A entrada em vigência do acordo de livre-comércio entre Brasil e México no setor automotivo derrubou, ironicamente, as importações brasileiras de veículos e autopeças mexicanos. De abril a outubro, nos sete primeiros meses sem cobrança de tarifas ou limitação por cotas, a entrada de produtos contemplados pelo acordo caiu 34% sobre o mesmo período do ano passado.
É o contrário do que normalmente se espera de um tratado do gênero. Até abril, a isenção de cobrança da alíquota de 35% valia somente para uma cota específica. As importações recuaram de US$ 1,46 bilhão para US$ 969 milhões, segundo levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) a pedido do Valor.
PUBLICIDADE
Tudo passa pelas regras de origem. Para terem alíquota zero, os veículos e autopeças contemplados no acordo devem cumprir com um índice mínimo de 40% de conteúdo local.
Uma queixa das montadoras é que esse índice tem sido calculado com base no valor originário dos materiais sobre o preço final dos produtos e ignorando processamento local. Se o aço usado em uma peça for importado da Ásia ou dos Estados Unidos, por exemplo, eventuais manipulações do insumo dentro das fábricas são descartadas do cálculo – e o preço do aço importado entra integralmente na conta.
Segundo um ex-funcionário do governo brasileiro que participou ativamente da última renegociação do acordo, em 2015, as regras de origem foram pensadas na época como uma “válvula de segurança” para evitar um aumento muito exagerado das importações de carros mexicanos. Já eram consideradas “restritivas demais” naquela ocasião, mas contava-se com uma revisão mais adiante – que nunca aconteceu.
Resultado: hoje tornou-se mais difícil fazer negócios entre montadoras dos dois países do que antes do livre comércio. As importações brasileiras de carros mexicanos com motor 1.5 ou acima, que puxam o fluxo automotivo bilateral, tiveram queda de 40% nos sete primeiros meses após o fim das cotas – de US$ 263 milhões para US$ 157 milhões.
Para os mexicanos, trata-se de mais uma frustração. Em 2012, após um súbito aumento das compras de automóveis do México pelo Brasil, a ex-presidente Dilma Rousseff ameaçou “denunciar” (rescindir) o acordo vigente à época, forçando sua revisão. A exigência de conteúdo local, que começou em 20% na década passada, foi para 35% e depois passou para 40% neste ano.
Essa mesma estratégia foi usada pelos Estados Unidos na revisão do Nafta, a zona de livre comércio da América do Norte, depois da chegada de Donald Trump à Casa Branca. O conteúdo local no setor automotivo subiu de 62,5% para 75%. Foi uma forma de barrar uma parte dos veículos mexicanos, que usam grande quantidade de peças importadas. A reforma do Nafta ainda está pendente de aprovação no Congresso americano.
Reservadamente, negociadores brasileiros reconhecem o problema e afirmam que a ideia é rediscutir as regras de origem no âmbito de uma ampliação de outro tratado, o Acordo de Complementação Econômica entre Brasil e México (ACE-53), que concede descontos mútuos nas tarifas de importação. Firmado em 2002, o ACE-53 é muito limitado. Abrange apenas 792 produtos.
Há pelo menos quatro anos o governo brasileiro vem tentando, em vão, expandir a sua abrangência. “Temos o maior interesse na ampliação do acordo”, diz o diretor de desenvolvimento industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Carlos Abijaodi. Em setembro, ele foi à Cidade do México para a instalação de um conselho empresarial entre os dois países. A expectativa é que o envolvimento maior da iniciativa privada possa impulsionar isso.
Nas últimas duas gestões – Dilma e Michel Temer – o Brasil tentou evoluir nas negociações. Chegou a propor a inclusão de mais três a quatro mil produtos no acordo, mas autoridades em Brasília reclamam do desinteresse mexicano em dar passos mais decisivos. No governo brasileiro e no setor privado, a avaliação é que um avanço sempre esbarra na resistência do México em incluir mais produtos agrícolas e agropecuários no ACE-53.
Fonte: Valor