Quem acompanha de perto a crise que pode levar o mundo a uma nova recessão não tem dúvidas: as dificuldades na economia vão perdurar por pelo menos cinco anos. Essa é a estimativa para que a Europa e os Estados Unidos consigam arrumar as contas públicas e retomar o crescimento consistente da atividade e o consumo. Mas que fique bem claro: antes de melhorar, a situação ainda dará muita dor de cabeça. “O pior ainda está por vir. A União Europeia não encontrou um caminho para resolver os problemas dos países mais endividados da região”, diz o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) Ernesto Lozardo.
Para ele, a situação desastrosa na qual a Europa se encontra hoje foi construída ao longo de décadas de irresponsabilidade fiscal, para as quais o mundo fechou os olhos, pois sempre prevaleceu a face mais vistosa, a de um Estado poderoso, capaz de garantir incontáveis benefícios sociais à população — muitos deles, ressalte-se, importantíssimos. O problema é que o excesso de paternalismo foi construído sob bases frágeis, que foram escancaradas depois da crise mundial de 2008, quando muitos países tiveram que injetar montanhas de dinheiro na economia para combater a recessão. Descobriu-se que nações até então saudáveis, como a Grécia e a Irlanda, na verdade escondiam deficits fiscais monstruosos.
Não à toa, o professor Simão Davi Silber, do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP), dispara: “As estripulias foram tantas, que os ajustes na Europa levarão muito tempo para dar resultado. O que assusta é a demora para ações concretas. Por isso, a economia da região só está piorando”, ressalta. A seu ver, por enquanto, todos os programas de ajuste fiscal na Europa, com cortes de salários dos servidores públicos, aumento da idade mínima para aposentadoria e privatização de estatais, ainda são só promessas. “Por isso, os temores de que a crise atual seja maior que a de 2008.”
Na avaliação de Sandra Utsumi, diretora de Renda Fixa do Espírito Santo Investment Bank (BES), mesmo que os governos europeus aprofundem as necessárias mudanças estruturais na economia, os resultados só aparecerão em dois ou três anos, impondo um custo elevado para todo o mundo, por meio de uma recessão ou de uma forte desaceleração da atividade. Essa fatura será dividida, inclusive, com o Brasil. “O contágio chegará à economia brasileira e a outros países emergentes. Mas nada que se compare com o que se verá na Europa e nos EUA”, diz.
Descrente em relação a uma solução a curto prazo para o terremoto econômico que varre o mundo, o sócio-diretor da Quest Investimentos Paulo Pereira Miguel afirma que há muitas pontas soltas na crise europeia, que são difíceis de visualizar. O diretor para a América Latina do Deutsche Bank, Frederick Searby, endossa: “A solução não será simples nem rápida e ocorrerá, provavelmente, de forma homeopática”.
O único lado bom da história, na visão dos especialistas, é que, em um primeiro momento, o estrago provocado pelos países desenvolvidos tenderá a esfriar o crescimento econômico do Brasil, o que levará à interrupção do aumento na taxa básica de juros (Selic) para conter a inflação. Já se fala em afrouxar o aperto monetário a partir do fim deste ano ou do início de 2012. “O ruim é a recessão mundial se estender por um prazo longo”, alerta Roberto Padovani, estrategista-chefe do banco alemão WestLB.
Se esse quadro se confirmar, a economia brasileira também pisará no freio, pois a demanda por produtos nacionais será reduzida.
Política negligente
Os países europeus estão na mesma situação do Brasil de 20 anos atrás, diz o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Renato Flores. Precisam, mas não fazem o dever de casa, com manter uma política fiscal austera, reduzindo os gastos com a máquina pública para investir e, assim, impulsionar o crescimento. “Os fundamentos econômicos são ignorados há muito tempo. Há desequilíbrio tributário muito grande na Zona do Euro, pois cada país arrecada e gasta do seu jeito”, completa Ernesto Lozardo, também da FGV.
Alerta para o Brasil
O professor do Insper Eduardo Dotta avisa que a situação difícil na Europa serve de alerta para que o Brasil faça as reformas estruturais necessárias para corrigir as fragilidades fiscais, sobretudo a tributária, incluindo a desoneração integral da folha de pagamento das empresas, e a previdenciária, para ficar menos suscetível aos solavancos externos. “Em vez de deixar a situação correr, o país deveria aprender com a experiência internacional”, diz. Se não fizer isso, reforça ele, o Brasil corre o risco de passar por situação parecida como a dos Estados Unidos, ostentando superendividamento. “Ninguém podia imaginar que a maior economia do mundo pudesse passar por dificuldades, com o risco de dar calote.”
(Fonte: Correio Braziliense - em 7/8)
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