Em 2011, a balança comercial brasileira de manufaturados registrou um déficit recorde de US$ 92,46 bilhões, resultado 30% superior ao verificado em 2010. O ano registrou também o pior resultado, desde 1977, para a participação deste produtos na pauta de exportação: os manufaturados foram responsáveis por apenas 36% de nossas exportações. Há pouco mais de dez anos, em 2000, estes produtos respondiam por 59% das vendas brasileiras no exterior. Estas mudanças na pauta, mas particularmente a perda de importância dos manufaturados, têm suscitado intensos debates entre os especialistas, muitos dos quais caracterizados pela parcialidade dos argumentos.
As profundas transformações ocorridas na economia mundial, especialmente o crescimento do peso dos países emergentes no comércio internacional, são aspectos que precisam ser destacado, dado seu impacto no destino de nossas exportações.
Em 2000, a China não figurava entre os dez principais destinos das exportações brasileiras. Hoje, o país já é o principal destino de nossos produtos, respondendo por 17% de nossas exportações. O fato de nosso principal parceiro comercial ser um voraz demandante de commodities deve ser levado em consideração em qualquer análise sobre o tema.
China gasta em desenvolvimento e pesquisa 1,4 vez mais em relação ao PIB do que o Brasil
A questão central, no entanto, diz respeito à elevação da competitividade global e à posição da indústria nacional neste cenário. As vantagens competitivas derivadas das economias de escala e dos menores custos de produção (especialmente os menores salários reais) presentes na indústria asiática - sobretudo na China - são amplamente reconhecidas. O cenário torna-se mais complexo para a indústria nacional quando adicionamos à discussão os custos derivados das péssimas condições de infraestrutura e da elevada carga tributária sobre a atividade produtiva no país, com destaque para os custos que decorrem da tributação incidente sobre a contratação de trabalho.
Enganam-se, no entanto, aqueles que acreditam que este conjunto de elementos encerra o tema. A competitividade de uma economia ou de um setor depende, em grande medida, de sua capacidade de gerar e absorver inovação. A realização de gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) é um dos motores do processo inovativo. No Brasil, estes gastos, sobretudo os realizados pelo setor privado, são muito inferiores aos dos nossos principais concorrentes externos.
Recente pesquisa publicada pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI)* fornece dados que permitem comparar o esforço em P&D no Brasil e na China. Em 2008, o gasto em P&D global da China era, em relação ao PIB, 1,4 vez o gasto do Brasil. A diferença é ampliada quando comparamos os gastos em P&D realizados pela indústria manufatureira. Neste caso, os chineses gastam em P&D 2,6 vezes mais, como proporção do PIB, do que os brasileiros. O estudo conclui que "a China evoluiu muito mais rapidamente que o Brasil, em direção a um grande esforço tecnológico no setor industrial".
O último, mas não menos importante, elemento para discussão é a polêmica questão cambial. A tendência estrutural à valorização do real deve ser analisada em duas dimensões. É fato que o crescimento da renda per capita e a melhoria nos termos de troca - fruto do comportamento dos preços das commodities - contribuem de forma decisiva para esta valorização. No entanto, também contribui neste processo de valorização do real a elevada liquidez internacional para os países emergentes decorrente da crise das economias centrais e da adoção de uma política monetária extremamente frouxa pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) e pelo Banco Central Europeu, especialmente após a crise financeira global de 2008.
A situação torna-se ainda mais complexa quando nosso Banco Central adota uma política monetária que, apesar das quedas nas taxas de juros nominais, mantém juros reais elevados para os patamares do cenário internacional.
Contribui de forma decisiva para a conturbada situação da taxa de câmbio brasileira, a adoção por um conjunto de economias asiáticas, particularmente a China, de uma estratégia de crescimento puxado por exportações desde meados dos anos 90. Entre 1997 e 2005, a paridade yuan/dólar foi mantida praticamente inalterada. Posteriormente, o valor do yuan passou a variar de acordo com o comportamento de uma cesta de moedas, o que impediu a sua efetiva valorização.
Em síntese, a mudança em nossa pauta exportadora e, particularmente, a perda de competitividade externa de nossos manufaturados decorrem de um amplo conjunto de fatores. Os efeitos da recente "guerra cambial" devem ser levados em consideração, sobretudo a política cambial chinesa e sua insistência em não permitir uma efetiva valorização do yuan, elemento importante para os atuais desequilíbrios no comércio global.
A saída neste caso é aumentar a pressão nos fóruns e organismos internacionais competentes, ainda que a possibilidade concreta de alteração deste cenário seja bastante remota.
O governo e a indústria nacional também têm sua parcela de responsabilidade neste processo. Ao governo cabe estimular a criação de um ambiente competitivo, evitando soluções fáceis, tais como o simples fechamento da economia e a proteção de alguns setores que, no longo prazo, revelam-se ineficientes. Finalmente, a indústria nacional, se pretende continuar viva neste mundo cada vez mais competitivo, deve promover uma rápida ampliação dos investimentos que aumentem a sua produtividade e sua capacidade de gerar inovações ou, pelo menos, de absorvê-las com maior velocidade e eficiência.
Fonte: Valor Econômico/Marcelo Curado é doutor em Economia pela Unicamp. Professor da UFPR e pesquisador do IPEA
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