"Um infinito escalpelamento." A imagem, usada por Eike Batista, define o período que se seguiu ao colapso do grupo X, em meados de 2013. A crise na petroleira OGX arrastou todas as empresas do grupo. "Virou uma corrida bancária, um efeito manada", disse Eike ao em entrevista exclusiva ao Valor.
Pouco mais de um ano e meio depois do estopim que motivou a crise - a confirmação, em 1º de julho de 2013, da inviabilidade econômica dos campos da OGX -, quatro das cinco principais empresas criadas por ele estão em processos de recuperação judicial que envolvem a reestruturação de dívidas de mais de R$ 20 bilhões.
"A gente levantou recursos [financeiros] gigantes e fizemos projetos de grande porte usando um processo de captação de recursos no mercado, em uma época áurea. Mas o que as pessoas esquecem é que nessa composição sempre tinha um volume de dinheiro enorme meu, próprio", disse Eike. E afirmou que em todos os negócios colocou garantias pessoais. "Acho que fui o único empresário que assinou um aval pessoal no BNDES."
Na reestruturação dos negócios, as empresas mudaram de mãos e têm hoje novos controladores. Embora Eike ainda tenha participações acionárias nas empresas, transformou-se em minoritário. E o mais relevante: suas ações foram dadas em garantias aos credores, incluindo bancos e o fundo soberano Mubadala, de Abu Dhabi, que aportou US$ 2 bilhões na EBX.
"Eu não sou de brigar e, nessas horas, todo o mundo é abutre: 'Give me, give me back' [me dê de volta]", afirmou, referindo-se aos credores, que exigiram tudo de volta.
Com 58 anos, mas "em corpo de 40", brincou, Eike não acredita que haverá gente batendo à sua porta por um longo período de tempo ainda. "Não vejo problema com dívidas porque entreguei meu patrimônio para resolver isso [o endividamento]. Me desprendi de meus ativos, que adoro, para resolver isso. A Justiça acaba funcionando."
É justamente em processos judiciais que será definida a sorte da maioria das empresa criadas por ele. Das cinco principais que compunham o grupo EBX, quatro entraram em recuperação judicial - OXG (atual OGPar), OSX, MMX e Eneva (antiga MPX).
A Prumo, ex- LLX, dona do porto do Açú, foi a única entre as grandes do grupo de Eike a não pedir proteção à Justiça contra os credores.
O próprio empresário afirmou, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa do singular, ao estilo Pelé: "O Eike hoje é alguém que tem uma participação minoritária nesses projetos [das diferentes empresas do grupo] que continuam em pé." Os projetos, segundo ele, foram "engenheirados" para garantir 18% de taxa de retorno ao ano. "Uma pena louca que eu tive que entregar tudo isso assim."
Embora os processos de recuperação judicial estejam encaminhados, na visão de advogados de Eike, ainda há etapas formais a serem cumpridas e alguns credores continuam a fazer questionamentos.
A principal empresa, a petroleira OGX, que era 60% dos negócios do grupo, foi a primeira a entrar em recuperação judicial. Nos resultados do terceiro trimestre de 2014, último dado disponível, a OGpar, sucessora da OGX, destacou "melhorias" nos desempenhos operacional e financeiro e afirmou que tinha concluído, com "sucesso", um dos últimos passos do seu processo de recuperação judicial.
A reestruturação da OGX incluiu a conversão da dívida de US$ 5,7 bilhões com credores em ações da empresa, o que permitiu retirar esse passivo do balanço contábil da companhia. Em reais, essa dívida foi estimada em cerca de R$ 12 bilhões. Ao mesmo tempo, está prevista uma segunda capitalização, para converter em ações o dinheiro novo que entrou para dar fôlego ao que restou do negócio - uma soma de US$ 215 milhões. Há grande polêmica ainda em torno desta etapa. Ao fim, Eike ficará com 4% da empresa em que colocou R$ 2,7 bilhões.
"Eike tem participação minoritária nos projetos. Mas essas participações estão em garantia aos credores."
No caso da co-irmã OSX, cujo plano original era construir 48 plataformas para a OGX, Eike disse ter colocado mais R$ 1,6 bilhão em recursos próprios. A empresa teve o plano de recuperação aprovado e homologado pela Justiça do Rio, em dezembro de 2014, mas ainda há questionamentos por parte de credores. As dívidas da empresa foram estimadas em US$ 2,7 bilhões. "Do ponto de vista do plano, está tudo certo, há poucos recursos pendentes e com boa chance de êxito", disse fonte próxima à OSX.
Um passo importante foi dado no fim de janeiro com a anuência da Caixa Econômica Federal (CEF), um dos maiores credores da OSX, ao plano de recuperação judicial. Ao concordar com as condições, a CEF permitiu dar continuidade aos investimentos no Porto do Açu (RJ). No Açu, a OSX tem direito de uso de área de 3,2 milhões de metros quadrados que pertence à Prumo, antiga LLX. Antes de mergulhar em dificuldades, a OSX tinha planos de construir um grande estaleiro, que ficou inacabado.
"Olha, modéstia à parte, os estrangeiros, quando olham nosso projeto [do Açu], babam. Para o Açu, até chinês bate continência pelo conceito", disse Eike, em referência ao projeto que idealizou no norte fluminense em área identificada pela Marinha americana, em 1942, para abrigar um porto.
Agora, na fase pós-Império X, o objetivo da OSX é investir nesse terreno no Açu para atrair empresas que se instalem no local, pagando aluguel, e prestem serviços para a indústria de petróleo.
Na recuperação judicial, está prevista a capitalização da empresa via uma primeira emissão de debêntures a ser subscrita pelos credores que poderia chegar até R$ 100 milhões. Advogado de um dos credores afirmou, porém, que o valor de subscrição deve chegar só a R$ 40 milhões considerando aportes iguais de três grandes credores (Votorantim, Santander e Prumo).
Leonardo Antonelli, sócio do escritório Antonelli & Associados que defende credores do grupo EBX, disse que há uma série de recursos pendentes no caso do plano de recuperação judicial da OSX. Em um deles, um fundo pede que sejam desconsiderados os 61 votos que foram representados por um mesmo procurador, alegando que houve "vício de legitimidade". Há também um grupo de 17 credores que foi impedido de votar nas assembleias que aprovaram o plano da OSX. E a espanhola Acciona, um dos maiores litigantes, aponta muitas supostas ilegalidades no plano da OSX. Já o advogado de credor que votou a favor disse acreditar, no entanto, que será difícil esses recursos "prosperarem".
Na entrevista ao Valor, Eike negou que tenha sido cogitado um salvamento do grupo pelo governo: "Não. Zero. Eu não sou de pedir ajuda assim, minhas coisas têm que se sustentar por elas mesmas."
O efeito dominó que atingiu o grupo não salvou nem a área de mineração, negócio no qual Eike tinha experiência: "Eu era minerador, entendia aquilo como ninguém", afirmou. Em outubro do ano passado, a MMX Sudeste, empresa detentora de minas de minério de ferro em Minas Gerais, recebeu autorização da Justiça, em Belo Horizonte, para seguir em um processo de recuperação judicial.
A subsidiária da MMX, listada em bolsa, terá que renegociar cerca de R$ 500 milhões em créditos com credores que incluem ARG, Fidens, Rio Bravo e GVA. No total, a lista tem mais de 300 nomes. Há expectativa que a assembleia de credores possa ser feita em abril.
A Eneva, dona de parque de energia térmica no Nordeste, sucessora da MPX, foi a última das empresas idealizadas por Eike a entrar em recuperação judicial, em fevereiro. Precisa renegociar dívidas de R$ 2,3 bilhões.
Fonte: Valor Econômico/Francisco Góes, Cristiano Romero e Graziella Valenti | Do Rio e São Paulo
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