Enquanto o mundo pisa no freio na compra de aço chinês diante dos confrontos comerciais com os Estados Unidos e Europa, os asiáticos encontraram na América Latina - sobretudo o Brasil - um espaço para desovar sua forte produção de produtos siderúrgicos. Conforme números da Associação Latino-Americana do Aço (Alacero), a exportação de laminados (aços longos, planos e tubos) e derivados (fios e tubos soldados) da China para o Brasil atingiram US$ 844,73 milhões, crescimento de 37,8% na comparação com o ano anterior.
"A China é um problema por causa de todos os subsídios que sua indústria recebe. O mundo procurou se defender e os países impuseram medidas para mitigar os efeitos desse comércio desleal, mas a América Latina está atrasada neste processo", disse Máximo Vedoya, presidente da Alacero, em referência às decisões dos Estados Unidos e União Europeia de proteger o mercado de aço. Enquanto EUA e Europa compram menos, a exportação de aço chinês para a América Latina saltou 24,6% no ano passado e atingiram US$ 5,521 bilhões em 2018.
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A análise sobre os volumes de aço chinês na América Latina mostra o alcance da investida dos asiáticos sobre o Brasil. No ano passado, o mercado brasileiro comprou 1,03 milhão de toneladas de produtos siderúrgicos da China, volume 20% maior que um ano antes. O ritmo de crescimento foi muito maior que o observado no conjunto da América Latina, onde o aumento das importações foi 4,2%, para 7,3 milhões de toneladas. Na contramão, o mundo comprou 9% menos aço da China no ano passado.
Já no comércio indireto de aço - com produtos que usam a commodity -, os envios da China à América Latina saltaram 16,57% em valor em 2018 na comparação com 2017, para US$ 47,468 bilhões - US$ 10,590 bilhões somente para o Brasil, alta de 37,65%. Do total, o destaque foram os carros e veículos comerciais, que contribuíram com US$ 9,098 bilhões na região.
"Esses dados só reforçam aquilo que a gente já vem falando de longa data. No caso do Brasil, eu diria que ele reforça de forma mais enfática o cuidado que a gente precisa ter em relação ao que seria os mecanismos de defesa comercial", defendeu Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil (IABr).
Conforme dados do IABr, a siderurgia nacional opera hoje com 67% de sua capacidade instalada, patamar que poderia estar na casa dos 80%, reflexo do mercado interno reprimido. Com o produto chinês cada vez mais forte, setor se vê obrigado a exportar. Sem competitividade, entretanto, a estimativa é que as exportações das siderúrgicas nacionais em 2019 fechem em queda de 6,1%, em 13,1 milhões de toneladas. "Ninguém é contra a abertura do mercado nacional. O que queremos é que sejam corrigidas as distorções no Brasil para que tenhamos como competir".
Analistas destacaram que a maior participação chinesa na indústria local é uma pulga atrás da orelha do setor, mas não é um risco dado a grandes nomes, como Gerdau, Usiminas e CSN. "As siderúrgicas daqui são grandes e têm capacidade de abastecer o mercado local, além de conseguirem administrar preço. A indústria, por outro lado, tende a evitar correr o risco de importar aço, por causa de uma exposição cambial", apontou um participante.
O especialista destacou que no Brasil atualmente a taxa de importação é de 12% sobre produtos siderúrgicos e que, no passado, chegou a ser discutido um aumento desse porcentual. "Tentaram aprovar no passado, no governo de Michel Temer, algumas medidas antidumping. Só que depois elas foram suspensas. O setor sempre aponta isso como um risco".
Fatia crescente
Ao longo dos últimos anos, chineses ampliaram significativamente sua presença nas importações siderúrgicas feitas pelo Brasil. A fatia do país saltou de 2% em 2005 para o atual número próximo de 40%, conforme dados do Comex Stat relativos a 2018.
O cenário local hoje é diferente para as siderúrgicas, mergulhadas em uma economia totalmente diferente de 2010, e o setor pretende aumentar sua argumentação com o governo sobre a defesa da indústria local. "Ninguém cresce de forma exponencial suas exportações por obras do Espírito Santo. Há obviamente todo um processo de práticas consideradas unfair pela OMC (na China)", defendeu o Lopes, da IABr.
Segundo Lopes, o entidade abordará em breve o tema com integrantes da equipe econômica de Bolsonaro. "O ministro Paulo Guedes tem se mostrado solidário com nossa realidade e entende o que é o fator China", disse, reconhecendo, entretanto, a atual necessidade de foco na reforma da Previdência.
Fonte: Estadão