Decisão recente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) determinou que incide Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre contratos de afretamento de plataformas de petróleo firmados entre a Petrobras e 37 fornecedoras. No caso, foi mantida uma autuação fiscal de R$ 576,38 milhões, referente a remessas de capital para o exterior durante o ano de 2008. A Petrobras vai recorrer à Justiça.
O precedente é ruim para o setor porque, segundo o mercado, torna arriscado uma espécie de planejamento tributário muito comum. O afretamento é o contrato pelo qual adquire-se o direito de utilizar um bem por aluguel.
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As petroleiras costumam firmar um contrato de afretamento no exterior e outro de prestação de serviços de perfuração, exploração e prospecção no Brasil - geralmente com subsidiária do fornecedor estrangeiro. O valor do afretamento corresponde a cerca de 80% do custo total. Assim, seriam tributados apenas os 20% restantes. De acordo com a Lei nº 10.168, de 2000, incide 10% de Cide apenas sobre remessas ao exterior para a importação de serviços técnicos.
No caso da Petrobras, a 4ª Câmara da 3ª Turma da 3ª Seção do conselho aceitou os argumentos do Fisco. De acordo com a decisão, "considerou-se que houve a bipartição artificial dos contratos". A fiscalização entendeu que parte do que seria prestação de serviço técnico foi incluída no contrato de afretamento para que a empresa pudesse pagar menos imposto.
Segundo os autos do processo, a fiscalização argumentou que a empresa estrangeira e a nacional "desempenham, de forma conjunta e solidária, atividades formalmente contratadas de forma segregada". Alegou ainda que "a maior parte do preço pago pela Petrobras é atribuída ao afretamento da unidade e destinada ao exterior, sem retenção do Imposto de Renda e sem o recolhimento da Cide, enquanto parcela muito inferior é atribuída aos serviços, paga no Brasil e tributada na fonte".
O julgamento foi acirrado. A decisão foi proferida por voto de desempate (qualidade), que é do presidente da Câmara, sempre um representante da Fazenda Nacional. Isso demonstraria certa fragilidade da decisão, no caso da apresentação de um recurso para tentar derrubar a decisão no próprio Carf - o que evitaria a ida ao Judiciário. Porém, para recorrer à Câmara Superior de Recursos Fiscais seria necessário haver uma decisão divergente. E essa foi a primeira vez que se discutiu o tema.
Por nota, a Petrobras diz que, pelo fato de a decisão ter sido proferida por um órgão administrativo, não tem caráter definitivo. "A empresa irá recorrer ao Judiciário", afirma a nota.
No mercado, as empresas do setor defendem-se dizendo não serem obrigadas a ter um único negócio jurídico e que na relação com a fornecedora brasileira são cobrados outros tributos. "Assim, há propósito negocial e substância econômica", afirma fonte que preferiu não se identificar.
Segundo o advogado Rodrigo Brunelli, do Ulhôa Canto Advogados, faz sentido firmar dois contratos diferentes, ainda que com empresas do mesmo grupo econômico, porque as atividades delas são diferentes. O advogado lembra ainda que, ao decidir sobre a locação de bens móveis, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que trata-se de obrigação de "dar" e não de "fazer", afastando a caracterização da atividade como um serviço. "No caso das petroleiras, separar o afretamento seria como diferenciar a obrigação de 'dar'[afretamento] e a de 'fazer' [prospecção]", diz Brunelli.
Os contratos relativos a afretamento e os referentes à prospecção têm particularidades, de acordo com o advogado Marcelo Carvalho Pereira, do Gaia, Silva, Gaede & Associados, e, por isso, são firmados separadamente, ainda que os fornecedores sejam do mesmo grupo econômico. É isso, acrescenta, que deve ser claramente demonstrado ao Fisco. "Além disso, a própria Instrução Normativa da Receita nº 1.415, de 2013, sobre o Repetro [regime aduaneiro especial que concede isenção na importação de equipamentos para atividades de petróleo e gás], prevê a possibilidade da habilitação da operadora e de terceiros por ela designados no programa."
Segundo o procurador-chefe da Fazenda Nacional no Carf, Paulo Riscado, "uma quantidade razoável de processos a respeito estão em andamento". Porém, ele entende que é preciso analisar cada caso. "Avaliamos se houve um arranjo para cindir o contrato em dois e alocar recursos onde há menor tributação", diz. No caso da Petrobras, segundo Riscado, o contrato de afretamento contém obrigações típicas de prestação de serviços, como cláusulas de penalidade. "Afretamento é somente o aluguel."
A derrota da Petrobras é apenas mais uma relativa a afretamento. Em 2011, a Câmara Superior do Carf condenou a petroleira a pagar R$ 4,6 bilhões por não recolhimento de 15% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre remessas ao exterior para pagamento de afretamento de "embarcações", realizado entre 1999 e 2002. No caso, discute-se o conceito de embarcação.
Fonte:Valor Econômico/Laura Ignacio | De São Paulo