendeu a Ceagro para melhorar o perfil da dívida do grupo. "Queríamos manter o endividamento em duas vezes o patrimônio, e ele estava em duas vezes e meia. Estamos nos financiando em pesos na Argentina e as linhas de crédito estão mais difíceis. Nesse ramo, quanto mais faturamento você gera, maior a sua necessidade de crédito".
Fonte: Valor Econômico/Cesar Felício | De Buenos Aires
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