A falta de chuvas atrasa o plantio da soja nas principais regiões produtoras e ameaça frustrar as previsões de nova safra recorde de grãos no País em 2020/21. O período de semeadura da oleaginosa começou em 16 de setembro, mas as máquinas não estão no campo por falta de umidade do solo. Em algumas regiões, não cai chuva em bom volume há 60 dias. Se a estiagem persistir, os produtores ficarão sem "janela" para plantar a safra de milho, no início do próximo ano, na mesma área, após a colheita da soja. Na agricultura, o termo "janela" define o intervalo de tempo considerado a melhor época para o plantio de culturas, levando em conta o menor risco de perdas de safra.
Os meteorologistas preveem um período de chuvas mais escassas nas principais regiões agrícolas do País até dezembro. O inverno, nessas regiões, já teve chuvas abaixo da média. A seca traz outro fator de preocupação para os produtores: os incêndios que atingem matas estão devastando também áreas de cultivo cobertas com palhada para o plantio direto e, nessas áreas, haverá perda de produtividade. Os resíduos da colheita anterior - palhas e caules de milho, trigo e outras lavouras, triturados durante a colheita - protegem o solo dos raios solares, retêm umidade, reduzem a erosão e são essenciais para o plantio direto (sem necessidade de revolver o solo), favorecendo também a ação de micro-organismos para produção de matéria orgânica.
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A previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de que a safra 2020/21 atinja 278,8 milhões de toneladas de grãos, 8% mais que a anterior. Só a soja deve produzir 133,5 milhões, 7% acima da safra 2019/20. A projeção para o milho é de 112,4 milhões de toneladas, cerca de 9% a mais, a depender do desempenho da terceira safra. Regiões que fazem a safra de verão do milho, chamada de primeira safra, também estão com o plantio atrasado. A soja só pode ser plantada após o fim do vazio sanitário - período de 90 dias em que o cultivo é proibido para o melhor controle de pragas, como a ferrugem asiática. A data varia conforme o lugar.
Em Mato Grosso, maior produtor do País, a área plantada com a soja está abaixo da média dos últimos cinco anos, segundo o presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), Antonio Galvan. “Estamos com menos de 1% da área plantada, contra uma média de 2,5% nessa época nos últimos anos.” Segundo ele, apenas as áreas irrigadas já foram semeadas. “Está feio, mas o produtor deve ter paciência. Nossa orientação é de cautela, pois os meteorologistas falam de um período um pouco tardio de chuvas. O produtor não deve colocar suas culturas em risco, precisa esperar a chegada das chuvas”, orientou.
Conforme Galvan, o calendário da soja leva em conta a segunda safra, que é plantada com milho, em janeiro. O cereal é cultivado logo após a colheita da soja na mesma área. “O produtor fez a venda antecipada, não só da soja que vai semear agora, como também do milho que ele vai plantar no fim de janeiro. Então, ele precisa estar com a soja colhida para plantar o milho, por isso, se não chover, ele vai plantar assim mesmo e esperar que a chuva chegue. É um risco, mas o agricultor é sempre otimista.”
No Paraná, outra grande região produtora, as chuvas foram escassas e insuficientes para molhar o solo. No norte e oeste paranaenses, entre agosto e setembro, a média esperada era de 100 a 180 mm, mas choveu entre 20 e 30 mm. O produtor Valdir Fries, de Itambé, região de Maringá, conta que no início da última semana choveu apenas 10 mm e a terra se ressentia de uma estiagem de quase dois meses. “Aqui o vazio sanitário da soja acabou no dia 10 de setembro, mas ninguém se dispôs a correr o risco de colocar a semente na terra, devido à falta de umidade no solo.”
A frente fria que passou pela região foi curta e, em alguns pontos, houve apenas chuviscos. “Estamos no aguardo de mais chuvas, já com todos os equipamentos revisados, controle de ervas daninhas, tudo no jeito para plantar. Estamos aflitos, na esperança da chegada de mais chuvas.”
O atraso no plantio da soja, segundo o produtor, pode afetar o ciclo das lavouras na região. “Podemos ter problema lá na frente, quando plantamos a safrinha de milho. Até porque a janela adequada de plantio da segunda safra vai, no mais tardar, até 10 de março. O ideal é podermos plantar a soja até 10 de outubro para não comprometer o plantio do milho safrinha”, relatou.
Segunda safra de milho sob risco
No sudoeste paulista, onde se concentra a maior produção de grãos de São Paulo, os produtores consideram que a estiagem já pode ter comprometido a segunda safra do milho. “Se tivéssemos iniciado o plantio da soja no último dia 15, daria para plantar o milho na segunda quinzena de janeiro. Como não choveu e as previsões de curto prazo são ruins, com certeza a estiagem de agora vai afetar a safrinha do milho lá na frente, pois a janela é curta”, disse o produtor Emílio Kenji Okamura.
Dirigente da Cooperativa Agrícola de Capão Bonito, que reúne 80 produtores da região, ele disse que as máquinas estão prontas, esperando chover. “Mas a previsão é de chuva só depois de 15 de outubro, um pouco tarde.”
No oeste da Bahia, o prolongamento da seca anulou as vantagens do fim antecipado do vazio sanitário, que tradicionalmente ocorria em 8 de outubro e, este ano, será dia 1.º. A medida foi sugerida pelo Comitê Estadual da Soja e acatada pela Secretaria Estadual de Agricultura (Seagri) para melhor aproveitamento da janela de plantio. “Estamos com tudo pronto, mas o solo está sem umidade e a palhada, muito seca. Temos de esperar as chuvas, mas não há sinal por enquanto”, disse Tiago Alves, produtor em São Desidério. No ano passado, ele colheu 68 casas por hectare, acima da média da região. “É cultura de sequeiro (sem irrigação), precisa de chuva”, disse.
Na região de Barreiras, os produtores de soja estão preocupados, pois a falta de chuvas já compromete os mananciais e poços usados para irrigação. De acordo com a Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), a situação pode se complicar quando os pivôs de irrigação forem ligados. A região tem 1,5 milhão de hectares para cultivo, mas apenas 5% são irrigados. A área irrigada, no entanto, responde por 10% da produção. Na safra passada, a região teve perdas de até 20% na produtividade da soja devido à seca.
Em Mato Grosso do Sul, a seca pode frustrar a previsão de grande aumento na área de cultivo, segundo o secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar, Jaime Verruck. “Estamos com estimativa de crescimento de área de 7,5%, o que é muito bom. No ano anterior já tínhamos recorde de área. Vamos chegar a 3,64 milhões de hectares, com expansão de áreas que eram usados para pastagem. Nesse momento, estamos iniciando o plantio, mas só haverá ampliação significativa do plantio se houver chuva entre os dias 9 e 10 de outubro. O atraso ainda é pequeno, já que se espera plantar 62% da área até o fim de outubro. Este ano estamos com nível menor de chuvas”, disse. Segundo ele, a safra de soja pode produzir 11,5 milhões de toneladas, mas vai depender do clima.
O produtor que planta milho na safra verão também está preocupado com a seca. “O plantio de sequeiro na região começaria em agosto e iria até o final de setembro, mas as chuvas não vieram. Plantamos apenas o milho irrigado, mesmo assim os dias de sol estão longos e o calor, muito forte”, disse o produtor Donizete Menck, de Capela do Alto, interior de São Paulo. O atraso acontece também nas principais regiões produtoras do Paraná, com 40% da área plantada, e Rio Grande do Sul, com 50%, mas os milharais jovens já sofrem com a estiagem.
Queimadas também preocupam
Os incêndios que atingem vários biomas brasileiros, principalmente Amazônia, Cerrado e Pantanal, também trazem prejuízos para os produtores de soja e milho, além de outras lavouras. Campos de produção preparados para o plantio direto foram atingidos pelas chamas, com a queima da palhada usada para manter a fertilidade do solo. “Esse fogo dá um prejuízo imenso, pois a área queimada leva de três a quatro anos para recuperar a mesma produtividade”, disse Galvan, da Aprosoja MT.
Segundo ele, os incêndios atingiram áreas de lavoura em todas as regiões do Estado. “Com a seca, o fogo avança pela palhada e fica difícil controlar. A origem desses incêndios é um mistério. O produtor rural não queima o lucro dele. O fogo é inimigo número 1 do agricultor.”
Também houve registros de incêndios em áreas de lavoura de Goiás, Minas Gerais e São Paulo. No último domingo, 26, um incêndio destruiu mais de 200 hectares de canaviais novos e áreas preparadas para plantio de cana em Jaú, interior paulista.
No oeste paranaense, agricultores fizeram mutirões para controlar os focos, conforme relato do produtor Valdir Fries. “São focos de incêndio que em muitos casos se iniciam nas margens de rios e beiras de estradas, causados por bitucas de cigarro. Essas queimadas têm deixado um rastro de destruição para os proprietários rurais, uma vez que, na entressafra, esse resto de vegetal das outras lavouras protege o solo. Com esse material extremamente seco, o fogo se alastra facilmente, queimando toda a palhada, ou seja, toda cobertura orgânica do solo. A destruição dessa matéria irá provocar perdas de produtividade nas próximas safras”, disse.
Clima no último trimestre
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), com a influência do fenômeno La Niña, o regime de chuvas pode ficar menos regular no País no último trimestre do ano. As chuvas devem ficar abaixo da média, de outubro a dezembro, na região oeste de Tocantins, sudeste do Pará e norte da Bahia. No Centro-oeste, o Inmet aponta para uma irregularidade das chuvas, que devem cair com mais intensidade em novembro.
No trimestre, o índice de chuvas deve ficar acima da média na parte central e norte de Mato Grosso, centro do Mato Grosso do Sul. Nas demais áreas, a previsão é de chuvas ligeiramente abaixo da média. O mesmo deve acontecer no leste de São Paulo e centro de Minas Gerais. Por conta do La Niña, após um período mais intenso de chuvas entre outubro e novembro, pode haver um corte nas precipitações entre dezembro e janeiro.
Fonte: Estadão