Um grave problema de comunicação em relação à proteção da Amazônia vem sendo enfrentado pelo governo Bolsonaro e precisa ser superado, caso contrário quem pagará a conta será o agronegócio brasileiro, disse Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global e titular da Cátedra Luiz de Queiroz da Esalq-USP.
"A luz vermelha das exportações do agronegócio acendeu porque você pode ter um movimento muito forte de questionamento e também de rejeição dos nossos produtos."
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O governo brasileiro está sob forte ataque, desde ontem, por causa dos incêndios na floresta. As críticas vêm sendo feitas por políticos, governadores, empresários do agronegócio e também por nações estrangeiras.
Na avaliação de Jank, há uma dificuldade do Brasil em dialogar com outros países, porque, segundo sua explicação, é comum ocorrerem queimadas no país nesse período do ano, mas a rápida divulgação das notícias pelas redes sociais dão outro tom para a situação.
"Quando você não aparece e não explica as coisas, no mundo de redes sociais hiperativas, qualquer coisa vira notícia. Até fotos de queimadas que não ocorreram no Brasil, mas em outros lugares, África ou Bolívia, apareceram como sendo fruto da política ambiental brasileira", disse.
"Precisa ter um conjunto de pessoas, não só do governo, mas também do setor privado brasileiro, que se empenhe em uma jornada de conversa pelo mundo afora."
Se não buscar ampliar esse diálogo, o professor afirma que o país passará por uma crise de percepção, que pode afetar tanto o acordo já fechado na Europa como negociações com outros governos.
"Hoje, com as notícias atuais, as possibilidades de aprovação do acordo [Mercosul-UE] no Parlamento Europeu diminuem, se isso não for resolvido."
O governo francês disse nesta sexta-feira (23) que o presidente Jair Bolsonaro mentiu ao assumir compromissos em defesa do ambiente na cúpula do G20, em junho, e que isso inviabiliza a ratificação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, concluído no mesmo mês.
A Irlanda também afirmou que vai bloquear a implantação do pacto caso o governo brasileiro não atue para combater os incêndios em curso na Amazônia.
Na Finlândia, o ministro da Economia, Mika Lintila, sugeriu que a União Europeia considerasse urgentemente a possibilidade de banir importações de carne bovina do Brasil.
Preocupação mundial
"Até na China, onde eu vivi durante quatro anos, que não tinha tanta preocupação com o meio ambiente, as empresas têm manifestado preocupação com o desmatamento", afirmou Jank.
Por ser sensível em todo o mundo, a área do meio ambiente exige um aparato de comunicação apto para esclarecer qualquer troca de política, afirmou.
Embora tenha dito não poder opinar sobre a questão dos monitoramentos, em relação à parte agrícola, ele disse não ter havido nenhuma alteração relevante do que já ocorria em outros governos.
"Na agricultura que cumpre o código florestal, pelo que eu tenho conversado, não houve uma grande mudança."
"A fiscalização do lado legal é sempre muito eficiente. O que é muito complicado é a fiscalização dos ilegais. Você tem que lembrar que há 22 milhões de pessoas vivendo na Amazônia. Então na falta de outras alternativas econômicas, eles partem para ilegalidade."
Por isso, Jank afirmou que o diálogo precisa ocorrer internamente também, incluindo as ONGs.
"São importantes os esclarecimentos. Tem que se reunir com ONGs, não digo que com todas, mas, por exemplo, com a TNC (The Nature Conservancy) e CI (Conservation International), que há muitos anos desenvolvem projetos em parcerias com o agronegócio brasileiro."
Fonte: Valor