Se o apagão, em 2001, deixou como herança para o Brasil uma rede de termelétricas - fonte energética considerada cara -, a atual crise hídrica tende a deixar como legado mais investimentos em energia eólica, solar e de biomassa. Só a eólica deve dobrar a oferta em poucos meses.
Empresas buscam nessas fontes formas de se precaver de futuras secas, que tendem a se tornar mais frequentes com as mudanças climáticas, e veem a água como alvo de debates e perdendo espaço na geração energética.
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— O uso da água vai ser analisado a partir de suas prioridades, como consumo humano e animal, deixando a geração elétrica em segundo plano — afirmou Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABsolar).
Para Luiz Serrano, sócio e diretor da RZK Energia, o custo elevado decorrente da crise hídrica será um grande acelerador para as decisões de investimento nessas fontes. O preço do megawatt/hora (MWh) no mercado spot passou de R$ 300, em março, para os atuais R$ 520.
Isso ainda deve se refletir na conta de luz dos consumidores residenciais na revisão tarifária anual, mas já impacta os grandes consumidores que não tinham energia contratada:
— O investimento em autoprodução por parte de empresas que são grandes consumidoras deve ficar mais nítido no segundo semestre — afirma Serrano.
Biogás em frigoríficos
Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), afirma que a energia vinda do vento pode chegar a 18% do fornecimento, o dobro do patamar atual, em setembro, quando os níveis dos rios deverão estar em seu pior momento:
— Campos eólicos que estão em fase final de instalação e têm capacidade de 1 gigawatt (GW) deverão entrar em operação antecipada, ganhando em média três meses em burocracia e obras.
A biomassa, por sua vez, continua muito concentrada em aterros sanitários e no bagaço da cana-de-açúcar, mas tem potencial para se diversificar. Manuela Kayath, presidente da MDC, empresa que opera biometano e vapor a partir de biomassa, vê uma aceleração nos projetos do setor:
— Nos frigoríficos será possível gerar biogás a partir dos dejetos animais com um processo de biodigestão.
Ainda assim, a Associação Brasileira da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) ressalta que o país explora hoje apenas 15% do potencial de biomassa do setor. Ou seja, o Brasil pode ter um rápido crescimento na geração de energia a partir do bagaço da cana.
A RZK Energia entregou para a Claro a maior usina de geração distribuída do Brasil, uma unidade de biogás em Nova Iguaçu que gera, a partir de resíduos orgânicos, 4,65 MW médios.
A operadora de telefonia, que já conta com 52 usinas de fontes renováveis, prevê mais investimentos em projetos de energia:
— O programa “Energia da Claro” é dinâmico e tem previsão de atender a 80% do consumo total de energia da Claro, com redução nas emissões de CO2 na atmosfera — conta Hamilton Silva, diretor de Infraestrutura da empresa.
João Teles, pesquisador da FGV Energia, ressalta que a diversificação da matriz elétrica do país é a razão de a atual crise hídrica não ter se transformado, automaticamente, em uma crise energética.
Diferentemente do que ocorreu no racionamento de 2001, quando as hidrelétricas representavam cerca de 90% da geração do país, hoje elas respondem por 63,8%, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). E as fontes renováveis são relevantes: a eólica tem 9,2%, biomassa e biogás respondem por 9%, e a solar, por 1,7%.
Parceria com Reino Unido
Neste cenário, energias ainda mais disruptivas, como a eólica offshore (com campos marinhos) e o hidrogênio verde, que ainda são promessas no país, devem ganhar velocidade. E um dos maiores incentivadores é o governo britânico.
Simon Wood, cônsul-geral do Reino Unido no Brasil, afirma que a implementação global da eólica offshore deveria estar sendo feita em uma velocidade quatro vezes maior. Ele acredita que o Brasil, com uma costa marítima tão ampla, tem grande potencial, ainda que precise superar alguns problemas regulatórios e de financiamento.
— Embora se trate de uma questão ambiental, a transição energética cada vez mais é uma questão econômica também. É cada vez mais barato produzir energia a partir de eólicas offshore do que de derivados de petróleo. Temos muitas parcerias com o Brasil, inclusive na questão do financiamento. E já temos até cooperações municipais, como entre as cidades de Aberdeen, no Reino Unido, e Macaé, no Rio — conta Wood.
O cônsul-geral espera mais parcerias em hidrogênio verde e energia solar — que, no chuvoso Reino Unido, têm o dobro de participação na matriz energética total que no Brasil.
Fonte: O Globo